Um número crescente de pesquisas do meio ambiente tem usado o áudio para complementar formas consagradas de análise como a observação visual e a captura de amostras. De acordo com a revista da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), começam a se organizar no país os primeiros grupos de pesquisa bioacústica, ou “ecologia da paisagem sonora’. Multidisciplinares, eles podem incluir profissionais de diferentes áreas, da biologia à ciência da computação.
Ao captar os sons de um ambiente por um determinado período de tempo, é possível detectar os comportamentos de diferentes partes do dia ou em épocas de maior chuva ou estiagem. Pode-se ainda avaliar as consequências da intervenção humana em uma região e até flagrar sinais de uma espécie que se supunha extinta.
Esse tipo de pesquisa envolve longas gravações de áreas da natureza e a posterior examinação dos resultados com a ajuda de algoritmos específicos. Representações visuais de sons também são geradas para identificar padrões de ondas sonoras.
Um registro inesperado
Um dos grupos está ligado ao Laboratório de Acústica e Meio Ambiente (Lacmam) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). Encabeçado pelo engenheiro Linilson Padovese, o projeto montou equipamentos de gravação em terra e água.
Entidades de preservação do meio ambiente pediram que o grupo tentassem localizar o canto de três aves ameaçadas de extinção: papagaio-chauá (Amazona rhodocorytha), papagaio-de-peito-roxo (Amazona vinacea) e papagaio-de-cara-roxa (Amazona brasiliensis).
As gravações foram realizadas nas regiões de Itatiaia e Resende, no estado do Rio de Janeiro. De acordo com os pesquisadores, com a ajuda do algoritmo foi possível identificar o canto do chauá em pelo menos dois momentos. Acreditava-se que a ave estava extinta na região.
Em um projeto realizado com o engenheiro da computação cubano Ignácio Sánchez Gendriz, atualmente pesquisador da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), Padovese captou a paisagem sonora de dois parques no litoral sul de São Paulo. Gravando no Parque Estadual da Laje de Santos e no Parque Estadual Xixová-Japuí, o pesquisador conseguiu localizar a presença de determinados peixes e de baleias-jubarte. Segundo ele, os sons ganham intensidade ao amanhecer e no fim da tarde.
Tempos de gravação
Em 2015, as biólogas Marina Duarte, da PUC-Minas (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais), e Renata Sousa-Lima, do Laboratório de Bioacústica da UFRN, ao lado de dois ecólogos da Universidade de Urbino, na Itália, iniciaram um trabalho para definir as diretrizes de observação dos diferentes biomas do país.
“Não havia padrão internacionalmente aceito para analisar os registros de paisagens sonoras, e os diferentes grupos decidiam de forma subjetiva de quanto em quanto tempo analisar os dados”, afirmou Duarte à revista da Fapesp. “Decidimos estabelecer um padrão para alguns ecossistemas brasileiros.”
Depois de muitos testes, chegou-se ao números ideais para cada bioma. “Na Mata Atlântica, é possível examinar 1 minuto a cada meia hora”, explicou a pesquisadora. “No Cerrado é preciso analisar 1 minuto a cada 15 e, nos campos rupestres, 1 a cada 5.”
Em outra pesquisa, Duarte avaliou os efeitos da poluição sonora gerada pela mineração em um trecho de Mata Atlântica perto de Belo Horizonte. A bióloga instalou microfones no interior e na borda da floresta, localizada a cerca de 500 metros da mina Brucutu, área de extração de minério de ferro. Como esperado, houve uma diversidade significativamente menor de espécies na parte da floresta mais exposta às explosões, sirenes e barulhos de máquinas decorrentes da atividade da mina.
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