Intensificar a produção nas áreas atualmente destinadas a uso agrícola e pecuário tem sido proposto como solução para dirimir o conflito entre a expansão da produção e a conservação de ecossistemas naturais, demonstrando- se a possibilidade de aumentar a eficiência da agricultura, assim como reduzir e mitigar a emissão de gases de efeito estufa, com reflexos positivos na conservação de recursos naturais.
Nesse contexto, cresce a importância do estabelecimento da indústria da biomassa. Para tanto, destaco a relevância de dois excelentes trabalhos com foco no desenvolvimento sustentado por meio do uso moderno da biomassa. O primeiro refere-se à energia sustentável para o desenvolvimento, abordada em livro traduzido e publicado em 2010 pela Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp), com título original Lighting the way: toward a sustainable energy future, traduzido para o português como Um futuro com energia sustentável: iluminando o caminho.
O segundo trabalho, que aborda as florestas como chave para a sustentabilidade, é apresentado no livro Forestry for a low-carbon future: integrating forests and wood products in climate change strategies, publicado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Conforme a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e a FAO, apesar da inexistência de dados precisos, um terço da população mundial depende de lenha, resíduos agrícolas e domésticos, além de esterco animal, para satisfazer as necessidades energéticas de domicílios. Estima-se que essas utilizações tradicionais da biomassa respondam por mais de 90% da contribuição da biomassa para o suprimento global de energia, a maior parte do qual ocorre fora da economia formal de mercado e principalmente nos países em desenvolvimento, onde a biomassa tradicional, de acordo com as estimativas, responde por mais de 17% do consumo total de energia primária. Variáveis de contorno já resolvidas possibilitam o uso moderno da biomassa de forma corrente nos mercados. Existem tecnologias comercialmente disponíveis para gerar eletricidade e calor ou como fonte de combustível e os chamados wood-based building materials, incluindo aí os produtos florestais não tradicionais (resíduos), importantes alternativas para a indústria de biomassa, a qual, para um uso moderno, deve ser separada em celulose, hemicelulose e lignina.
Com sua ampla disponibilidade e baixo custo, a biomassa e seus resíduos representam uma alternativa muito conveniente e sustentável aos combustíveis fósseis para a produção de energia, materiais e blocos de construção de químicos, que podem deslocar produtos e combustíveis derivados de petróleo tradicionais na indústria petroquímica e farmacêutica. Embora os processos de conversão de celulose e hemicelulose em produtos de maior valor agregado já estejam avançados, a adição de valor à lignina ainda é um desafio, devido à sua estrutura complexa e alta estabilidade molecular para uma variedade de transformações químicas.
O caminho para a valorização da lignina a partir da biomassa inclui frequentemente um passo de extração inicial, o que, em alguns casos, pode afetar a estrutura molecular da lignina. Dessa fase, pode seguir outra, a de despolimerização catalítica, conduzindo à produção de pequenos blocos aromáticos de base biológica. Os principais métodos de extração de lignina, comercialmente disponíveis, são aqueles empregados na produção de celulose: processos kraft, sulfito e soda. Existem alguns mais recentes baseados no chamado organosolv e protocolos ionosolv. Centros de pesquisa de excelência em química estão desenvolvendo novos processos de despolimerização catalítica heterogênea de lignina.
Como se observa, abre-se para a indústria de biomassa tradicional e não tradicional uma janela de oportuni dades a ser ocupada como alternativa estratégica de novos negócios. Enquanto em países desenvolvidos o consumo de eletricidade chega a 10 mil kWh por pessoa, naqueles em desenvolvimento, nos quais está a maior parte da população mundial, tal consumo não chega a 2 mil kWh por pessoa. O desenvolvimento da maior parte da população mundial só poderá acontecer se houver um notável aumento na eficiência do uso de energia e na criação de novas fontes de energia e produtos que sejam sustentáveis.
A indústria da biomassa, que deverá ser impulsionada pelo mercado (e em conformidade com suas demandas), irá buscar avanços em produtividade. Os agentes privados também vão querer remover barreiras comerciais técnicas e tarifárias à utilização mais ampla de seus produtos. Mercados mais sofisticados, pressão pública, acordos internacionais e controles ambientais serão variáveis com a tendência de alavancar a indústria de biomassa, bem como o desenvolvimento de práticas sociais e ambientalmente sólidas que reduzam a necessidade de água e produtos químicos, preservando os ecossistemas. Requer-se um fornecimento de energia e bioprodutos que diminuam as emissões de gases de efeito estufa e de poluentes convencionais, além da geração de empregos de qualidade. Subsídios e outros incentivos, no entanto, podem ser necessários para fazer avançar tecnologias e os negócios em estágios iniciais. Tais subsídios devem ser progressivamente removidos à medida que as indústrias de biomassa subam na curva de aprendizagem.
O esforço bem-sucedido do Brasil para desenvolver o etanol de cana-de-açúcar como combustível alternativo para o transporte, hoje plenamente competitivo em relação à gasolina em mercados internacionais, oferece um paradigma útil a esse respeito. Ao mesmo tempo, o entusiasmo em relação a alternativas abertas pela indústria de biomassa deve ser moderado, visto que temos a experiência de que incentivos governamentais e imposições para promover a independência energética podem distorcer abertamente as forças de mercado. O mundo não está prestes a ficar sem energia. As reservas de carvão e petróleo atuais são suficientes para garantir muitos anos de consumo nos níveis atuais. Preocupações regionais e globais a respeito do meio ambiente, de preços e da segurança do fornecimento, todavia, são muito relevantes em relação ao petróleo convencional.
A indústria de biomassa ganha espaço nas limitações que enfrentamos quanto a esses aspectos. Como citado, estudos mostram que tal deslocamento para uma economia de baixo carbono, que tem sido amplificado pela globalização econômica, se traduz em um fator a alavancar a indústria de biomassa, bem como de florestas plantadas, que constituem um estrato fixador de carbono atmosférico acima do solo e favorecem novos nichos e hábitats para o aumento da biodiversidade do planeta.