Se a articulação entre ensino, pesquisa e extensão é o princípio da Universidade, a gestão parece ser a base que sustenta o tripé e torna possível, de forma contínua e crescente, a realização dessas atividades-fim. Nos últimos três anos, a USP tem vivido uma crise orçamentária que, além de trazer à tona discussões sobre a governança universitária, também provoca uma reflexão sobre seu papel na sociedade e a postura que deve adotar nos próximos anos.
No dia 1º passado, alguns dos mais importantes nomes da Universidade participaram do seminário Universidade em Movimento, na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, para apresentar sua visão sobre o momento por que passa a instituição. Exercendo papel relevante não apenas como docentes, mas também em questões administrativas, os convidados do seminário são os autores dos artigos que compõem o dossiê de mesmo nome publicado na edição 105 da Revista USP, lançada durante o evento.
O dossiê foi organizado pelo ex-reitor da USP e professor da FEA Jacques Marcovitch. “Ele pensou tudo isso de forma que a visão global de cada texto não colidisse com a anterior ou com a posterior. São várias visões, de várias áreas e campos, que se somam para compor um todo harmônico”, afirma o editor da publicação, Francisco Costa. A ideia surgiu a partir de um encontro de dirigentes realizado em março deste ano. “Decidimos fazer o dossiê como forma de materializar a discussão sobre governança universitária”, explica Marcovitch (leia mais sobre o dossiê na página ao lado).
Um dos principais entusiastas da edição, o professor Sérgio Adorno, diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), ressalta a importância de que as questões levantadas repercutam não apenas entre a comunidade interna, mas que se estendam a toda a sociedade, mostrando que a USP está consciente dos problemas e buscando saídas. “Este debate serve para potencializar a busca de um entendimento comum, ainda que transitório.” Em sua fala no seminário, Adorno lembrou a necessidade de manter na Universidade o debate de ponta, extrapolando o senso comum, e de promover espaços para encontros como esse. “Aprende-se muito nas crises, são momentos que forçam a imaginação, a busca de soluções. Temos que olhar para o lado positivo desse momento”, pontuou.
Avaliação – No seminário, alguns dos participantes lembraram que o momento é de crise em todo o País, e a Universidade não é exceção. O ex-reitor da USP e atual presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), José Goldemberg, destacou, no entanto, que há uma acomodação em relação ao retorno que a Universidade dá à sociedade. “Custamos caro e precisamos devolver mais. Só cursos de graduação não são a resposta, e isso é uma discussão essencial para conseguir recursos públicos”, argumentou. Professor Emérito do Instituto de Energia e Ambiente (IEE), Goldemberg presidiu a comissão coordenadora dos 80 anos da USP, oportunidade em que pôde discutir a questão da excelência, indicadores e métricas, e também fazer uma projeção sobre os próximos 20 anos da Universidade.
“Um dado inquietante que encontrei é que o impacto dos trabalhos feitos na Universidade tem se mantido estável nos últimos dez anos, com uma leve tendência de queda. Isso não pode continuar. Especialmente em momentos de crise, precisamos de inovação, de novas ideias”, afirmou. No artigo elaborado para a Revista USP, o físico aponta como soluções para elevar a excelência uma avaliação mais rigorosa dos docentes e a criação de novos mecanismos de avaliação dos departamentos.
Dedicado também à questão da avaliação dos docentes, o professor Luiz Nunes de Oliveira, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), destacou que o critério baseado apenas no número de publicações é muito rudimentar e que é necessário criar metas ambiciosas para melhorar as atividades de ensino, pesquisa e extensão. “Acho que, neste momento, não há saída senão trazer para o dia a dia dos docentes a cultura do planejamento”, afirmou no encontro. “A crise que temos agora é passageira. O outro desafio é mais sério e estará conosco por muito tempo”, complementou.
Finanças – Durante o seminário, o vice-reitor Vahan Agopyan comentou as medidas adotadas pela atual gestão da USP em resposta à crise orçamentária, como a implantação de uma Controladoria, a criação do Portal da Transparência e as atividades da Comissão de Orçamento e Patrimônio (COP), além do Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV). “Insisto em dizer que o que há é um desequilíbrio financeiro. Estamos pagando os funcionários e fornecedores em dia, não há acordos com bancos. Isso não é crise. A Reitoria está tomando medidas para que, no ano que vem, a crise de fato não ocorra”, disse.
Autora de artigo sobre autonomia e responsabilidade universitária, a professora da Faculdade de Direito (FD) Nina Ranieri deu sequência à fala do vice-reitor abordando a possibilidade de se ter evitado esse desequilíbrio por meio de mecanismos previstos em lei, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, adaptados às especificidades das universidades públicas. Segundo Nina, que já foi secretária adjunta da Secretaria Estadual de Ensino Superior, é preciso conhecer muito bem as questões que envolvem o emprego de recursos, já que as universidades têm um campo muito amplo de autonomia. “Elas vivem, sem dúvida, uma parcela da crise geral que vivemos. Mas o que observamos, tanto na questão nacional como na institucional, é que havia instrumentos que poderiam ter evitado a potencialidade assumida pela crise. Autonomia não existe sem responsabilidade”, defendeu.
O professor Carlos Antonio Luque, do Departamento de Economia da FEA, assina, no dossiê da nova edição daRevista USP, um artigo em que discute o financiamento das universidades públicas estaduais e também estabelece uma relação entre a situação econômica geral e a das instituições de ensino. Em sua fala no evento, explorou as várias pressões e disputas que envolvem a destinação orçamentária, considerando sua experiência durante 11 anos como secretário adjunto da Secretaria de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo. Nos comentários finais, reforçou sua convicção de que todos os desafios serão superados e o otimismo em relação à continuidade da USP como fundamental para o desenvolvimento da ciência no Brasil.
Liberdade – Presente no debate, o recém-empossado superintendente de Comunicação Social (SCS) da USP, professor Eugênio Bucci, enfatizou a importância de prosseguir a discussão, possivelmente em um grupo permanente, a fim de pensar um novo formato para a Universidade do futuro. “É uma tarefa que precisa ser realizada e este documento é prova disso”, disse, referindo-se à nova edição da Revista USP, publicação editada pela SCS. Assim como outros colegas no seminário, Bucci fez menção à abertura que torna possível, hoje, um debate como esse, rememorando os tempos do regime militar (1964-1985), quando os princípios de liberdade, autonomia e transversalidade do conhecimento na Universidade estavam sob ameaça, como ressaltou Adorno.
Organizador do dossiê que gerou o seminário, Jacques Marcovitch pontuou que a presença de docentes na gestão da Universidade é uma escolha, um modelo de governança que não é unânime nas instituições de ensino superior pelo mundo, mas que a USP adota por entender a relevância desse papel e por ter em seu corpo professores que assumem responsabilidades que transcendem as atividades-fim.
“Muitos desses professores já poderiam estar aposentados, mas continuam se dedicando à Universidade. A USP é um ambiente de trabalho muito diferente, com pessoas talentosas. Quando surge um desafio como esse que estamos vivendo, as ideias criativas vão surgindo e a dedicação aumenta”, afirmou o professor Vahan Agopyan. “É uma honra recepcionar esta mesa. Ofereço a casa continuamente para prosseguir com essa atividade fundamental para o bem da USP”, declarou o diretor da FEA, professor Adalberto Fischmann.
A Revista USP, publicação trimestral da SCS, pode ser encontrada em São Paulo nas livrarias da Edusp, Livraria da Vila e Livraria Cultura. No Rio de Janeiro, está disponível na Livraria Travessa. Também é possível receber a publicação em casa. Informações sobre assinaturas podem ser consultadas no endereço eletrônico www.usp.br/revistausp/ASSINATURA. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 3091-4403 e pelo e-mail revisusp@edu.usp.br.
Colaborou BIANKA VIEIRA
USP Online
Finanças, avaliação e autonomia em debate
Por THIAGO CASTRO
No dossiê “Universidade em Movimento” – publicado na edição 105 da Revista USP, lançada no dia 1º passado, durante seminário na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) –, professores, pesquisadores e dirigentes da USP debatem a crise da Universidade, apontando suas causas e fazendo projeções para o futuro.
O professor Carlos Antonio Luque, do Departamento de Economia da FEA, cita em seu artigo algumas dimensões para a crise financeira. Em primeiro lugar, destaca a disputa de recursos entre as áreas de atuação governamental – como transporte, educação e saúde, entre outras –, no contexto da fragilidade financeira que o setor público enfrenta no País. Em segundo lugar, há o desafio da própria área educacional. Os recursos que a USP recebe provêm de uma parcela do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que é volátil e muda de acordo com a arrecadação do Estado. Eventualmente, esses recursos podem se tornar insuficientes, gerando uma disputa financeira entre o setor básico e superior.
O vice-reitor Vahan Agopyan e o professor Rudinei Toneto Jr., do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (Fearp) assinam artigo em que citam as causas das atuais dificuldades da Universidade. Eles lembram que a volatilidade da arrecadação do ICMS está fortemente ligada a um bom desempenho econômico do País, o que exige uma gestão conservadora da Universidade.
O bom desempenho econômico ocorrido na primeira década do século gerou um forte ganho na arrecadação do ICMS, permitindo um grande repasse para a Universidade. Isso permitiu um aumento das despesas, sobretudo com pessoal. Porém, a partir de 2011, o cenário econômico mudou e a expansão das despesas começou a gerar um desequilíbrio financeiro, provocando déficits nas contas e a retração das reservas da USP.
Esse processo reflete problemas na gestão e no controle da Universidade. Não houve mecanismos para deter as crescentes despesas, planejamento e nem o monitoramento adequado da comunidade universitária. Tudo isso culminou com a crise iniciada em 2013.
Várias soluções para melhorar esse quadro foram apontadas nos artigos. Vahan Agopyan e Toneto Jr. afirmam que a USP requer esforços adicionais para alcançar o equilíbrio, além do que já está sendo feito atualmente. O ponto de maior destaque é o avanço na melhoria institucional. Isso quer dizer maior transparência nas definições das despesas e aprofundamento dos procedimentos participativos de definição do orçamento e das prioridades, bem como o reforço das funções de monitoramento do Conselho Universitário.
Para o professor José Goldemberg, ex-reitor da USP, as medidas serão uma tarefa difícil, principalmente no âmbito de elevar a excelência da USP em um momento de crise. Para ele, uma solução seria estimular a cooperação internacional através dos recursos disponíveis da Fapesp e de outras agências de financiamento do País. Já no âmbito interno, ele defende tornar mais rigorosa a avaliação individual dos docentes e criar novos mecanismos de avaliação dos departamentos.
Para o professor Sérgio Adorno, diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), em seu artigo, a USP não deve abrir mão de seus eixos fundadores, que são a liberdade e a autonomia, a indissolubidade entre ensino e pesquisa e a transversalidade do conhecimento. “Produzir a síntese entre tradição e contemporaneidade enseja sabedoria política, tecida no interior de uma universidade pluralista que acolhe a diversidade dos modos de produção da ciência e da cultura”, destaca.