Em seu relatório de janeiro de 1996, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) apresentou uma alternativa hipotética à metodologia de aquisição, aos equipamentos e aos requisitos de gerenciamento do programa de implantação do Sistema de Vigilância da Amazônia, o Sivam. No relatório, a SBPC conclui que muitos dos subsistemas do Sivam poderiam ser fornecidos por empresas brasileiras, sem impacto sobre o seu custo ou qualidade, e que o sistema alternativo poderia fazer com que o Brasil economizasse US$ 500 milhões do custo de US$ 1.4 bilhão do projeto Sivam:
Como esta é uma acusação seria, era de se esperar que o relatório estivesse lastreado em uma avaliação rigorosa e responsável. Isto, entretanto, não ocorreu.
Os verdadeiros requisitos do projeto Sivam - equipamentos, software, financiamento, gerenciamento do programa e participação brasileira - foram cuidadosamente levantados e definidos, ao longo de vários anos, pelo governo brasileiro, através da Comissão de Coordenação do Sivam, a CCSivam, de conformidade com os objetivos do país para a região amazônica. Estes requisitos foram incorporados a um processo de licitação internacional e colocados à disposição de empresas de dezesseis países. Mais de sessenta empresas se interessaram, dentre elas as que formaram as quatro equipes finalistas do processo principal da concorrência: a equipe Thomson/Alcatel, da França, as equipes da Unisys e da Raytheon, dos Estados Unidos e a equipe DASA/AIenia, da Alemanha e Itália. Estas quatro finalistas foram posteriormente reduzidas a duas competidoras finalistas: a Thomson e a Raytheon.
Todas as equipes de empresas apresentaram suas propostas, usando a mesma base, formada pelos requisitos estabelecidos para o projeto Sivam pelo governo brasileiro. Nenhuma delas "inventou" o Sivam.
A oferta da Raytheon acabou sendo a vencedora porque apresentou a melhor solução técnica, o preço mais baixo e o financiamento mais favorável. Dizer, agora, assim de repente, que se tornou possível atender aos mesmos requisitos por um preço 40% menor do que o da proposta vencedora da Raytheon é uma afronta ao bom senso. A Raytheon, para vencer, apresentou o seu menor preço possível, e não conseguiria reduzi-lo. Se fosse possível fornecer o Sivam por 40% a menos, a Unisys, a DASA e a Thomson também teriam errado, visto que os preços de suas ofertas, para atender aos mesmos requisitos do Sivam, foram maiores que o da Raytheon e, portanto, muito maiores que estes da SBPC.
Como é possível "montar" o tal "Sivam alternativo" em tão pouco tempo e com custo tão baixo? A resposta é simples. Basta ignorar os verdadeiros requisitos. Os "preços" do relatório da SBPC estão depreciados e não são dignos de crédito, porque a alternativa SBPC omite muitas das partes importantes do Sivam. Por exemplo, a alternativa SBPC não incorpora sensores ópticos nem infravermelhos, nem varredores multiespectrais, nem equipamento de interccptação de sinais, nem os essenciais itens de apoio logístico (sobressalentes, ferramentas, equipamentos de teste, treinamento, operação assistida, assistência técnica etc), não considera aeronaves de inspeção de vôo nem sistemas automatizados de inspeção de vôo, não tem estações meteorológicas, só considera cinco aviões Brasília em vez dos oito previstos etc... Além disso, os "preços" são somente estimativas, e não propostas firmes de fornecedores que garantam atender ás especificações do Sivam e às exigências contratuais. E os "preços" referem-se apenas a componentes do sistema, "subsistemas" parciais - ignorando a questão relativa a quem caberá a responsabilidade geral, financeira e contratual pelo sistema integrado total.
Na pseudo-solução da SBPC, quem será responsabilizado, técnica, financeira e legalmente, se o Sivam não funcionar?
Ignorar os verdadeiros requisitos significa que ninguém será responsável pelas tarefas e pelos custos envolvidos na especificação, aquisição, integração e instalação do sistema, nem por testá-lo ou por fornecer treinamento, sobrevalentes e apoio logístico durante toda a vida do sistema.
Isso tudo faz que se torne possível estimar um custo muito "mais baixo" para o programa.
A verdadeira solução está em fazer como foi feito: entregar um projeto da dimensão, amplitude e importância do Sivam a profissionais com experiência real em grandes sistemas, como são os que formam a equipe do governo brasileiro, que será responsável pelo gerenciamento do programa, pela operação e pela manutenção do sistema, e como é a Raytheon, que conta com mais de quatro décadas de experiência na produção, integração e instalação de sistemas eletrônicos completos no mundo inteiro.
* Engenheiro de Eletrônica e diretor técnico da Raytheon Brasil Sistemas de Integração Ltda.
Notícia
Jornal do Brasil