Nas instalações da Vale circulam robôs projetados para mapear cavernas, inspecionar plantas industriais e alcançar locais de difícil acesso. Adaptadas às rotinas da mineração, as máquinas têm ajudado a reduzir a exposição de humanos aos riscos inerentes à atividade. As soluções são desenvolvidas pela célula de robótica do Instituto Tecnológico Vale (ITV), que toca projetos de robôs, drones e soluções de inteligência artificial.
A primeira incursão da Vale na construção de robôs aconteceu em 2015, quando a área de espeleologia desenhou um protótipo para mapear cavernas próximas às operações. A ideia vingou e foi assumida pelo ITV, que, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), tirou o robô das pranchetas e o pôs para explorar terrenos acidentados. O corpo do robô é uma caixa retangular que aceita a conexão de rodas, pneus esteira ou pernas. As peças são trocadas conforme necessidades da tarefa e do terreno. Acoplado à caixa, há um sistema de sensoriamento para inspeção em alta resolução e geração de mapas tridimensionais.
Em 2017, a equipe resolveu testar a máquina em outras funções, programando-a para inspecionar ambientes confinados e de difícil acesso. Desde então, o EspeleoRobô examinou tubulações, galerias, drenos e equipamentos de usina. No total, a máquina executa 30 serviços diferentes nas operações de Minas Gerais, Espírito Santo e Pará.
A Vale tem quatro unidades do EspeleoRobô. O sucesso do projeto motivou o desenvolvimento do robô para serviços de inspeção, o Rosi, criado em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e hoje em teste na Vale. O diferencial da máquina está na sua função: verificar as correias transportadoras, equipamento crítico para a mineração. Para realizar a tarefa, o Rosi carrega e manipula um braço robótico, que é capaz de reposicionar sensores e coletar amostras. “São equipamentos criados dentro da Vale e estão em constante evolução”, explica Gustavo Pessin, pesquisador do ITV.
Aos modelos “feitos em casa”, a Vale agregou o Anymal, um robô quadrúpede fabricado pela empresa suíça Anybotics. Conhecido como “cachorrinho” na unidade de Tubarão, em Vitória (ES), o equipamento circula pelo porto e está encarregado de funções de inspeção e manutenção. O plano da mineradora é adquirir outros dois exemplares – cada um custa US$ 300 mil.
A experiência com robótica tem chamado a atenção da comunidade científica. Recentemente, o ITV participou de estudo internacional em conjunto com a agência espacial americana, a Nasa, e outras sete instituições. A iniciativa buscou técnicas para melhorar a comunicação dos robôs em minas subterrâneas. “A falta de comunicação nos percursos é um grande desafio. Estudamos uma solução em que o robô vai deixando rádios transmissores pelo caminho, como fizeram João e Maria com as migalhas de pão”, explica Pessin.
Dentro da companhia, destaca Jânio Souza, gerente-executivo de tecnologia da Vale, o uso de inteligência artificial, robótica e automação de processos permitiu proteger 30 mil pessoas, ao retirá-las de situações de risco. “A inovação é fundamental para a Vale se tornar referência em segurança”, comenta Souza. Os ganhos em eficiência e produtividade também são evidentes. “Só neste ano, essas tecnologias geraram benefícios de cerca de US$ 300 milhões”, ressalta. No ano passado, a Vale investiu R$ 2,9 bilhões em atividades de pesquisa e desenvolvimento.
O exemplo da Vale não é caso isolado. Segundo Adriano Correia, sócio da PwC Brasil, o uso de robótica e inteligência artificial na mineração tem se intensificado, dando início a uma era de colaboração entre humanos e máquinas. “A curva de adoção cresce porque em muitas frentes o custo da tecnologia já faz sentido.” Ele observa ainda mudanças importantes no comportamento das lideranças. “Há metas de automação de longo prazo e empenho em tirar projetos da indústria 4.0 do papel.” Pesquisa realizada pela PwC, com executivos de empresas globais de mineração, aponta que 49% dos CEOs incluíram metas de automação e digitalização na estratégia de longo prazo.
As companhias buscam, pela via da digitalização, formas de melhorar a eficiência, reduzir os custos e insumos, ampliar a segurança operacional e adequar o negócio à agenda ambiental, social e de governança (ou ESG). Segundo Correia, além de robôs, há interesse por métodos de simulação de cenários, com destaque para a tecnologia de gêmeo digital, que permite reproduzir a mina, em cenário virtual, para testar qualquer tipo de operação ou modelo de negócio. Para criar um gêmeo digital, pode-se utilizar recursos como modelagem 3D e realidade virtual, o que aproxima a mineração do conceito de metaverso.
A cópia digital da operação, destaca Flávio Alves, diretor da área de recursos naturais da Accenture Brasil, também permite simular processos na cadeia produtiva, além de testar projetos de investimentos em novas frentes de lavra. “Ajuda ainda a ‘experimentar’ o mix de minérios mais adequados ao mercado”, destaca. Outra possibilidade é o uso de realidade virtual e aumentada para treinamento e operação remota das minas.
De acordo com Alves, o cenário macroeconômico desafiador aumentou o apetite por tecnologia e inovação. “O setor enfrenta a redução do crescimento chinês, a volatilidade de preços por conta da guerra entre Rússia e Ucrânia e precisa assumir metas mais ambiciosas de sustentabilidade”, diz. Nesse cenário, excelência e segurança operacional são essenciais. Entre as tecnologias, Alves destaca o uso de inteligência artificial e sistemas de análise de dados para auxiliar a tomada de decisão. No controle do maquinário, a automação de processo e a coleta de dados ajudam a mitigar problemas, entres eles os de manutenção. “Os sistemas são preditivos e evitam, por exemplo, a parada da operação.”
Na AngloGold Ashanti, o modelo de mina inteligente e conectada avança. Renato Queiroz de Castro, diretor de operações das unidades de Minas Gerais, diz que a instalação de redes sem fio (Wi-Fi) nas minas representou um salto na adoção de inteligência artificial, análise complexa de dados e controle remoto das operações. “A conectividade abre uma porta para a superfície, permitindo gestão eficiente dos ativos, monitoramento contínuo e maior segurança”, afirma. Entre as ferramentas, ele destaca a de rastreamento de pessoas. Ao descer na mina, os profissionais recebem um crachá inteligente, equipado com chip que é lido constantemente pelos sensores espalhados nas galerias. “Sabemos a localização exata das pessoas e, com isso, somos rápidos quando é preciso traçar uma rota de fuga ou realizar um resgate.”
A operação remota é outro tema relevante nos planos da AngloGold Ashanti. Na mina Cuiabá, em Sabará (MG), máquinas de grande porte como carregadeiras são operadas a partir do centro de controle na superfície. No futuro, com o avanço de redes de telecomunicações como a 5G, será possível operar as máquinas de qualquer lugar. Já a perfuratriz é totalmente autônoma e segue protocolos programados, realizando as tarefas entre as trocas de turno, quando não há pessoas no interior das minas. Além de segurança, a máquina perfura com muita precisão, garantindo maior qualidade na escavação. A inspeção no subsolo é feita por drones, também autônomos, que monitoram equipamentos, escaneiam galerias e fazem o levantamento topográfico.
Os dados coletados por máquinas e sensores têm permitido à mineradora tomar decisões mais assertivas sobre a lavra. Técnicas de inteligência artificial e análise de dados geram modelos e sugerem vias para o desenvolvimento da mina. “Com a adoção de tecnologias, conseguimos ampliar de 10 para 15 quilômetros por ano a abertura de galerias”, afirma.
Aumentar a produtividade das minas é outra meta da AngloGold Ashanti, que tem um banco de dados geológicos, abastecido por informações de solo coletadas por sondas inteligentes. “Já identificamos jazidas em profundidades de 1,5 mil metros”, diz Castro. A modelagem digital, explica, vai auxiliar a companhia a definir métodos de exploração e planos de investimento. “Se a mina está aberta, é preciso explorar todo o potencial.” Na área de sustentabilidade, a mineradora aposta na eletrificação da frota e já fechou acordo para testar carregadeiras elétricas. “Queremos, em 2050, atingir a meta de zero carbono e a substituição de energia fóssil por renovável na operação é estratégica.”
Sandra Lucia de Moraes, pesquisadora da área de metalurgia do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), destaca como desafio do setor a adoção de tecnologias e processos capazes de aumentar o tempo de vida útil da mina e reduzir os resíduos gerados. “É preciso tirar o máximo das minas que apresentam teor de minério menor”, diz. Essa demanda é percebida na busca por técnicas e processos, inclusive os de beneficiamento. Segundo ela, as mineradoras pesquisam tecnologias para identificar partículas cada vez menores na terra movimentada. “Cresce o uso de aditivos químicos para separar e concentrar essas partículas”, diz.
Retirar mais do solo, lembra Sandra, vai exigir soluções para a redução dos rejeitos. Entre as respostas, está a diversificação dos negócios. As mineradoras, diz, estão empenhadas no desenvolvimento de novos materiais, que podem abastecer mercados como o de construção civil. “A ideia é gerar valor a partir do rejeito.” No Brasil, as mineradoras têm atuado em projetos com os Institutos de Ciência e Tecnologia (ICTs) e universidades para dar destinação aos rejeitos e avançar na mineração a seco. “A disposição em barragens não é mais permitida, e isso força a busca por novos métodos”, afirma.
Na seara da eletrificação, a novidade está no uso de hidrogênio verde como fonte de energia. “As empresas buscam informações e querem entender como utilizar o combustível”, diz Sandra. Outra discussão relevante são as técnicas para a recuperação das áreas, quando a mina se esgota.
O desenvolvimento sustentável da mineração é estratégico para o Brasil e o ecossistema de inovação tem se articulado para isso. Entidades como a Financiadora de Projetos e Estudos (Finep), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) têm feito chamadas públicas para financiar projetos no setor. Exemplo disso é o recente edital publicado pela Finep e pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTIC), que prevê R$ 60 milhões em recursos de subvenção econômica para financiar projetos inovadores na área de mineração.