Notícia

Correio do Estado (Campo Grande, MS)

ONU declara 2011-2020 como a década da biodiversidade

Publicado em 22 fevereiro 2011

A preocupação do secretário-geral faz sentido. Atravessamos uma onda de perda de diversidade da vida no Planeta, em escala comparável ao final da Era dos dinossauros. É como se queimássemos uma biblioteca inteira sem antes ter lido seus livros. Todos os dias. Naturalmente - surgem novas espécies de animais e vegetais. Ao mesmo tempo, outras criaturas desaparecem, em um processo contínuo que seleciona apenas os organismos mais bem adaptados aos ambientes. Sempre foi assim, desde os tempos mais remotos. É o ciclo natural da evolução. O problema é que o ritmo atual de extinções está acelerado demais, pelo menos 100 vezes superior à velocidade normal. Os cientistas até fazem um cálculo aproximado - a cada 20 ou 25 minutos, uma espécie desaparece da face da Terra.

Em 2002, as 193 nações signatárias da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) da ONU comprometeram-se a chegar a 2010 com taxa zero de perda da biodiversidade. O resultado, publicado no Panorama Global da Biodiversidade 3, infelizmente, foi o fiasco total. Com base nesse fracasso de metas e políticas de conservação, os países participantes da 10ª Conferência das Partes Signatárias da CDB, realizada recentemente no Japão, sugeriram que a ONU confirmasse o período entre 2011 e 2020 como os dez anos da biodiversidade. A resposta veio em seguida. A Assembleia Geral da ONU proclamou o período 2011-2020 como a Década das Nações Unidas sobre Biodiversidade, em sua Resolução 65/161.

A resolução convida os países membros, com apoio do sistema das Nações Unidas, a contribuir com fundos, programas e agências, para o financiamento das atividades da Década da Biodiversidade. Em breve, um Plano Estratégico será divulgado, fornecendo diretrizes para as ações. O Secretariado Geral da ONU incentiva, ainda, que todas as partes signatárias da CDB estendam o mandato dos comitês nacionais para a celebração da Década das Nações Unidas sobre Biodiversidade. A ideia da década da biodiversidade visa, dessa forma, a promover a execução das medidas de proteção dos sistemas ecológicos por diversos países.

Tarefa desafiadora do Brasil unir desenvolvimento econômico com conservação ambiental

Nosso país se encontra em posição de destaque mundial devido a sua grandiosidade em termos de riqueza natural. Estima-se que dentro do território nacional se encontram pelo menos 15% de todas as espécies animais e vegetais conhecidas no Planeta. E é muito provável que esta seja apenas uma fração daquilo que ainda podemos descobrir. O Brasil também é recordista em número de espécies endêmicas, animais e plantas que existem apenas aqui, não sendo registradas em nenhum outro lugar. Além disso, temos dois biomas considerados entre os mais importantes para a manutenção da diversidade no mundo, por conterem um grande número de espécies endêmicas, a Mata Atlântica e o Cerrado, e grande parte da maior floresta tropical remanescente no planeta, a Amazônia.

Contudo, é importante destacar. A redução das pressões e ameaças à biodiversidade brasileira não passa somente pela área ambiental. Longe de ser um debate feito apenas por políticos ou acadêmicos, a questão da biodiversidade deve ser amplamente discutida e encampada por todos nós. Neste sentido, é preciso fazer mais do que ingressar em um grupo virtual de defesa da Amazônia ou vestir uma camiseta com frases de efeito. É preciso agir, e não faltam caminhos para isso.

Um conjunto de ações estratégicas somente será eficiente no vasto campo da biodiversidade se envolver acordos com vários outros setores, como o energético, de transporte, agrícola e de petróleo. Na realidade, o mundo todo terá de se envolver mais do que tem feito para conseguir cumprir as metas que o plano anterior da CDB deixou pelo caminho. Segundo especialistas, os poucos resultados alcançados pelas Nações envolveram a redução dos índices de poluição e a criação de áreas protegidas. Neste quesito, vale destacar, o Brasil fez bonito: atingiu 75% da meta mundial. Trata-se de uma posição privilegiada de nosso país. Todo o resto, no entanto, fracassou.

Segundo depoimentos da secretária nacional de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Maria Cecília Wey de Brito, "o tema ainda não está nas agendas política e econômica brasileiras. Para que as metas para 2020 sejam alcançáveis, há discussões complexas que ainda precisam ser feitas, como a repartição dos benefícios dos recursos genéticos. Entendemos que é preciso legislação para esse e outros temas, mas ainda não há uma convergência entre os poderes Executivo e Legislativo".

Uma das maneiras mais efetivas para alcançar metas e promover a conservação e uso sustentável da biodiversidade é dar valor econômico as espécies e promover a valoração dos serviços gerados pelos ecossistemas. Em outras palavras, floresta em pé deve ser remunerada. Por exemplo, se uma área florestal protege mananciais ou mata ciliar, seu proprietário pode ser remunerado por ter sido cuidadoso com suas reservas naturais. Mecanismos de pagamento por serviços ambientais têm sido foco de pesquisas e ações em diferentes partes do Brasil, como forma prática de conservar áreas naturais.

Avanços em Mato Grosso do Sul

No cenário de desafios e oportunidades geradas pela biodiversidade, Mato Grosso do Sul é um Estado privilegiado. Somos detentores de belíssimos ambientes, como as nascentes e rios da Serra da Bodoquena e a maior parte do Pantanal. Isso apenas para ficar restrito às oportunidades e ao valor de mercado gerado pelo ecoturismo. Contudo, estamos indo além. Temos também um programa de Ciência e Tecnologia, o Biota-MS, cuja missão é construir uma base integrada de conhecimento científico, tecnológico e de inovação no estado para dar suporte a tomadas de decisão em gestão de biodiversidade. O Biota-MS articula em uma rede de pesquisa os especialistas e instituições do Estado, visando a promover a integração de iniciativas e projetos para o entendimento da biodiversidade, seu uso sustentável e a conservação.

Experiências similares realizadas no Brasil, como o programa Biota-Fapesp, têm sido fontes de grande sucesso na gestão pública dos recursos naturais. Ao reunir dados científicos de alta precisão, determinam, por exemplo, os critérios e parâmetros para a concessão de autorização para supressão de vegetação nativa no Estado de São Paulo, Segundo o coordenador do Biota-Fapesp, Professor Calos Joly, a qualidade e o volume de dados alcançados pelo programa permitiram ter certeza de que eles poderiam ser usados para fornecer diretrizes às políticas públicas. Esse não era um objetivo inicial do programa, mas acabou se tornando um produto da máxima importância. O mais importante é que os critérios terão base científica.

Ainda no campo da pesquisa, educação e lazer, em Mato Grosso do Sul teremos um dos equipamentos mais fantásticos do Brasil, o Aquário do Pantanal. A importância dos aquários públicos para a educação ambiental e manutenção da fauna aquática tem sido fonte de estudos no mundo todo. O tema atrai atenção de especialistas para a modernização das exposições, com estruturas interativas de apresentação de conteúdo, além do papel dos aquários nos processos de educação ambiental e na conservação da biodiversidade dos ecossistemas aquáticos. Ao mesmo tempo, os aquários públicos se tornam espaços de lazer qualificados, recebendo um número crescente de visitantes.

O debate entre conciliar conservação e desenvolvimento é necessário e pode ser uma vantagem estratégica, tanto para o Brasil como para Mato Grosso do Sul. É um tema fascinante, do qual devemos nos ocupar cada vez mais. Longe de entrar em uma atmosfera de "brigas apaixonadas", como em clima de Fla-Flu, devemos usar a ciência e tecnologia como parâmetros para o debate maduro e enriquecedor. Nós e as gerações futuras merecemos.