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Jornal da USP online

Os rumos da preservação

Publicado em 22 junho 2015

Por Izabel Leão

Quais as implicações para o Brasil da agenda da conservação da biodiversidade e que ações se espera do País? Qual o papel da Universidade nesse contexto? Esses foram alguns pontos debatidos durante o evento Agenda Internacional da Conservação da Biodiversidade e o Papel do Brasil, ocorrido no auditório da Superintendência de Tecnologia da Informação, no dia 11 passado, promovido pela Pró-Reitoria de Pesquisa, Núcleo de Pesquisa em Biodiversidade e Computação, Instituto de Estudos Avançados e Escola Politécnica.

O evento contou com a presença do secretário-executivo da Convenção da Diversidade Biológica (CDB) da ONU, Braulio Ferreira de Souza Dias, do coordenador do Programa Biota-Fapesp e membro da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas (IPBES), Carlos Alfredo Joly, e de pesquisadores da USP com ampla atuação na área ambiental, como o professor José Goldemberg, do Instituto de Energia e Ambiente (IEE), e José Pedro de Oliveira Costa, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), além de Patrícia Faga Iglecias Lemos, secretária do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

No âmbito mundial, a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) é um importante documento acordado na Conferência da ONU no Rio de Janeiro, em 1992, para a proteção do ambiente e o estabelecimento de ações ambientalmente mais sustentáveis em nosso planeta. A CDB atualmente é um acordo internacional do qual fazem parte 195 países, incluindo o Brasil e a União Europeia, sendo ausências notadas os Estados Unidos e o Vaticano.

A 10ª Conferência das Partes – COP da Convenção sobre Diversidade Biológica, ocorrida em Nagoia, capital da província de Aichi, no Japão, em outubro de 2010, estimulou e orientou governos subnacionais a adotarem medidas para implementação das Metas de Biodiversidade e outras ações para implementação das decisões da COP X.

A CDB inovou ao reconhecer o valor intrínseco da biodiversidade (conjunto de todos os seres vivos) e a estabelecer como objetivos principais não só a conservação, mas também o uso sustentável e a repartição de benefícios derivados da exploração dos recursos genéticos. Também reconheceu a soberania dos países sobre os recursos genéticos existentes em seus territórios, até então considerados patrimônios da humanidade.

Segundo o secretário-executivo da CDB, a questão da biodiversidade é um dos temas crescentes no mundo junto com mudanças climáticas. “Este ano a 21ª Conferência do Clima ocorrerá em Paris e temos muita expectativa de conseguir bons resultados, uma vez que o Brasil tem exercido grande liderança nessa área e somos muito respeitados no mundo todo na área de ambiente”, comenta Souza Dias.

O secretário explica que a Convenção sobre Diversidade Biológica não trata apenas de conservação, embora este seja seu primeiro objetivo. Trata sobre conservação, no sentido amplo, de espécies, de ecossistemas, de variedade genética e serviços ecossistêmicos como a polinização, por exemplo.

Segundo a secretária do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Patrícia Lemos, o Estado está comprometido com o plano estratégico da biodiversidade. São metas que orientam a política pública paulista para a conservação, restauração e o uso sustentável da biodiversidade. “Depois do encontro em Nagoia, o Estado de São Paulo estabeleceu um plano focado na integração de todos os membros do sistema ambiental paulista, de forma a implementar essas metas no nosso território”, ressalta.

Marco Legal – Recentemente foi aprovado no Brasil o novo Marco Legal da Biodiversidade, que incentiva e facilita as pesquisas sobre as espécies nativas, protege os conhecimentos dos povos tradicionais brasileiros e fomenta a produção de novos fármacos, cosméticos e insumos agrícolas. Para Souza Dias, esse novo marco protege o ativo estratégico brasileiro, além de beneficiar e criar regras claras para todos os atores interessados no desenvolvimento de pesquisas e produtos a partir de insumos da biodiversidade brasileira.

O secretário-executivo da CDB tem buscado dar mais efetividade à implementação das decisões da Convenção, procurando dar mais atenção às causas últimas por trás da perda da biodiversidade, prestando atenção nas questões sociais e econômicas. “São nestes pontos que estão os fatores de pressão: crescimento populacional, crescimento do consumo, produção não-sustentável, poluição, instrumentos econômicos não adequados (por exemplo, a maior parte dos subsídios e incentivos econômicos promovem efeitos perversos no ambiente, como os subsídios à indústria pesqueira e aos combustíveis fósseis).”

O quarto relatório do Panorama Global da Biodiversidade, que está traduzido em seis línguas e encontra-se no site da CDB (https://www.cdb.int), mostra que os esforços empreendidos até o momento para mudar os problemas da biodiversidade não foram suficientes para que alcancemos as 20 metas de Nagoia até 2020. “Há necessidade de intensificar os esforços e ampliar as ações. A CDB tem feito grandes esforços para reunir todas as soluções técnicas, ferramentas, guias e orientações para facilitar a implementação das metas. O maior problema está na falta de recursos financeiros, capacitação, priorização política e falta de união entre os diversos setores que não somente o do ambiente”, explica Souza Dias.

Para Carlos Alfredo Joly, membro da IPBES e coordenador do Programa Biota-Fapesp, o maior problema paraimplantar as metas é como fazer o diálogo com os detentores do conhecimento tradicional, por exemplo. “Por ser um universo diferente, é preciso ter pessoas especializadas para lidar com esses detentores e, para isso, estamos criando workshops de capacitação profissional.”

A IPBES tem como função básica fazer uma ponte entre ciência e política. A ideia é organizar todo o conhecimento acadêmico que já existe a respeito da biodiversidade do planeta para orientar o processo de criação de políticas internacionais sobre o tema.

Os especialistas da IPBES ficaram alarmados com os dados apresentados pelo Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), que mostram que mais de 30% da superfície terrestre está sendo usada para a agricultura e, com isso, 20% dos habitats naturais vêm perdendo espaço desde a década de 1980. Houve uma redução de 100 milhões de hectares de florestas entre 2000 e 2005. Além disso, as ervas marinhas e os mangues diminuíram em 20% desde as décadas de 1970 e 1980. Em algumas partes do globo já foram perdidas 95% de áreas pantanosas. A população de animais vertebrados diminuiu 30% desde 1970 e 20% dessas espécies atualmente estão ameaçadas de extinção. As espécies que mais correm risco são os corais. Os recifes com esses serem vivos diminuíram 38% desde 1980.

O Professor Emérito do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) e ex-reitor da USP, professor José Goldemberg, em sua rápida fala no evento, disse que os dados apresentados pela CDB e pela IPBES devem ser mais quantitativos e menos genéricos. Como exemplo, ele citou que a reunião do G7 definiu que as emissões de CO2 devem ser reduzidas entre 40% e 70% até 2050. “Os políticos olham os problemas de maneira impressionista. Eles só reagem quando pressionados pela sociedade”, declarou.

Para Souza Dias, a métrica da biodiversidade é complicada. “Até hoje não temos no mundo todo um sistema de monitoramento de ecossistemas. Precisamos criar uma metodologia para ter essa quantificação.”

Complementando a fala de Souza Dias, Joly afirma que a IPBES, que trabalha em conjunto com a CDB, lançará dois guias que pretendem estabelecer as metodologias para se fazer a métrica dos ecossistemas e da biodiversidade e tentar minimizar essas discrepâncias.