O livro foi publicado em 1968, mas eu ainda não o conhecia, embora quarenta anos transcorridos. “A Amazônia para os negros americanos”, de Nícia Vilela (Pesquisa Fapesp 156) merece ser lido agora mais do que antes, quando há um presidente de cor na Casa Branca. Ele, mulher e filhas.
Em 1862, no decurso da Guerra de Secessão, Lincoln se encontrava em sua serenidade, encurralado pelos densos e graves problemas nacionais. Na síntese do livro da professora Nícia, que o geólogo Roberto Murta me trouxe, conta-se que, no discurso anual à nação, o famoso “State of the Union”, Abraham Lincoln pediu ao Congresso a liberação de 600 mil dólares. Mas não para reforçar as despesas com o conflito.
Dizia o chefe da nação: “Os congressistas precisam liberar o dinheiro necessário para a deportação de pessoas negras livres para qualquer lugar fora dos Estados Unidos”. (Como recebi o texto já traduzido, não sei exatamente se “deportar” foi o termo consentâneo com o espírito do presidente).
A ideia foi defendida por Lincoln em cinco oportunidades. Dizia: “O local onde penso ter uma colônia é na América Central. É mais próxima de nós que a Libéria (que posteriormente foi instalada na África). A terra é excelente para qualquer povo, especialmente a semelhança climática com sua terra natal, sendo, portanto, adequada às suas condições físicas”, escreveu em artigo no “New York Tribune”. O título: “The colonization of people of african descendent”.
Faço questão de transcrever os textos, como saíram, para se ter noção de como a ideia evoluía. Em agosto de 1862, editorial do “The New York Times” afirmava: “O plano oficialmente proposto pelo presidente Lincoln e sancionado pelo Congresso, para dar início à tarefa de colonizar fora dos EUA os negros, libertos ou em vias de serem libertados no decorrer da guerra, está em vias de se concretizar no máximo em cinco semanas. Eles serão transportados à custa do governo e mantidos durante a primeira estação à custa do Estado e para tal uma verba foi aprovada pelo Congresso”
Lincoln decidiu nomear James Watson Webb, representante extraordinário e ministro plenipotenciário dos Estados Unidos. Era um cidadão antiabolicionista publicamente reconhecido e confesso. Via e libertação dos escravos mais perigosa do que a própria escravidão. Assim, em carta a William Henry Seward, secretário do presidente, manifestou: “Não é apenas do interesse dos Estados Unidos e absolutamente necessário para sua tranquilidade interna que se livre da instituição da escravidão, mas também, em consequência do preconceito de nosso povo contra a raça negra, se torna indispensável que o negro liberto seja exportado para fora de nossas fronteiras, pois conosco ele jamais poderá gozar de igualdade social ou política”.
O próprio Webb, escrevendo, em 1843, para o “Courier & Enquirer”, parecia convencido do perigo que os negros representavam: “Libertar os negros do Sul e deixá-los onde se encontram será o início de um conflito que só poderá terminar com extermínio de uma outra raça. A raça negra é caracterizada por uma ignorância degradante e inferioridade mental, enquanto os escravocratas são honrados, patriotas e de mente elevada”.
Com esse pensamento e na condição de representante da Casa Branca, Webb, em maio de 1862, propôs ao Brasil a constituição de uma empresa binacional de colonização para atuar na Amazônia, usando como mão-de-obra os pretos trazidos dos Estados Unidos, os já libertos ou os que fossem libertados no decorrer da Guerra Civil.
Eis um episódio nas relações do Brasil que não se encontra nos compêndios. Eram Lincoln lá, e Pedro II, entre nós. Quem primeiro focalizou o tema foi Sérgio Buarque de Holanda, no livro de Nícia Vilela. Acho que volto ao tema, que a todos interessa.