SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A dificuldade do governo João Doria (PSDB) em aprovar seu projeto de reforma administrativa e ajuste fiscal (projeto de lei 529) na Assembleia Legislativa de São Paulo tem ganhado contornos eleitorais.
Deputados estaduais que são candidatos à prefeitura, como Arthur do Val (Patriota) e Marina Helou (Rede), têm trabalhado na obstrução ao projeto ao lado de outros deputados e bancadas que, na eleição municipal, fazem oposição ao candidato de Doria, o prefeito Bruno Covas (PSDB), que tenta a reeleição.
Depois de enfrentar oposição à esquerda e à direita com sucessivas derrotas no plenário, Doria foi obrigado a recuar e a modificar pontos do projeto. Entre os tucanos, há quem tema que o desgaste do governador respingue em Covas e há quem não veja influência na campanha.
Com as concessões do Palácio dos Bandeirantes, governistas esperam que o projeto seja aprovado em nova votação na noite desta terça-feira (13).
Além das bancadas de PT, PSOL, PC do B e PSL, que costumam fazer oposição a Doria e lançaram seus candidatos à prefeitura -Jilmar Tatto (PT), Guilherme Boulos (PSOL), Orlando Silva (PC do B) e Joice Hasselmann (PSL)-, a obstrução foi abraçada também por nomes que em geral votam com o governo.
É o caso de Caio França (PSB), filho do candidato Márcio França (PSB), crítico de Doria. Em uma etapa da votação do projeto no último dia 30, em que o governo perdeu por um voto, Caio se colocou contra o Palácio dos Bandeirantes -parte do PSB votou a favor.
A bancada do PSD, que compõe a base de Doria, também rachou: Marta Costa (PSD) foi contrária ao projeto. Ela é candidata a vice na chapa de Andrea Matarazzo (PSD).
Já a bancada do Republicanos está em situação delicada. Embora o partido tenha lançado Celso Russomanno à Prefeitura de São Paulo, a legenda ainda faz parte da base do governo Doria.
Apesar de Russomanno ter o apoio declarado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) -um adversário de Doria-, a maioria dos deputados do Republicanos se posicionou a favor do projeto.
Apenas Edna Macedo (Republicanos), irmã do bispo Edir Macedo, votou contra, segundo ela, pelo fato de o projeto prejudicar servidores públicos.
O PTB de Campos Machado, que filiou o bolsonarista Douglas Garcia e que ocupa a vice na chapa de Russomanno, também é contra o projeto.
O projeto de Doria, que visa cobrir o rombo de R$ 10,4 bilhões causado pela pandemia do coronavírus, foi apresentado à Assembleia no dia 13 de agosto. Inicialmente, a proposta abarcava uma série de temas, como aumento de impostos, uso da verba da Fapesp e das universidades estaduais e extinção de dez órgãos públicos.
No plenário, a matéria sofreu sete derrotas consecutivas, com deputados derrubando as sessões por falta de quórum. Como mostrou o Painel, deputados relataram a oferta pelo governo de R$ 20 milhões em emendas para quem votasse favoravelmente.
Mas o texto extenso e com temas diversos trazia pontos que desagradavam a esquerda petista, a direita bolsonarista, deputados do Novo e mesmo deputados da base -a questão eleitoral inflamou ainda mais a questão.
Cada derrota de Doria em plenário foi transmitida ao vivo nas redes sociais dos deputados, inclusive por Arthur do Val, candidato influencer.
No último dia 30, quando o governo Doria obteve 47 registros de presença e eram necessários 48, Arthur divulgou vídeo comemorando ao lado de deputados dos mais variados partidos.
"Hoje você derrotou o Doria, parabéns. [...] É candidato a prefeito de São Paulo", diz Conte Lopes (Progressistas) a Arthur na transmissão.
O candidato do Patriota então mostra deputados da base do governo derrotados. "Ali está o Republicanos, partido do Russomanno."
"A Marina Helou é candidata também a prefeita. Hoje você também derrotou o Doria", diz Arthur à candidata da Rede.
O PL 529 foi tema de pergunta a eles feita no debate da TV Bandeirantes, em 1º de outubro. Arthur disse ser contra o projeto pelo aumento de impostos, e Marina argumentou que o texto desrespeitava o Legislativo.
Aliados de Covas consideram que Doria errou ao enviar um projeto impopular e polêmico à Assembleia durante o período eleitoral. O governo paulista, porém, insiste na necessidade do PL 529 para reerguer a economia do estado.
Deputados republicanos e bolsonaristas dizem acreditar que o apoio do Republicanos ao governador não vai afetar os eleitores de Russomanno -mas, para os aliados do presidente, chegará a hora em que a sigla terá que escolher, em São Paulo, entre Bolsonaro e Doria.
"Não estamos votando pelo PSDB ou por Doria, mas pelo estado, que está com as contas estouradas. O prefeito que se eleger vai precisar das contas do estado em ordem", diz Gilmaci Santos (Republicanos).
Altair Moraes (Republicanos), favorável ao projeto, compareceu à reunião, no último dia 5, entre Russomanno e Bolsonaro, na qual o candidato à prefeitura criticou os tucanos. Outro nome do Republicanos, o deputado estadual Wellington Moura acabou, ainda que involuntariamente, ajudando o governo Doria no dia 30, dando mais tempo para a votação, mas mesmo assim não houve quórum.
Na última quinta (8), o governo se comprometeu a mudar pontos do projeto, voltando atrás na extinção da Fundação para o Remédio Popular (Furp), da Fundação Oncocentro (Fosp), do Instituto de Medicina Social e de Criminologia (Imesc) e da Fundação Instituto de Terras (Itesp); preservando os fundos da Fapesp, das universidades e da segurança pública; e desistindo das novas regras do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos).
Com isso, ao menos a deputada Janaina Paschoal (PSL), que era contra, se declarou agora a favor. Por isso, o cenário nesta semana é mais favorável para a aprovação do texto.