A engenharia genética, a manipulação da vida em seu nível mais básico, é uma ruptura tecnológica comparável à descoberta do fogo ou à fissão do átomo. Da mesma forma pela qual o fogo possibilitou à humanidade fundir metais e remoldá-los em novos materiais, a engenharia genética nos permitirá decompor a vida e reconstruí-la a nosso gosto. Da mesma forma que a manipulação do átomo liberou a terrível energia da bomba atômica, a engenharia genética, ao interferir no próprio processo de evolução, pode soltar um gênio destrutivo e incontrolável.
Esse é, em essência, o argumento apresentado por Jeremy Rifkin em seu quase apocalíptico, mas muitas vezes muito palatável e intelectualmente instigante, relato dos rápidos avanços da biotecnologia. O autor retrata uma comunidade científica cega pela ambição de conhecimento e firmemente decidida a ampliar os limites da natureza.
A sociedade como um todo, argumenta, ainda não digeriu as implicações da revolução biotecnológica. Subjacente a todo o livro está a pergunta básica: Devemos fazer uma determinada coisa só porque sabemos fazê-la?
Sem causar surpresa, muitos profissionais da área de biotecnologia encaram Rifkin como um ludista (os operários que, inspirados na teoria do trabalhador inglês Ned Ludd, destruíram as máquinas no início da Revolução Industrial) da ciência e um profeta do Apocalipse. Mas, embora Rifkin possa ser culpado de cortejar Armagedon (batalha bíblica que instaurará a destruição total, o fim do mundo), este livro é mais que simplesmente um exercício de futurologia alarmista. É uma tentativa de incitar a sociedade a formular uma reação ética à biotecnologia - uma maneira do interpretar e controlar os esforços da ciência no próximo século.
O livro atinge seu ponto mais instigante ao abordar as tecnologias atuais, a partir das quais Rifkin extrapola sua visão — geralmente sombria - do futuro. Ele descreve, por exemplo, a criação de "supercamundongos". Hormônios de crescimento humano foram injetados em embriões de camundongos, que atingiram o dobro do tamanho dos camundongos normais. "Agora existe uma linhagem de camundongos que continua a transmitir os genes de crescimento humanos, geração após geração." Ele passa a explicar como a mesma técnica tabaco reluzissem após a introdução de um gene de vaga-lume e como o gene "anticongelamento" dos linguados foi agregado ao código genético das trutas, de modo que pudessem sobreviver em águas frias.
Para Rifkin, tudo isso está indo longe demais. "Estamos assumindo a tarefa de criar um segundo Gênese, desta vez sintético, submetido a exigências de produtividade."
Boa parte do livro se assenta sobre esse argumento do "caminho sem volta". Uma discussão das técnicas genéticas de prognóstico leva rapidamente à visão de Rifkin do "apartheid" genético e ao que ele chama de "eugenia ao alcance de todos". Os testes genéticos que prevê em câncer de mama já estão fazendo com que as mulheres se submetam a mastectomias preventivas. Se os recursos dos testes genéticos se tornarem mais sofisticados, não apenas expandirão esse tipo de dilema como também as companhias de seguro vão clamar por esse tipo de informação, o que produzirá a subclasse genética dos "não-asseguráveis". Pode-se conceber por que seria desejável para uma companhia aérea saber se seus pilotos têm ou não predisposição genética a enfartes. Mas, se fosse assim, todos os empregadores não deveriam ter o direito de sondar as predisposições genéticas de seus empregados?
E se você souber, pergunta Rifkin, que seu feto tem uma probabilidade razoável de desenvolver uma doença degenerativa na meia-idade? Você iria abortá-lo? Uma opção, diz o autor, poderia ser reparar quaisquer mutações genéticas, interceptando qualquer disfunção genética. Mas pode não ser um grande salto intervir no estágio de espermatozóide e óvulo, reparando genes tendentes a causar doenças ou mesmo introduzindo genes com capacidade de gerar atributos desejáveis. "Os pais, no Século da Biotecnologia, serão obrigados a decidir se vão arriscar na loteria genética tradicional... Sabendo que seus filhos podem herdar algumas características 'indesejáveis' ou submeter-se a alterações genéticas em seu esperma, óvulos, embriões ou fetos."
Muitas das questões levantadas por Rifkin são dignas do consideração e discussão. Mas ele às vezes prejudica sua argumentação ao carregar nas suas tintas e ao escamotear os benefícios que a biotecnologia trará. O leitor chega a suspeitar que ele secretamente abomina mudanças de qualquer espécie.
Numa passagem reveladora, ele traça paralelos entre o cercamento pelos senhores feudais das terras anteriormente comunais na Inglaterra dos Tudor e o cercamento (por patenteamento) do cabedal genético mundial. Para Rifkin, as leis de apropriação do século XVI sepultaram para sempre um modo de vida, pondo fim aos códigos feudais de dever e responsabilidade, inaugurando uma era de relações consolidadas pelo dinheiro. Isso não deixa de ser verdade. Mas, se Rifkin fosse um copista medieval, provavelmente nos teria aconselhado a nos aterrarmos à vida bucólica que conhecíamos e rechaçarmos as temerárias travessuras do Iluminismo e da Era Industrial.
Notícia
Gazeta Mercantil