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Jornal da USP

Os riscos da transição à excelência (1 notícias)

Publicado em 28 de outubro de 2002

O próximo governo não pode permitir que a excelência brasileira em engenharia genética - reconhecida mundialmente - seja arruinada por conta da política econômica e da instabilidade política. Esse é o recado de cientistas ouvidos polo Jornal da USP aos novos donos do poder. Para os pesquisadores, a competência adquirida pelo Brasil nessa área do conhecimento faz com que ele possa compelir em igualdade de condições com qualquer outra nação mais avançada - um mérito que traz dividendos econômicos para o País e que não pode ser desprezado. A professora Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP, por exemplo, destaca que o governo precisa lembrar da importância de "não ser dependente" de outros países em relação à produção do conhecimento. Para isso, tem de investir cada vez mais em ciência e tecnologia. "Já conseguimos essa autonomia em genética", afirma. "Agora é preciso manter isso." Mayana lamenta que, nas últimas semanas, a pesquisa científica no Brasil já tenha sido afetada pela alta do dólar, que chegou a bater na casa dos R$ 4.00 e encareceu as importações de produtos e equipamentos necessários para os experimentos. Ela receia que, mantendo-se essa tendência de alta do dólar, os trabalhos de pesquisa sejam prejudicados, afetando a excelência brasileira em genética. "Há um risco grande de isso acontecer", diz. "A única diferença entre os nossos laboratórios e os laboratórios do exterior está no falo de que demora um pouco mais para recebermos o material solicitado. Quanto ao resto, somos muito competitivos. Não podemos perder essa capacidado." Segundo avaliação de Mayana, é necessário que o dólar caia para índices inferiores a pelo menos R$ 3.00. "Como está hoje já é uma desgraça", ressalta. "Tem que cair mais e mais." Mayana comanda um centro de estudos que atua em vários setores da engenharia genética e realiza diferentes pesquisas, desde o mapeamento de genes ligados a cânceres ale estudos sobbe doenças genéticas - todas elas financiadas pela Fapesp, a agência responsável em boa parte pelo sucesso da genômica no Brasil e mantenedora de vários projetos na área (leia texto abaixo). TURBULÊNCIA PASSAGEIRA Já o professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), em Piracicaba, Luis Eduardo Aranha Camargo demonstra um otimismo cauteloso em relação a atuação do próximo governo na área da ciência e tecnologia. Um dos coordenadores do projeto de mapeamento da bactéria Leifsonia xyli xyli, causadora de danos à cana-de-açúcar. Camargo reconhece que as incertezas da política trouxeram turbulências na economia e afetaram a pesquisa no País, porém vê essa ocorrência como "passageira". A confiança do professor repousa em dados concretos: em busca de empresas interessadas em investir na área de biotecnologia através de parcerias com a Esalq. Camargo tem se encontrado com empresários que se mostram relativamente tranqüilos com os rumos que o novo governo possa tomar e se mantêm interessados em firmar convênios com a Esalq. "Eles não estão muito incomodados com a transição", afirma o professor. "Partindo de empresários, isso parece ser um sinal de que as coisas vão se estabilizar." Os projetos que Camargo pretende realizar em parceria com a iniciativa privada são outro motivo para que o governo brasileiro mantenha a excelência da pesquisa brasileira em genética. O professor quer usar as ferramentas da genômica para explorar a imensa biodiversidade brasileira, que está sendo descrita pelo Projeto Biola, também da Fapesp. "Digamos que o Biota descubra uma espécie vegetal que produz uma substância que possa ler alguma aplicação médica", exemplifica Camargo. "A nossa idéia é, através da genômica, conhecer os mecanismos genéticos de produção de tal substância para tentar produzi-la em laboratório." O professor calcula que as pesquisas deverão ter início no próximo ano. "Para isso, precisamos de estabilidade." CONQUISTAS QUE NÃO PODEM SE PERDER A excelência brasileira na área da genética molecular foi mundialmente reconhecida em fevereiro de 2000, quando o então governador de São Paulo, Mário Covas, anunciou o mapeamento completo do genoma da bactéria Xylella fastidiosa, causadora da "praga do amarelinho", doença que ataca os laranjais. Financiados pela Fapesp ao custo de US$ 13 milhões, 192 pesquisadores de 35 laboratórios do Estado - interligados via Internet através da rede Onsa - mapearam todos os 2.900 genes da bactéria, que somam mais de 2,7 milhões de pares de base. Primeira descrição genética completa de um organismo causador de danos à agricultura, a façanha foi comentada pelos principais veículos de comunicação do mundo. A revista científica Nature dedicou ao assunto a capa da edição de 13 de julho de 2000, que publicou o paper com os resultados da pesquisa. Em editorial, a revista afirmou que o mapeamento da bactéria foi "uma conquista tanto política como científica" e "um claro sinal" do desejo e da habilidade de países em desenvolvimento, como o Brasil, de participar de projetos até agora restritos às nações mais avançadas. Já o jornal francês Le Figaro, do mesmo dia 13 de julho de 2000, trouxe com destaque o texto "Le Brésil parmi les grands" ("O Brasil entre os grandes"). "Ao seqüenciar o genoma da bactéria Xylella fastidiosa, o Brasil se ergue ao nível das potências biológicas do planeta: Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Japão e Alemanha." A tal ponto chegou a fama dos cientistas brasileiros no exterior que, num artigo publicado em 21 de outubro passado no jornal O ESTADO DE SÃO PAULO, o jornalista Larry Rohter, do New York Times, citou o Estado de São Paulo como a sede do "principal instituto de mapeamento genético fora dos Estados Unidos", numa clara referência ao trabalho realizado pela Fapesp. Mas a Fapesp não descansou sobre os louros. Ao contrário, incentivada pelo sucesso do Projeto Genoma Xylella fastidiosa, ela deu início a uma série de projetos em biologia molecular que até hoje dão frutos científicos para o Estado e para o País. Atualmente, o Programa Genoma-Fapesp reúne uma série de iniciativas nessa área. Só o programa AEG - sigla para Genomas Ambientais e Agronômicos, em inglês - prevê o mapeamento de cinco organismos. Entre esses organismos estão as bactérias Xylella da videira -um projeto encomendado pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, já concluído e aceito para publicação -, Leifsonia xyli xyli, que causa danos às culturas de cana-de-açúcar, e ainda um patógeno causador de doenças em humanos, cujo nome os pesquisadores mantêm em sigilo. O AEG inclui também o mapeamento de 120 mil genes do genoma do Eucalipto e de 100 mil genes do genoma do café. Com o Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer, de São Paulo, a Fapesp mantém o Programa Genoma Clínico, que até o final deste ano deverá fornecer seus primeiros resultados. O objetivo do programa é desenvolver novas formas de diagnóstico e tratamento do câncer a partir do estudo de genes expressos em vários tipos de tumores, como de cérebro, cólon, cabeça e pescoço. O Genoma Funcional - que estuda o genoma da Xylella fastidiosa para descobrir a função de seus genes - e o projeto de mapeamento da cana-de-açúcar são outros exemplos das conquistas da ciência paulista e brasileira na área da genética. É todo esse empreendimento tão bem-sucedido que, segundo os pesquisadores, não pode ser perdido por conta de uma transição governamental. PEREZ PROPÕE NOVO "PACTO FEDERATIVO" O governo brasileiro precisa fazer um novo "pacto federativo" para garantir a excelência brasileira em ciência e tecnologia. Segundo esse pacto, as agências federais de financiamento à pesquisa precisam atuar em estreita colaboração com as agências estaduais, a fim de fortalecer todo o sistema. Juntas, as agências federais e estaduais definiriam as necessidades de cada região do País, que seriam atendidas através do trabalho dos pesquisadores. Ainda de acordo com o pacto, os governos estaduais devem participar efetivamente do financiamento da pesquisa, criando suas próprias agências e garantindo a elas autonomia e recursos regulares. Essa é a proposta do diretor-científico da Fapesp, professor José Fernando Perez, para a política científica e tecnológica do novo governo brasileiro. Do alto da experiência de quem há quase dez anos comanda os elogiados projetos da Fapesp, Perez destaca que a implementação desse "pacto federativo" é uma "necessidade urgente" para o manutenção da excelência brasileira na pesquisa científica. "O sistema não terá crescimento se isso não for feito." Segundo Perez, os recursos federais são insuficientes para garantir o financiamento da pesquisa científica - uma atividade fundamental, diz, para o desenvolvimento social e econômico do País. Por isso, os Estados têm de colaborar através de suas agências, fornecendo uma parte dos recursos necessários. Para ele, é impraticável que apenas o Estado de São Paulo possua uma agência forte. "Muitos Estados, num flagrante desrespeito à sua Constituição, ignoram o seu dever para com a pesquisa", considera. "O novo governo precisa ter bem claro que não adianta atuar na macroeconomia se o setor de ciência e tecnologia não for considerado um pilar nas prioridades governamentais." (Leia na página 8 mais informações sobre a Fapesp e as propostas de política científica para o novo governo).