Quase a metade da população brasileira (49,4%) tem padrões de vida de Primeiro Mundo, parecidos com os da Bélgica; 17,3% vivem numa área que pode ser comparada à Bulgária; e 33,3% continuam pobres, como se morassem na Índia. Os três Brasis estão identificados no Relatório sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil, preparado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), da ONU, e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O relatório foi elaborado a partir da aplicação, pela primeira vez no Brasil, do índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que a ONU vem utilizando em outros países desde 1990. O IDH leva em conta três itens básicos: escolaridade, esperança de vida e nível de renda. Segundo o documento, o IDH mais alto do Brasil é o do Rio Grande do Sul (0,850, numa escala de 0 a 1), que fica na Bélgica brasileira. E o mais baixo, o da Paraíba (0,466), situada na Índia brasileira. O estudo mostra que os pobres correspondem a 30% da população (42 milhões em 1990) e a maioria deles (34%) mora na região Sudeste. (Pág. 7)
ESTUDO APONTA A EXISTÊNCIA DE TRÊS 'BRASIS'
Região com nível igual ao da Bulgária surge entre as disparidades da 'Belíndia'
ELIANA LUCENA
BRASÍLIA - O Brasil não deve mais ser visto como a Belíndia, país em que estados com nível de desenvolvimento semelhante ao da Bélgica convivem com outros marcados por uma pobreza semelhante à da Índia. Uma faixa intermediária, que abrange 17.3% da população, engloba Minas Gerais. Goiás. Mato Grosso. Rondônia. Amazonas. Roraima e Amapá. São estados cujo desenvolvimento pode ser comparado ao da Bulgária.
Os três Brasis estão identificados no Relatório sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil, preparado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), junto com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Levando em conta os indicadores de renda, escolaridade e esperança de vida, o Brasil da década de 90, de acordo com o PNUD, atingiu, na escala de 0 a 1, o Índice de Desenvolvimento Humano de 0.797. Esse nível está próximo aos 0.800, que correspondem ao patamar mínimo dos países de alto desenvolvimento humano. As desigualdades regionais, no entanto, permanecem gritantes.
Quase metade da população do país - 49.4% - vive na Bélgica brasileira, que com prende Rio Grande do Sul. Paraná, Santa Catarina, o Distrito Federal, Mato Grosso do Sul. São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Todos com índices acima de 0,800. O mais alto IDR é do Rio Grande do Sul: 0.87, equivalente ao da República Tcheca. Seguem o Distrito Federal (0.858), São Paulo 0,850). Santa Catarina (0.842) e Rio de Janeiro (0.838).
Na Índia brasileira vivem 33.3% da população. Acre, Pará e os estados do Nordeste apresentam índices inferiores a 0,7. A situação é pior nos estados da Paraíba (0.466), Alagoas (0,500), Piauí (0.502), Ceará (0.506) e Maranhão (0.512). Tocantins não foi classificado por falta de estatísticas.
Mesmo mostrando avanços em algumas das arcas pesquisadas, o documento do PNUD ressalta que a interrupção do crescimento econômico, na década de 80, acarretou o aumento da desigualdade e da pobreza, e reforçou a concentração de renda. Os 20% mais ricos da população detêm 65% da renda e os 50% mais pobres ficam com 12%. Em 1960 essa relação era de 54% contra 18%. A renda média dos 10% mais ricos è quase 30 vezes maior que a renda média dos 40% mais pobres, contra dez vezes na Argentina, cinco na França e Alemanha e quatro na Holanda.
O relatório mostra como estão distribuídos os pobres no Brasil (42 milhões em 1990), que corres-podem a 30% da população: 5% estão no Norte: 45% no Nordeste, 34% no Sudeste, 10% no Sul e 6% no Centro-Oeste. Os dirigentes do PNUD e do Ipea foram cautelosos na questão que envolve a faixa da população de indigentes (pobres cuja renda é insuficiente para atender às necessidades alimentares), incluídos na faixa de pobreza.
O Mapa da Fome, usado para o planejamento do Programa da Comunidade Solidária falava em 32 milhões de indigentes. Mas o presidente do Ipea. Fernando Rezende, garante que o número é bem menor. "Sabemos que o percentual de pobres no país, que em 94 era de 47% da população, em 95 diminuiu para 30%", afirmou, atribuindo o fato ao programa de estabilização econômica.
METODOLOGIA
BRASÍLIA - O índice de Desenvolvimento Humano (IDH), aplicado pela primeira vez no Brasil, vem sendo utilizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em outros países, desde 1990. Para medir o IDH são levadas em conta três condições consideradas essenciais: longevidade, nível educacional e acesso a recursos.
Como fator de longevidade, o relatório adotou a esperança de vida ao nascer. Como indicadores de nível educacional, a taxa de alfabetização dos adultos e a taxa combinada de matrícula nos ensinos fundamental, médio é superior. Como indicador de acesso aos recursos, foi utilizada a renda per capita. Chega-se ao resultado final do IDH agregando-se os três indicadores usados em um indicador único, através da média simples entre os valores levantados.
Os dirigentes do PNUD reconhecem que o ideal seria expandir a avaliação, anexando outros aspectos da experiência humana, o que poderá ser feitos em trabalhos futuros.
DESIGUALDADE AUMENTOU
BRASÍLIA - A pobreza no Brasil é agravada pela má distribuição de renda. Segundo o PNUD, o Brasil, no inicio da década de 90, apresentava um dos maiores índices de desigualdade do mundo em termos de distribuição de renda. Os ricos brasileiros, segundo o PNUD, ganham 3.2 vezes mais do que a camada representada pela classe média alta. Para se ter uma idéia dessa concentração, nos Estados Unidos a proporção é de I,4.
Outro dado mostrado pelo PNUD indica que a renda média dos 10% mais ricos no Brasil é quase trinta vezes maior do que a renda média dos 40% mais pobres. A situação do Brasil supera a de 55 países listados pelo PNUD. Na maioria desses países, a renda de um indivíduo entre os 10% mais ricos é, em média, até 10% maior do que de uma pessoa entre os 40% mais pobres.
A situação de pobreza no Brasil dos anos 90 está deixando cada vez mais de ser um fenômeno predominantemente rural para atingir os centros urbanos. O fato de o maior número absoluto de pobres estar em São Paulo (5.1 milhões) chama a atenção para o papel polarizador do empobrecimento exercido pelas grandes metrópoles.
Cai a taxa de fertilidade
BRASÍLIA - O relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) aponta mudanças profundas no padrão demográfico brasileiro: a mortalidade infantil vem declinando, a taxa de fertilidade, que até 1970 era de 5,8 filhos por mulher, caiu para 2.9 em 1991 e o crescimento da população baixou para 1,9% ao ano. Segundo o relatório, esse quadro vai exigir políticas específicas voltadas para o "envelhecimento" da população.
O crescimento populacional mostra que, entre 1970 e 1991, a parcela da população formada por pessoas com menos de 15 anos caiu de 43% para 35%, enquanto a percentagem de pessoas entre 15 e 65 anos aumentou de 54% para 60%. Já a faixa de 65 anos subiu de 3% para 5%. O Brasil, de acordo com a projeção feita pelo programa, contará, no ano 2040, com distribuição de população semelhante a dos países industrializados.
"Essa realidade vai se refletir em mudanças na demanda por escolas de Iº e 2º graus e em mais investimento na área da Previdência Social", afirma o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Fernando Rezende.
"Daí a importância da reforma da Previdência", defende.
Na área educacional, de acordo com o relatório do PNUD, a capacidade do sistema, que na década de 70 precisava crescer 3% ao ano, poderá ter uma expansão menor. "Isso permitirá dar um salto de qualidade e superar deficiências que marcam o sistema educacional", assinala.
Apesar de ter aumentado na última década, a taxa de escolariza-cão de crianças e adolescentes no Brasil ainda é reduzida: em 1990, era de 73% para a faixa entre 5 e 17 anos. Há ainda muitas desigualdades, segundo o PNUD. Enquanto apenas 75% das crianças pobres freqüentam o 1º Grau, as crianças de famílias com renda superior a 2 salários mínimos estão quase todas na escola (97%). Na área de saúde, o PNUD ressalta a redução da mortalidade infantil (40 por cada mil nascidos vivos).
O PNUD defende que a estabilização econômica é condição necessária para o crescimento econômico sustentado e o enfrentamento das questões da pobreza. O ajuste fiscal é apontado como fundamental para consolidar a estabilização, bem como a redução dos gastos públicos.
Notícia
Jornal do Brasil