O sistema universitário brasileiro é hoje constituído por cerca de 127 universidades e 700 instituições isoladas públicas e privadas. Praticamente todas estas instituições têm como eixo principal de atuação o ensino de graduação. As mais importantes, em que destaco a USP, UFRJ, Unicamp, UFMG e UFRGS, contam ainda com um número expressivo de alunos de pós-graduação e docentes engajados ativamente em programas de pesquisa. Se por um lado o ensino de graduação é fundamental para formação dos profissionais que qualquer país necessita para seu crescimento e oferecimento de condições de vida satisfatórios, é o ensino de pós-graduação e pesquisa que pode oferecer as condições básicas para que se entre em uma fase de crescimento real, desenvolvimento sustentado e, através do domínio do conhecimento científico e tecnológico, projetar-se entre as grandes nações do mundo contemporâneo.
Foi com esta visão que há quatro anos um grupo de pesquisadores influenciados e sob a liderança de Darcy Ribeiro iniciou uma aventura criando em Campos, a principal cidade da pobre região, a Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf). Desde o início ficou claro que esta nova universidade pública, criada atendendo o que determinava a Constituição do Estado do Rio de Janeiro promulgada em 1988 (artigo 49 do ato das disposições transitórias), deveria pautar a sua atuação no sentido de se constituir, em curto prazo, em um centro de formação de profissionais, altamente qualificados, com excelente formação científica.
No sentido de atender a este objetivo a universidade iniciou quase que simultaneamente atividades de ensino de graduação e de pós-graduação. Os dois primeiros anos foram de crescimento acelerado, com a entusiástica participação de Darcy Ribeiro; Nos últimos dois anos, apenas manteve-se o que foi feito inicialmente. Agora, quatro anos depois, a Uenf lança no mercado os primeiros graduados nas áreas de Biociências e Biotecnologia. É importante chamar atenção para o fato de que os 32 alunos que ingressaram no Centro de Biociências e Biotecnologia (CBB) da Uenf em agosto de 1993, após aprovação em vestibular realizado no meio do ano, correspondiam, na sua grande maioria, àqueles que não ingressaram em outras universidades no início do ano. Ao primeiro contato com estes alunos foi possível perceber que não tiveram boa formação no ensino secundário. Foram, no entanto, expostos rapidamente a um ensino em que se valorizava a atividade científica dentro de laboratórios de pesquisa bem equipados, onde todos os pesquisadores docentes possuem o título de doutor e participam de projetos de pesquisa.
Ao longo dos anos, foi possível acompanhar uma transformação marcante de praticamente todos os alunos. Estes tiveram que se adaptar às exigências normais do mundo científico, onde a necessidade de atualização permanente, a discussão em profundidade dos temas de interesse, e o questionamento constante dos conhecimentos existentes fazem parte da rotina de trabalho. Ficou claro que as deficiências nítidas observadas no início do curso decorriam exclusivamente do descaso com que ao longo dos últimos 30 anos vem sendo tratado o ensino básico público e privado em nosso país, com as normais exceções, a começar pela vergonhosa desconsideração com os professores. Dos 32 alunos que iniciaram o curso, quatro transferiram-se, após análise vocacional e entrevista, para outras áreas (Engenharia, Agronomia, Veterinária), sem necessidade de se submeterem a outro vestibular. Os demais alunos permaneceram no curso e participaram entusiasticamente de um Programa de Iniciação Científica mantido com recursos do Estado do Rio de Janeiro e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Vinte e dois acabam de concluir o curso, após aprovação em defesas de monografias que foram examinadas por comissões especializadas, contando inclusive com a participação de pesquisadores de outras universidades.
Na realidade, seguiu-se todo o ritual de defesa de uma tese de mestrado e a análise do conteúdo das monografias atesta que como tal poderiam ser consideradas. O exame detalhado destas monografias mostra que duas premissas básicas estabelecidas no projeto de implantação da Uenf foram atendidas. Entre os temas de pesquisa apresentados encontrávamos a análise de questões de grande interesse nacional e regional, como o estudo do Rio Paraíba do Sul, de importantes lagoas da região, do processamento de antígenos de agentes etiológicos de importantes doenças, a caracterização de componentes dos venenos de serpentes brasileiras etc. Nestes estudos foram utilizadas as mais modernas abordagens experimentais da biologia moderna, como o seqüenciamento de proteínas, a localização de antígenos, microscopia eletrônica etc. Finalmente, considero importante assinalar que 19 destes estudantes (85%) foram selecionados para ingresso imediato em cursos de pós-graduação da própria Uenf, da UFRJ e da Fundação Oswaldo Cruz, todos eles credenciados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (Capes).
Estes dados deixam claro que o Centro de Biociências e Biotecnologia da Universidade Estadual do Norte Fluminense cumpriu as metas estabelecidas no projeto de implantação da nova universidade, inserindo-se rapidamente no reduzido número de instituições que podem ser enquadradas como "ilhas de excelência" do ensino superior do país. Os resultados obtidos atestam a viabilidade do modelo de universidade proposto. Resta agora que o Estado do Rio de Janeiro dê o apoio necessário ao projeto, mantendo suas diretrizes iniciais.
Ex-reitor da Uenf, professor titular da UFRJ e Uenf, membro da Academia Brasileira de Ciências
Notícia
Jornal do Brasil