A concentração de dióxido de carbono na atmosfera é hoje maior do que a registrada nos últimos 800 mil anos e tem crescido a uma taxa média significativa, mas essa situação dramática também se observa para outros gases que provocam o chamado efeito estufa, como o metano e o óxido nitroso. Além disso, é certo que tem crescido a atividade dos ciclones tropicais em boa parte do Planeta, aumentado a frequência de chuvas intensas e a elevação do nível do mar e também problemas relacionados à seca, assim como tem se reduzido a extensão da camada de gelo no Ártico.
Essas são algumas das conclusões do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que reúne um número formidável de especialistas das Nações Unidas, divulgadas no final de setembro de 2013. Pior ainda: o IPCC confirmou que a emergência desse cenário preocupante tem tudo a ver com a ação humana, ainda que os céticos, que duvidam dessas conclusões, continuam se apoiando na tese de que o aquecimento global é cíclico e que apenas estamos atravessando um período, natural na história da Terra, de aumento de temperatura.
Embora a ciência esteja cada vez mais refinando os resultados e os métodos de investigação para dar conta desse fenômeno, entendendo-o em sua abrangência, é razoável permitir que o debate (mais parece, em alguns momentos, um embate) permaneça, não se justificando qualquer esforço no sentido de calar as vozes do grupo minoritário. Na verdade, é assim que as disputas científicas historicamente ocorrem, com afirmações e questionamentos o tempo todo: a unanimidade nem sempre prevalece e , em muitos casos (ainda que não acredito que esse seja um deles), vozes discordantes acabaram provando que estavam certas, colocando de cabeça para baixo ou "detonando" o que se acreditava como verdadeiro.
Durante a reunião do IPCC, a análise de um provavel hiato de 15 anos no processo de aquecimento do planeta (fala-se em desaceleração atual da subida da temperatura) tomou um bom tempo dos experts, mas, ainda que incomodados com o fato (e isso ficou evidente nos relatos antes, durante e depois do encontro), eles chegaram à conclusão de que seria necessário mais tempo (no mínimo 30 anos) para confirmar essa redução.
O suiço Gian-Kasper Plattner, que coordenou a redação do "Sumário para Formuladores de Política", uma parte do documento final voltada especificamente para o público não especializado, argumenta que é indispensável atentar para tendências de longo prazo (15 anos para ele representam um período insuficiente para conclusões adequadas) e justificou o texto final do relatório, dizendo que ele se apoiou na leitura de mais de 9.200 estudos. Ressaltou o fato de que, com uma probabilidade próxima a 100%, os especialistas concluiram que o aquecimento climático é uma realidade e que há praticamente uma certeza (a ciência é assim mesmo e tem que ser assim, admitindo um grau de incerteza) de que o homem é o grande responsável por esse processo de degradação do clima.
O presidente da Fapesp, Carlos Henrique de Brito Cruz, reconhece que essas divergências são naturais na ciência e que é importante que assim seja porque "a certeza absoluta" não combina com o ethos científico e que o questionamento é sinal de amadurecimento e tem uma função positiva: obriga todos a refinarem os seus métodos, a pesquisarem com maior dedicação. Ele chama a atenção para a necessidade de as conclusões estarem respaldadas em evidências científicas e que um determinado grau de ceticismo é absolutamente saudável. " O cientista não deve se transformar em militante, afirma ele, em entrevista publicada no dia 30 de setembro de 2013, no Valor Econômico, em reportagem assinada por Daniela Chiaretti, página A13, sob o título Polémica no IPCC "faz parte do jogo".
Questionamentos e incertezas à parte, é fundamental que os governos, os cientistas e todos nós descruzemos os braços e passemos à ação. Muitos outros relatórios já foram publicados, têm sido realizados inúmeros encontros científicos sobre o tema, mas pouco efetivamente se avançou no sentido de barrar esse processo. Por diversos motivos - interesses políticos e comerciais especialmente, mas também falta de vontade ou coragem para enfrentar o problema, continuamos postergando decisões que têm contribuído (alguém tem dúvida disso?) para agravar a questão do clima. Com isso, quando acordarmos para a realidade, talvez já seja tarde (é lícito perguntar se já não perdemos tempo demais) e medidas mais dramáticas, se é que elas surtirão efeito, precisarão ser tomadas, com enorme prejuízo para todos, em particular para as classes menos favorecidas e os países pobres.
A inércia, a perspectiva concentrada no curto prazo, os lobbies poderosos e a visão míope de governos em todo o mundo têm impedido que se passe do discurso para a prática e, embora seja unânime a aceitação de que algo deva ser feito para atenuar o problema, poucos se aventuram a dar um passo à frente, temendo perder regalias, privilégios ou afrontar esse modelo predador que aí está.
Há dados contundentes sobre a degradação explosiva dos recursos naturais, sobre a perda absurda da biodiversidade, a contaminação do ar, do solo, da água e dos alimentos, mas as autoridades relutam em arregaçar as mangas para colocar um fim a esse processo inexorável de destruição da qualidade de vida.
Enquanto autoridades, empresários e mesmo colegas com um viés ambientalista continuam insistindo no discurso cosmético, hipócrita, em prol da economia verde, da sustentabilidade, o processo de degradação ambiental se aprofunda, como temos visto em nosso país com o uso abusivo de agrotóxicos (veneno e não, remedinho para planta, como insiste a Andef), a liberação apressada de novas sementes transgênicas, e o apelo para liberação de novas substâncias tóxicas para combater pragas, quase sempre favorecidas pelo uso indiscriminado de produtos químicos.
Já passou a hora de uma reflexão profunda sobre o modelo que temos sustentado (que é indiscutivelmente insustentável), com um consumo não consciente, a ausência de uma política para prevenir acidentes, como o da explosão de um depósito de fertilizantes em Santa Catarina recentemente, com graves consequências para a saúde dos cidadãos e o meio ambiente.
É preciso destacar que a imprensa, ainda que com seus vícios e seus compromissos com interesses empresariais, tem contribuído para chamar a atenção para o problema, com exceção daqueles veículos, programas e espaços comprometidos com monopólios na área das sementes, com a indústria de fertilizantes e setores por excelência agressivos ao meio ambiente, como a pecuária extensiva, a mineração, o de papel e celulose, o tabagista e outros menos votados.
Os dados estão aí para todo mundo ver, mas há muitos interesses cegos que insistem em empurrar com a barriga uma questão que, de há muito, merece pronta solução.
É urgente aprofundar o debate, cobrar providências, sensibilizar todos aqueles que, sem esses vínculos egoistas, sem essa ganância que caracteriza o capitalismo selvangem, podem encaminhar alternativas para um mundo melhor.
Abaixo o marketing verde e o discurso cínico dos que se locupletam com a derrocada do meio ambiente e da qualidade de vida. A natureza e particularmente as novas gerações esperam de nós responsabilidade, coragem e disposição para alterar esse cenário. Ao que parece, estamos, por omissão, egoismo, falta de lucidez e covardia dispostos a comprometer o futuro, apenas porque não estaremos lá para sofrer as consequências do que estamos fazendo (ou deixando de fazer) no presente.