Ao entrar, em 1951, no curso de Física, na época oferecido pela antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da USP, o jovem Ernst Wolfgang Hamburger, nascido em Berlim em 1933 e então com 18 anos, estava fascinado pelos avanços da física quântica e da nuclear, obtidos de maneira rápida devido às demandas e investimentos feitos pelos governos de muitos países, que se digladiavam no contexto da guerra fria, e sonhava em se tornar um cientista, um pesquisador que pudesse dedicar sua vida a essas questões, contribuindo para a melhor compreensão da matéria e do funcionamento do Universo. Após superar, com a família, as perseguições dos nazistas, imigrando para o Brasil em 1936, ter estudado na Escola Britânica e, depois, no Colégio Estadual Presidente Roosevelt, onde se dedicou ao atletismo, Hamburger conseguiu, em 1954, completar seu sonho, se formando e, no ano seguinte, se tornando especialista e professor da Universidade. Em 1959, veio o doutoramento pela Universidade de Pittsburgh, Estados Unidos, seguido pela livre-docência (1962) e, seis anos depois, com apenas 33 anos, o título de professor catedrático - hoje chamado de titular - da FFCL, que nos anos 70 deu origem ao atual Instituto de Física da USP.
Apesar da realização do sonho, o que ele não sabia é que uma experiência ocorrida em 1963 - quando foi convidado pelo Instituto Brasileiro da Educação, Ciência e Cultura, ligado à Unesco e então dirigido por Isaías Raw, hoje presidente da Fundação Butantan, para dar palestras para alunos do colegial (atual ensino médio) - lhe causaria um impacto tão profundo a ponto de ele escolher a dedicação ao ensino e a popularização das ciências como uma meta de vida. "O interesse dos alunos diante das demonstrações práticas de física nuclear me marcaram profundamente", lembra Hamburger, que é diretor da Estação Ciência, centro de difusão científica, tecnológica e cultural da USP, desde 1994. "Mas passei a me dedicar com maior intensidade a partir de 1968, após o AI-5, pois quando a ditadura se transformou em tirania me convenci de que podia fazer mais pelo País através da educação em ciências do que pesquisando a energia nuclear", conta o cientista, cuja atuação na área acaba de ser reconhecida pela Rede de Popularização da Ciência na América Latina e Caribe, a Red-Pop, que lhe entregou, no dia 28 de maio, em cerimônia realizada no Centro de Ciências Explora, em León, México, o Prêmio Latino-Americano de Popularização da Ciência e da Tecnologia 2002-2003.
"Fiquei muito feliz por ter recebido o prêmio, apesar de saber que existem outras pessoas que o merecem tanto ou mais que eu, mas essa menção tem um sabor especial para mim pelo fato de a inscrição ter sido feita pelo presidente da Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência, Ribamar Ferreira, com a colaboração dos funcionários da Estação Ciência, que quiseram me homenagear neste momento da minha vida", declara Hamburger, que no dia 8 de junho completou 70 anos e, por força da lei, teve de se aposentar. "Essa lei, que não é exclusiva do Brasil, pois outros países têm legislações similares, existe para garantir a abertura de oportunidades aos mais jovens", diz. "Entretanto, graças à estrutura da Universidade, apesar de não podermos mais exercer cargos administrativos, ela nos permite colaborar em atividades de extensão cultural, como exposições, e manter nossos vínculos com a pós-graduação, orientando pesquisas de mestrado e doutorado."
Kalinga - Ganhador de outros prêmios, como o Kalinga (2000) - maior reconhecimento mundial para os profissionais que se dedicam ao ensino e à popularização da ciência, dado pela Unesco e patrocinado pela Fundação Kalinga, da Índia, já concedido a outros três brasileiros, José Reis (1974), Oswaldo Frota Pessoa (1982) e Ennio Candotti (1998) - e o Prêmio José Reis de Divulgação Científica, concedido pelo CNPq (1994), o cientista, que é membro da Academia Brasileira de Ciências, também teve reconhecimento através de projetos nos quais esteve envolvido, como a série "Minuto Científico", desenvolvida em parceria com a TV Cultura com apoio do Ministério da Cultura. Premiada internacionalmente, inclusive como melhor vídeo de divulgação científica no Festival de Cannes, edição 1997, a série é formada por dez vinhetas que explicam em apenas um minuto diferentes questões científicas. Idealizada por Hamburger, teve a direção de seu filho, o cineasta Cao Hamburger, um dos criadores da série "Castelo Rá-Tim-Bum". "Outra iniciativa da qual me orgulho de ter participado, com alguns colegas, foi a criação, em 1969, de um dos primeiros programas interdisciplinares de pós-graduação da USP, dedicados ao ensino de ciências, modalidade física, que já formou mais de 150 mestres e doutores, introduzindo novos experimentos nos laboratórios e diferentes métodos didáticos", afirma Hamburger.
Há nove anos à frente da Estação Ciência, Hamburger já perdeu a conta das palestras, exposições, livros, oficinas, cursos de treinamento e mostras realizadas, sem contar a reforma do prédio histórico que abriga a Estação, feito para uma antiga tecelagem do começo do século e que, desde 1985, está em processo de tombamento pelo Condephaat, dada sua importância arquitetônica e para a memória do processo de industrialização e urbanização do País. "Além da reestruturação física, a Estação Ciência também contou com o apoio da Fapesp e da Fundação Vitae para a criação de novas exposições de longa duração, como a 'Corpo Humano', cuja primeira parte será inaugurada no aniversário da Estação Ciência, que será comemorado no dia 26 de junho, com a apresentação da Orquestra Sinfônica da USP e a abertura da mostra 'Virtudes do Café', organizada pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, a Esalq", conta Hamburger. "Daqui até o final do ano serão mais 22 projetos, entre exposições, palestras, oficinas, cursos, um concurso voltado para professores do ensino básico, inauguração do novo estande da Petrobras, em que os estudantes poderão ter acesso às diferentes atividades da empresa e a aulas sobre geologia, um espetáculo de dança e tecnologia e a inauguração da peça Conexões cósmicas, além da exibição de uma parte do acervo da Estação Ciência em julho, durante a reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a SBPC, que neste ano será realizada em Recife."
Até o final do ano a Estação Ciência publicará mais três livros que, com a obra Ciência e inclusão social, lançada em março, e outros livros elaborados desde o início da gestão de Hamburger, em parceria com diversas editoras, entre elas a Saraiva e a Edusp, somam uma dezena de publicações que estendem para o público, sob diferentes pontos de vista, discussões sobre como a educação científica e tecnológica pode contribuir para a superação dos problemas da sociedade brasileira. E em novembro será realizada a oitava edição da "Mostra de Material de Divulgação e Ensino das Ciências", cujo tema, este ano, é Ciência e educação: exclusão zero. "O projeto foi concebido com a meta de ser um espaço anual em que os profissionais, empresas e instituições que lidam com a divulgação e o ensino das ciências podem se reunir para trocar experiências, idéias e projetos", explica Hamburger. "Os interessados em participar da mostra podem, inclusive, procurar a Estação Ciência para o estabelecimento de parcerias."
Outra iniciativa que merece destaque é a criação do Projeto Clicar, em parceria com a ONG Cepeca, destinado ao atendimento de menores em situação de rua (carentes que moram ou não com os pais) através da utilização do microcomputador como principal ferramenta educativa. O projeto já atendeu mais de 1.600 jovens e crianças e conta com o apoio da Petrobras. "Espero que as iniciativas criadas pela Estação Ciência, além do prêmio da Red-Pop, ajudem a expandir a divulgação e o ensino das ciências e da tecnologia no Brasil, dando maior visibilidade à necessidade de se investir cada vez mais no setor, fator fundamental para o desenvolvimento cultural, político e econômico da nossa sociedade."
Notícia
Jornal da USP