Notícia

Jornal do Brasil

Os cavalos do inglês e a autonomia das universidades

Publicado em 26 março 1996

Por PAULO ALCÂNTARA GOMES
Etian ruinae perierem (até as ruínas pereceram, frase ouvida de um poeta contemplando as antigas ruínas de Roma, no período da decadência do Império) Contam, com freqüência, no Rio de Janeiro, que um inglês, velho criador de cavalos, extremamente obstinado pela racionalização das despesas com alimentação de seus animais, decidiu implantar nova sistemática, reduzindo, gradativamente, as doses de ração até o nível do que ele considerava o limite admissível de sobrevivência. As universidades federais são, hoje, as principais responsáveis pela qualidade da produção científica, da inovação tecnológica e da promoção cultural em nosso país. Os últimos avanços nacionais, das plataformas de petróleo à robótica submarina, dos novos materiais ao diamante sintético, dos diagnósticos e tratamento das doenças tropicais aos novos métodos de transplante de medula óssea, surgiram do trabalho diuturno realizado nas bancadas dos laboratórios das universidades federais. Muitas das inovações e conquistas ali obtidas resultaram em economia de divisas que aumentaram largamente os recursos empregados no custeio e na manutenção do Sistema Federal de Ensino Superior. Priorizando as ações de aproximação com os governos estaduais e as prefeituras, as universidades federais se engajaram na luta pela recuperação da dignidade dos docentes de 1º e de 2° graus, implantando programas de educação continuada para professores da rede escolar dos ensinos básico e fundamental, instalando museus de ciências para estudantes daquelas redes, oferecendo novos projetos de informática na educação e contribuindo decisivamente para as mudanças exigidas pela sociedade no que se refere á educação básica e fundamental. As universidades federais são também responsáveis pela instalação e pela manutenção de redes de computação e pelo acervo de milhões de livros e publicações especializadas pelo Brasil afora, um meganúmero até agora incalculável, porque sempre em expansão. Os hospitais universitários são outro exemplo digno de registro. Em diversas cidades eles são a garantia, às vezes a única, de cuidados médicos de qualidade, oferecendo à população milhares de leitos. Se fechados, conduziriam ao colapso vários grandes centros do país. O reconhecimento público da importância das universidades federais é, em diversos estados, como o Rio de Janeiro, referendado pelos próprios governadores que a elas recorrem na elaboração e na execução dos grandes projetos de transformação social. Ao lado de tudo isto, as universidades federais continuam formando cidadãos críticos e competentes, extremamente bem qualificados para o exercício profissional, como bem demonstram os concursos realizados nas empresas públicas e autarquias ao longo dos últimos anos. Os programas de mestrado e doutorado, instalados em sua quase totalidade nas universidades públicas e, em grande parte, nas federais, vêm sendo os responsáveis pela constante renovação dos quadros técnicos e científicos necessários ao crescimento das próprias universidades e dos institutos de pesquisas, governamentais ou privados. Conscientes de sua função pública, as universidades federais vêm exercendo com grande eficácia a aproximação com o segmento industrial, estimulando a implantação de incubadoras de empresas de base tecnológica e de parques tecnológicos, buscando assim novas formas de parcerias e dando ao empresariado brasileiro os meios necessários para a difícil competição observada no cenário internacional, baseada em padrões sempre crescentes de qualidade. Para atender a estas e inúmeras outras demandas, as universidades federais solicitaram um orçamento de custeio e manutenção que monta a R$ 488 milhões, excluídos benefícios como Pasep, vales-refeição e transporte, auxílios-creche, além de bolsas de residência médica. As propostas ora tramitando no Congresso Nacional sinalizaram para uma aprovação de R$ 160 milhões, na melhor das hipóteses. Numa demonstração de sua pujança, a UFRJ iniciou, há poucos dias, no Espaço Cultural do Congresso Nacional, mais uma turma da Escola de Governo. Convidado para ministrar a aula inaugural, o ilustre vice-presidente da República, doutor Marco Maciel, ofereceu aos presentes dois exemplos de competência na condução das ações políticas. Comentou que, quanto maior o número de opções viáveis, maior a facilidade de consenso e melhores as condições de governabilidade. Acredito que a questão orçamentária das universidades federais é uma boa demonstração disto: jamais será considerada opção viável uma proposta que sequer permite que as universidades federais se mantenham funcionando. As universidades federais têm procurado novos caminhos, novas formas de financiamento, novos empreendimentos. Executivo e Legislativo, entretanto, não podem fugir à sua obrigação de continuar a assegurar o funcionamento destas instituições públicas, pela qualidade e relevância de suas atividades. Em outro trecho de sua notável aula, o vice-presidente alertou para a necessidade de construir uma engenharia política em que fazer o que e como fazer sejam indissociáveis. A professora Eunice Durham, em artigo publicado recentemente no JB, defendeu a autonomia das universidades federais, sob pena de serem das condenadas à mediocrização. Eis a hora de juntarmos o fazer o que ao como fazer. Atendendo á solicitação de orçamento das universidades federais, Executivo e Legislativo criarão opções viáveis para a autonomia, chegando a um consenso e mantendo-se a governabilidade nessas instituições. * Professor titular da Engenharia Civil e reitor da UFRJ