O acesso a Internet no Brasil existe desde 1991 no Âmbito acadêmico. A introdução da rede comercial levantou a preocupação de manter as características mundiais da rede, que deve ser livre e aberta.
Nesta entrevista com Alessandra Tiraboschi, Demi Getschko mostra como isso pode ser possível.
CCE - Como está a Internet no Brasil, atualmente?
Demi Getschko - Com a criarão do projeto ANSP (an Academic Network of São Paulo), a Fapesp estabeleceu uma linha internacional que começou a funcionar, no Brasil, no final de 1988, trafegando apenas Bitnet e Hepnet. O acesso a Internet só foi possível em fevereiro de 1991, com o tráfego ampliado para TCP/IP. Cerca de oito meses depois, também foi criada a linha da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Porém, até o final de 1994, a abrangência da rede era apenas acadêmica. Após, até mesmo por pressões da rede universitária, a Embratel estabeleceu uma ligação entre o Rio de Janeiro e Washington, usando como provedor de serviços Internet, a Sprint americana, acabando com a restrição.
Existem duas linhas acadêmicas, uma da Fapesp, de 256K, que em breve irá para 2 megabits por segundo, fornecendo Internet para toda a USPnet e para 70% da Rede Nacional de Pesquisa (RNP), a segunda no Rio de Janeiro, de 64K, indo para 256K, fornecendo Internet para a Rede Rio e para trechos da RNP no Espírito Santo. Além dessas duas linhas acadêmicas, há uma comercial de 384K, fornecida pela Embratel no Rio de Janeiro.
CCE - Qual é a diferença entre as linhas comercial e acadêmica?
Demi - A diferença é notada no caminho da informação do exterior para o Brasil. As linhas acadêmicas dão acesso à malha acadêmica da rede. Já dentro do Brasil, ambas as malhas estão interligadas. Se você está na USP e quer falar com alguma firma, vai direto ao Rio de Janeiro pela linha acadêmica São Paulo Rio. Lá, você sai da rede acadêmica e entra na comercial, acessando a Embratel.
CCE - No Brasil, quantas pessoas estão ligadas à Internet?
Demi - Esse dado é muito difícil. O que temos são estimativas do número de nós, obtidas a partir de programas que testam os Domain Name Servers (DNS). A rede acadêmica ultrapassou 10 mil nos, no começo deste ano. No momento, deve estar com 13 ou 14 mil nós. Não dá para saber, ao certo, quantos usuários tem. Nos EUA, costuma-se considerar de 1 a 10 usuários por máquina, o que seriam 65 ou 140 mil usuários. É um número estimativo. Existem máquinas com milhares de usuários, como o spider.usp.br. e outras com apenas um usuário.
CCE - Com a ampliação dos serviços da Internet haverá uma explosão de usuários no país?
Demi - O número de nós conectados tem dobrado, ano a ano, na área acadêmica. Também está ocorrendo um crescimento do tráfego devido às novas ferramentas gráficas como o Netscape e o Mosaic. Um exemplo bastante ilustrativo e que até fevereiro a nossa linha internacional era de 128k e mudamos para 256K, sem avisar. Em 15 dias, o tráfego foi de 128K para 180K, sem que o pessoal soubesse que poderia exigir mais. No Brasil, como no exterior, a área comercial começou a entrar na Internet há pouco tempo. Os debates de como vai se dar o uso comercial da rede, o que se pode ou não fazer, estão acontecendo tanto aqui quanto nos EUA. Enquanto isso, as empresas estão afluindo à rede rapidamente.
CCE - A RNP anunciou que vai também gerenciar o acesso comercial a Internet. Isso pode interferir nas atividades acadêmicas?
Demi - A administração da Internet no Brasil e no mundo é uma atividade muito difusa, ou seja, não existe alguém que a administre de fato. Quando a Fapesp se ligou à Internet, cuidamos do domínio mais alto que é o .br. Administrar o .br significa que você tem o DNS de resposta definitiva para o Brasil, ou seja, nós temos os apontadores para as sub-regiões brasileiras. Isso tem que estar em um único lugar. Não é um fato estranho. Em algum lugar do Brasil você tem que dizer muito bem qual é o caminho, se quer ir, por exemplo, para .com.br. E, quem vai dizê-lo é o .br. Se você quiser resolver um nome que termine em org.br, vai consultar o .br que é o host server para o .br. Esse DNS, até por razões históricas, está aqui na Fapesp. Isso não é controlar ou não, seja a região acadêmica ou comercial. Existe simplesmente um começo de árvore, um apontador dizendo como se chega a um galho, que tem folhas à vontade.
Um outro controle que nos foi concedido pela Internic é a distribuição do número IP. Os endereços se esgotaram rapida¬mente e foi preciso criar mecanismos para controlar os poucos números que ainda existiam.
CCE - E como isso foi feito?
Demi - Os números foram agrupados regionalmente e a América Latina recebeu a fatia do número 200 e a metade foi repassada para o Brasil. Devemos fazer uma distribuição racional para que as rotas sejam razoáveis, internamente. Se uma instituição comercial quer acesso à Internet ela, provavelmente, virá pela linha da Embratel do Rio e nós vamos atribuir-lhe um endereço (IP), dentro do bloco correspondente. Essa atribuição precisa ser ordenada. Com isso, impedimos que sejam geradas tabelas de endereçamentos enormes. Se alguém precisa de endereço, independente da área de atuação, deve constar de nossa base de dados e receberá uma parte correspondente ao seu porte. Não é feito nenhum critério seletivo ou restritivo. Nós não temos o direito, nem a missão, de restringir ou facilitar o acesso de quem quer que seja. Somente mantemos o acesso cadastrado e ordenado, pois a Internic vai nos cobrar o que foi feito com o bloco alocado no Brasil. Se isso significa que a RNP ou a rede acadêmica vai administrar a Internet brasileira, deve ser entendido nesse contexto, bem restrito.
CCE - Com a operação comercial, ocorre algum tipo de interferência nas atividades acadêmicas?
Demi - A rede comercial vai se expandir e isso só vai enriquecer a rede porque, além das instituições externas que podem ser acessadas, vão existir também as internas que virão via rede comercial. E preciso apenas tomar cuidado para que o dinheiro que é investido em redes, que tem um enfoque especificamente acadêmico, continue sendo investido, para que não haja problemas. Eu acredito que vai haver benefícios. O usuário acadêmico está interessado em acessar seus colegas de academia, mas também todos os tipos de instituições, sejam grandes empresas com centros de pesquisa importantes, ou outras que prestam serviços de seu interesse. Ele não tem que se preocupar com a abertura do acesso comercial na Internet. Tem é que continuar lutando pela melhora da rede e dos meios de que dispõe para poder utilizar as ferramentas. A rede comercial vai crescer com suas próprias pernas. A- idéia é fazer com que a rede seja de concorrência livre e aberta, com múltiplos provedores, como nos demais países e há uma portaria garantindo isso: um terreno fértil para que os provedores surjam e para que a Internet cresça de forma rápida e competitiva.
CCE - A chamada "guerra" pela administração da Internet realmente não existe?
Demi - Não realmente. A administração de nomes e números é feita há muito tempo. Existe alguma tensão quanto à disputa do mercado comercial da Internet. Quem estará nesse mercado? As "teles"? A Embratel? Outros provedores? Como será esse acesso? O ideal é que existam canais que permitam que a rede se espalhe pelo país todo e que surjam provedores em diversos estados.
CCE - Muda algo na estrutura da Fapesp para cuidar dessa nova realidade?
Demi - Por enquanto a Fapesp continua na área acadêmica. A rede ANSP, é hoje, puramente acadêmica. Nós estamos batalhando a aplicação do decreto que daria 50% de desconto a essas linhas. A Fapesp dá acesso a instituições não acadêmicas, mas que fazem um uso não comercial. São grandes empresas com importantes centros de pesquisas que têm interesse em trocar dados com a academia. A Fapesp quer preservar o segmento acadêmico, inclusive para aplicar os benefícios que a eventual redução de tarifas possa trazer, aumentar as bandas, a capacidade das linhas, etc.
Por outro lado, a ANSP também está examinando com cuidado formas de dar acesso geral a todo o tipo de usuário, de provedor e de instituição, acadêmico ou não.
CCE - Pessoas tem procurado a Fapesp para saber sobre o acesso comercial à Internet?
Demi - Quem nos procura mais são os potenciais providers, que são firmas nacionais e do exterior interessadas no mercado que o Brasil representa. Como as telecomunicações tem uma legislação historicamente muito rígida no país, as pessoas não sabem muito bem o que pode ou não ser feito. Em geral, elas questionam se poderiam na verdade, distribuir IP. Isso é difícil de responder porque os canais são do sistema Telebrás, mas os serviços podem ser disputados pelas empresas.
CCE - Com o início das atividades comerciais no Brasil, quais suas perspectivas para a Internet?
Demi - Acredito que por mais alguns meses, até haver de fato a disseminação da Internet comercial, teremos um certo tumulto. A Embratel começou um pouco tímida nessa área. Agora as coisas estão ganhando maior velocidade e, imagino que pelo número de consultas de pessoas querendo registrar o seu nome e querendo espaço e endereço para se colocar como provedor, em breve estaremos cobrindo o mercado todo.
Demi Getschko é Engenheiro Eletricista e doutorado em Engenharia Elétrica pela Escola Politécnica, Gerente de Informática da Fapesp e Coordenador da Rede ANSP. Entrevista realizada por Alessandra Tiraboschi
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Jornal da USP