Que motivos podem explicar a 2.ª vaga em Manaus? A imunidade de grupo já desapareceu ou nunca existiu e o vírus pode ter-se tornado mais eficaz a fugir do sistema imunitário e a infetar as pessoas.
04 fev 2021, 12:27
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Os cemitérios sobrelotados de Manaus obrigaram a decretar a abertura de valas comuns para enterrar as vítimas de Covid-19. A notícia sobre a capital do estado do Amazonas, no Brasil, é recente, mas em tudo semelhante ao que se assistiu em abril na mesma cidade. Com uma diferença fundamental, no entanto: nos primeiros 21 dias de janeiro, Manaus fez tantos enterros de vítimas de Covid-19 (1.333), com infeção confirmada antes da morte, como durante todo o ano de 2020 (1.285), reporta a CNN Brasil. A força da segunda vaga apanhou a região desprevenida, e até os especialistas, uns e outros convencidos de que a população estava protegida pela imunidade de grupo. O que correu mal então?
A imunidade de grupo pode não ter sido alcançada como se julgava ou ter desaparecido entretanto. O vírus pode ter evoluído de forma a escapar-se ao sistema imunitário ou ter-se tornado mais eficaz a causar a infeção. Ou todas estas hipóteses juntas, como descreve uma equipa multinacional liderada por Ester Sabino, investigadora no Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, num comentário publicado na revista científica The Lancet.
A evolução do vírus, o surgimento de mutações que lhe conferem vantagens e a disseminação de novas variantes é das questões que mais preocupações levantam, não só na região, mas também no resto do Brasil e a nível internacional. A variante P.1, que terá surgido durante a segunda vaga em Manaus, já viajou para fora do país — foi detetada, inicialmente, no Japão — e já motivou o encerramento das ligações aéreas com vários países. Dentro do Brasil, os estados de São Paulo, Piauí, Santa Catarina, Paraná, Ceará, Acre e Mato Grosso do Sul, já a confirmaram ou aguardam investigação de casos suspeitos.
“Com certeza já está circulando por todo o Brasil. Não é possível que tenham achado em outros continentes e não tenha chegado a outros estados”, disse o epidemiologista Jesem Orellana, do Instituto Leônidas Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazónia), à BBC Brasil.
Entre as mutações presentes nesta variante estão a N501Y (Nelly), que faz com que o vírus se ligue mais facilmente às células humanas para as invadir, e a E484K (Erik), que permite ao vírus escapar-se aos anticorpos neutralizantes, quer tenham sido desenvolvidos depois de uma infeção natural ou depois da vacinação contra a Covid-19. E é neste Erik que se centram as grandes preocupações e dúvidas, a de se saber se por causa dele o vírus pode infetar quem já foi infetado ou vacinado e, por isso, devia estar imune. “Determinar a eficácia das vacinas contra a Covid-19 nas variantes da linhagem P.1 e noutras variantes com potencial para se escaparem ao sistema imunitário é crucial”, escreveu a equipa de Ester Sabino.
A imunidade de grupo que pode nunca ter existido
O primeiro caso registado do novo coronavírus no Amazonas foi detetado no dia 13 de março de 2020: uma mulher de 39 anos que voltou de Londres infetada e recorreu a um hospital particular. Nas primeiras semanas, a infeção era registada sobretudo entre as classes sociais mais abastadas que traziam o coronavírus de outros países ou de outros pontos do Brasil. Nessa altura, 57% dos internamentos por doenças respiratórias localizavam-se em hospitais particulares de Manaus, noticiou a BBC Brasil. Depois, a situação inverteu-se, os estratos sociais mais desfavorecidos passaram a ser os mais afetados.
Uma vez atingido o pico, no final de maio, o número de novos casos começou a cair a partir de junho. Em setembro, a equipa de Ester Sabino estimou que cerca de 66% da população de Manaus teria sido infetada com o vírus e não 2% como apontavam os dados oficiais, conforme publicado na plataforma medRxiv, antes de a publicação ser revista por cientistas independentes. Os resultados diziam assim que cerca de 1,5 milhões de habitantes num total de 2,2 milhões teriam sido contagiados. Se o limite para se definir a imunidade de grupo for 67%, Manaus estava bem encaminhada.
“Embora intervenções não farmacêuticas, além de uma mudança no comportamento da população, possam ter ajudado a limitar a transmissão do Sars-CoV-2 em Manaus, a taxa de infecção excepcionalmente alta sugere que a imunidade de rebanho desempenhou um papel significativo na definição do tamanho da epidemia."
Lewis F. Buss et al. (2020) medRxiv