Depois da euforia por ter sido alçado ao mais prestigiado posto diplomático do mundo, o sul coreano Ban Ki-moon toma, rapidamente, ciência de quão desafiador será conduzir a Organização das Nações Unidas nos próximos cinco anos. Parece ser mais que coincidência que no dia da confirmação do seu nome pelo Conselho de Segurança a Coréia do Norte tenha testado uma bomba nuclear. Como se não bastassem a frágil paz no Oriente Médio, o caos no Iraque e Afeganistão, os genocídios na África e a tentativa iraniana de desenvolver tecnologia nuclear, sem contar a divergência crescente entre os membros permanentes do Conselho de Segurança, o recém eleito secretário-geral terá a difícil missão de convencer os dirigentes do país mais fechado do mundo — em litígio com seu país a mais de meio século — a abandonarem as ameaças de uso do seu arsenal atômico para consecução dos seus interesses nacionais. Oitava personalidade a ocupar a Secretaria Geral da Instituição, o ex chanceler da Coréia do Sul sucederá o ganense Kofi Annan a partir de 1º de janeiro de 2007. Ban foi escolhido dentre sete candidatos — todos asiáticos, já que de acordo com o rodízio geográfico que é adotado, a Ásia é a contemplada — e não encontrou grande dificuldade para convencer o Conselho de Segurança — órgão que recomenda o candidato para posterior ratificação da Assembléia Geral — de que era o mais preparado para a posição. Dentre as principais funções do secretário-geral, destacam-se a preparação do orçamento da Organização, o envio de um relatório anual à Assembléia Geral e a convocação do Conselho de Segurança caso julgue haver ameaças à paz e a segurança internacionais no cenário internacional. Essas obrigações se encontram no capítulo XV da Carta da ONU — O secretariado — que compreende os artigos 97, 98, 99, 100 e 101. Não é de fácil percepção se Ban foi escolhido pelo que representa ou pelo que ele não representa. Ele se enxerga como um "harmonizador" e "mediador", predicados relevantes para o atual momento das relações internacionais. Todavia, questiona-se a sua discrição e o seu baixo carisma para liderar uma Instituição da complexidade da ONU.
Parece ser de uma dificuldade extrema preencher todos os requisitos para o cargo que o primeiro secretário-geral, o norueguês Trygve Lie, chamou de o "trabalho mais impossível do mundo". Ciente disso e da necessidade de não permitir que o ambiente hostil inviabilize o seu trabalho, o sul coreano solicitou à ONU unidade e coesão na repreensão à atitude norte coreana.
Ainda é prematuro lançar análises aprofundadas sobre as conseqüências da decisão da Coréia do Norte de testar uma bomba atômica. Depois de intensa negociação, o Conselho de Segurança aprovou por unanimidade uma resolução reprovando o teste nuclear e impondo sanções econômicas, embora todo o rigor pregado pelos Estados Unidos, incluindo a possibilidade de uso da força militar, tenha sido amenizado pela China. Agora a dificuldade reside no cumprimento dessas sanções, principalmente pelos aliados dos norte coreanos, como Rússia e China.
É difícil afirmar se o fato de o próximo secretário ser sul coreano será um fator positivo ou negativo no relacionamento com a Coréia do Norte. As duas Coréias nunca assinaram um acordo de paz desde a separação, mas ultimamente parecia haver uma aproximação amistosa e duradoura. Entretanto, a incluasão da Coréia do Norte no "eixo do mal", seguido do comportamento unilateral dos Estados Unidos na arena internacional, estimulou o país a desenvolver a bomba atômica como forma de proteção.
Mais que a bomba atômica em si, o maior temor é o mau exemplo que os norte-coreanos podem passar para o mundo. A reação internacional será determinante para definir se o mundo está entrando em uma era de proliferação nuclear.
Embora seja o caso mais notório, não é apenas o Irã que se interessa em desenvolver tecnologia nuclear. Egito e Turquia já anunciaram intenção de construir reatores nucleares, ainda que tenham ressaltado que seja para fins pacíficos. A possibilidade de Japão e Coréia do Sul também recorrerem ao elemento nuclear não deve ser descartada, ainda que seus governantes estejam negando que optarão por esse caminho.
Caberá a Ban Ki-moon a difícil missão de aglutinar os Estados membros na busca de uma unidade nos princípios das Nações Unidas para que as vias multilaterais possam voltar a ser o cerne das relações internacionais.
A valorização do multilateralismo, umas das condições para que os países periféricos parem de buscar nas armas atômicas um meio de defesa, passa, necessariamente, por uma reforma do Conselho de Segurança que lhe conceda mais legitimidade e representatividade. Porém, dada à peculiaridade da situação internacional, lograr consenso entre os membros permanentes do Conselho de Segurança para a diminuição da tensão no Oriente já será uma tarefa bastante desafiadora para o novo secretário-geral.
Fábio da Silva Sartori é discente do 4º ano de Relações Internacionais da Unesp-Marília e bolsista Fapesp. Correio eletrônico: fabiori@marilia.unesp.br
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Diário de Marília