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Omissão da direita diante do golpismo coloca todos no mesmo saco (313 notícias)

Publicado em 02 de dezembro de 2024

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A revelação de que altos escalões da política e das Forças Armadas estavam envolvidos em uma trama golpista para manter Jair Bolsonaro no poder após sua derrota em 2022, somada ao planejamento de assassinatos de líderes políticos como o presidente Lula e o ministro Alexandre de Moraes, representa um marco histórico para a democracia brasileira. Apesar da gravidade dos fatos apurados pela Polícia Federal, o que chama a atenção é o silêncio — ou a minimização — de grande parte da direita e centro-direita, sugerindo um dilema ético e político que transcende o episódio específico.

Esse comportamento revela uma dinâmica perigosa para a saúde democrática: a conivência tácita ou explícita de elites políticas com atos autoritários. Conforme teorizado pelo cientista político Juan Linz em O Colapso dos Regimes Democráticos (1978), a democracia é especialmente vulnerável quando atores políticos “semileais” justificam ou minimizam ações que violam os limites democráticos. Linz alertava que tais comportamentos corroem as bases institucionais ao normalizarem atos de violência política e conspirações golpistas.

O caso brasileiro encontra ecos em outros contextos históricos. Nos Estados Unidos, a invasão do Capitólio em 2021 foi possibilitada pela retórica antidemocrática de Donald Trump e pela hesitação de figuras do Partido Republicano em condená-lo enfaticamente. Em Como as Democracias Morrem (2018), Steven Levitsky e Daniel Ziblatt destacam que a sobrevivência de regimes democráticos depende da disposição de elites políticas em priorizar princípios democráticos sobre interesses de curto prazo.

A conivência silenciosa e suas razões

A hesitação da direita e centro-direita em confrontar abertamente as evidências levantadas pela PF revela um dilema político: distanciar-se de Bolsonaro significa alienar sua base eleitoral. Essa escolha reflete um cálculo político mais voltado à manutenção do poder do que à proteção da democracia. Esse fenômeno não é novo. Durante o governo Bolsonaro, setores do empresariado e da política tradicional frequentemente aplaudiram discursos e atos autoritários. Em junho de 2022, empresários ovacionaram o então presidente ao ouvir sua disposição de desobedecer ordens do Supremo Tribunal Federal.

O silêncio diante de ameaças autoritárias também tem raízes na histórica dificuldade brasileira de enfrentar seu legado autoritário. Como argumenta a historiadora Heloisa Starling, “a democracia no Brasil foi construída sobre os escombros de um regime que nunca foi totalmente repudiado”. Esse contexto facilita a reprodução de práticas que flertam com o autoritarismo.

A resiliência das instituições e suas limitações

Embora o golpe não tenha avançado, as razões apontadas pela PF — a recusa do Alto Comando das Forças Armadas em aderir ao plano — não devem ser celebradas como vitória definitiva da democracia. A recusa, segundo especialistas, pode ter mais a ver com o cálculo pragmático do isolamento internacional e da falta de apoio popular do que com um compromisso genuíno com os princípios democráticos.

A cientista política Nancy Bermeo, em Pessoas Comuns em Tempos Extraordinários (2003), introduziu o conceito de “capacidade de distanciamento”, apontando que o papel das elites políticas em se dissociar de atos autoritários é crucial para a proteção da democracia. A falta dessa capacidade na direita brasileira lança uma sombra sobre o futuro da estabilidade institucional do país.

O custo do silêncio

O silêncio da direita tem implicações graves para a consolidação democrática. Primeiro, enfraquece a confiança pública nas instituições ao sugerir que conspirações golpistas e planos de assassinato podem ser tratados como “pequenas coisas”, como afirmou o governador de Goiás, Ronaldo Caiado. Segundo, legitima a narrativa bolsonarista, que busca descredibilizar investigações e perpetuar a polarização política.

Algumas vozes, no entanto, destoaram desse panorama. Políticos como Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, e a senadora Soraya Thronicke condenaram a trama golpista e reafirmaram o compromisso com a democracia. Ainda que minoritárias, essas manifestações sinalizam a importância de figuras públicas dispostas a desafiar a narrativa predominante e defender os valores republicanos.

A democracia brasileira sobreviveu ao teste do golpe, mas o preço da hesitação em condenar veementemente ameaças autoritárias é alto. O silêncio ou a minimização de figuras políticas da direita e centro-direita diante das evidências apontadas pela Polícia Federal não é apenas uma questão de cálculo eleitoral; é um sintoma de uma fragilidade institucional mais ampla.

Como escreveu Hannah Arendt em As Origens do Totalitarismo (1951), “o maior inimigo da liberdade é a apatia”. O Brasil precisa de elites políticas comprometidas em confrontar o autoritarismo, mesmo ao custo de perdas eleitorais. A democracia, afinal, não pode ser negociada.

Fatos muito graves e aposta no caos, avalia historiador

“Os fatos foram muito graves e não ficaram apenas no plano dos discursos e do tensionamento político contra a democracia, mas apostaram e trabalharam pelo caos social e pela volta da ditadura”. A avaliação sobre os fatos recentemente revelados pela Polícia Federal a respeito da tentativa de golpe contra a democracia do país é do historiador Marcos Napolitano, professor do curso de História da Universidade de São Paulo (USP), pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e especialista na república brasileira, com ênfase no período militar.

Para Napolitano, o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Polícia Federal fizeram o que deviam, “o que já é um avanço”, e agora é preciso aguardar a posição da Procuradoria Geral da República (PGR), que vai decidir se abre ou não inquérito para apurar as responsabilidades dos envolvidos na intentona golpista, urgida sob o governo do então presidente Jair Bolsonaro.

O historiador disse também que, uma das razões sobre o golpe não ter prosperado, foi a existência de mais consensos liberal-democráticos nas instituições políticas e jurídicas do que no passado. Mas, para ele, a principal razão para o fracasso golpista foi a falta de organização e de apoio institucional, principalmente por parte de setores liberais e da classe média, “que desta vez não embarcaram na aventura, ao contrário de 2016” – quando a presidenta Dilma Rousseff foi deposta pelo Congresso Nacional num controverso processo de impeachment.

“Os golpistas de 2022 tinham até um razoável apoio na sociedade, mas sem apoio institucional nas Forças Armadas, nos grupos políticos organizados (partidos, associações civis), na imprensa e no parlamento, golpes dificilmente prosperam. Mas isso não diminui a gravidade do crime cometido contra a democracia por lideranças civis e militares entre 2022 e início de 2023”, explicou Napolitano.

O pesquisador disse ainda que a recente tentativa de golpe é “um filho, ainda que indesejado, da crise política de 2015 e 2016 e do lavajatismo”. Conforme Napolitano, “as lideranças e simpatizantes da extrema direita se animaram com o golpe de 2016, que foi basicamente um golpe parlamentar com apoio social e jurídico”. Mas, para ele, “ficaram com a sensação de que aquele trabalho não foi bem feito, posto que Lula ainda podia voltar ao poder pela vida eleitoral”

Napolitano recordou que houve vários golpes de Estado entre 1950 e 1964, “alguns muito estapafúrdios e tresloucados”. “De tanto errar os golpistas aprenderam e se organizaram melhor para 1964”, comentou. Por isso, o pesquisador acredita que é preciso “ficar alerta, punir tentativas de golpes e não ficar no discurso otimista de que ‘nossas instituições são forte' ou ‘a sociedade não aceita mais golpes de Estado”.

Para dar bases mais sólidas para a democracia brasileira e inibir novas intentonas golpistas, ele acredita que é preciso “fortalecer a crença na democracia e nas formas negociadas de resolução de conflito no dia a dia do cidadão comum de todas as classes e grupos sociais, nas escolas, igrejas, famílias e vizinhanças”. Mas, ressalta: “isso é muito difícil em um país extremamente desigual, violento e com uma cultura política autoritária resiliente entre os próprios atores institucionais, inclusive”.

Também, conforme Napolitano, é preciso que “as elites políticas de todas as ideologias saibam isolar aventureiros e golpistas que surgem de quando em quando dentro do próprio sistema político e que tenham seriedade para administrar o país de maneira minimamente decente e republicana”. E conclui: “E, por fim, punir os golpistas civis e militares de maneira exemplar e dentro dos marcos da lei”.

Golpe de Bolsonaro virou conto do vigário em que fardas caíram

Os militares que se associaram a Bolsonaro queriam um golpe. Não têm do que se queixar. O golpe, finalmente, veio. Não chegou na forma da ditadura que desejavam. O golpe que deu certo foi o conto do vigário em que os cúmplices do chefe da “organização criminosa” caíram.

Tudo o que parecia deixou de ser no instante em que Bolsonaro declarou que jamais discutiu golpe. E que o Plano Punhal Verde e Amarelo não passa de “papo de quem tem minhoca na cabeça.” Seu advogado, Paulo Cunha Bueno, disse que o golpe não beneficiaria Bolsonaro, mas uma junta comandada pelos generais palacianos Braga Netto e Augusto Heleno.

Durante a Presidência de Bolsonaro, na hora em que a coisa apertou, ele sempre procurou a sua tribo. Assombrou a democracia por quatro anos com o fantasma do “meu Exército”. Sabia quem era a sua turma. Se não concordavam em tudo, pelo menos não discordavam no básico: o golpismo.

A Polícia Federal revelou que, no atacado, a tentativa de instrumentalizar as Forças Armadas falhou. No varejo, Bolsonaro conseguiu arrastar para dentro da lista de 37 indiciados 25 fardados, o que equivale a 67,5% do total de candidatos à tranca.

A caminho do patíbulo do Supremo, Bolsonaro apegou-se no cinismo como náufrago que se agarra a um jacaré imaginando que é tronco. Age como se descobrisse do nada que sua tribo não é feita de voluntários, mas de traidores da pátria.

É como se Bolsonaro perguntasse para o general Mário Fernandes, preso preventivamente, algo assim: “Mário, Mário… o que você está fazendo aí dentro”. Corre o risco de ouvir a seguinte resposta do redator do plano que previa o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes: “Meu amigo, o que você está fazendo aí fora?”

O Supremo Tribunal Federal precisa reaproximar Bolsonaro do Exército dele. Uma sentença criminal parece o local ideal para o reencontro. A canção ensina que amigo é coisa para se guardar debaixo de sete chaves. No mínimo, a pena máxima. Algo como 28 anos de cana.

10:52 - Semana On, Eduardo Luiz Correia (Abr), Josias de Souza (UOL) – Edição Semana On