Notícia

Galileu online

Observatório Pico dos Dias: como é observar no maior telescópio do Brasil

Publicado em 16 abril 2021

Por Ana Posses, Duília De Mello e Geisa Ponte*

Observatório Pico dos Dias (OPD) fica em Minas Gerais, na cidade de Brazópolis, e é administrado pelo Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA). É lá onde muitos astrônomos e astrônomas do país têm seu primeiro contato com um telescópio profissional em funcionamento.

Como contamos na coluna de fevereiro, usar um telescópio profissional é algo muito concorrido em todo o mundo. No OPD não é diferente. Para conseguir tempo de observação, passamos por uma seleção de projetos, que são avaliados e classificados numa lista de melhores propostas. Os escolhidos ganham tempo de uso do telescópio e podem usufruir dos dados que serão coletados.

É importante lembrar também que observatório e telescópio são coisas diferentes, mas estreitamente relacionadas. Observatório é o nome que damos ao conjunto de estruturas que abrigam o ferramental necessário para observações, inclusive o telescópio. Um observatório pode possuir um ou vários telescópios. O OPD conta hoje com quatro telescópios em funcionamento, dentre eles o maior do Brasil, com um espelho de 1,60 metro de diâmetro, chamado de Perkin-Elmer. Eu (Geisa) já perdi a conta de quantas vezes observei o céu usando o Perkin-Elmer desde os tempos de graduação.

Uma das partes mais gostosas de ir observar no OPD é a viagem em si. Ir para Minas Gerais é sempre muito divertido, e o caminho de chegada até a montanha onde fica o observatório é um ritual. Quem vai de ônibus saindo do Rio de Janeiro pode ter a chance de embarcar em um veículo chamado Cometa Halley, da empresa Viação Cometa, que é uma engraçada coincidência para quem vai a um observatório. A parada final é em Itajubá e, quando chegamos, tem sempre algum funcionário do OPD nos esperando para fazer o trajeto final de carro (cerca de uma hora) até o alto da montanha.

Para quem vai de ônibus saindo de São Paulo, o melhor lugar para descer é em Piranguinho, a cidade conhecida como capital mundial do pé-de-moleque. Segundo dizem por aí, Piranguinho deve ser, na verdade, a capital universal do pé-de-moleque, supondo que o planeta Terra seja o único lugar do Universo em que esse doce é fabricado. Nesse caso, a subida até o OPD costuma durar um pouco menos, cerca de 40 minutos de carro.

Chegando lá em cima, fazemos o check-in no balcão da recepção, onde assinamos um termo de responsabilidade pela nossa estadia, recebemos a chave do quarto e subimos algumas escadinhas até chegar no abrigo de astrônomos. É como se fosse um hotelzinho com alguns quartos para descanso, que ocorre geralmente durante o dia.

Esses quartos são, na verdade, suítes equipadas com camas confortáveis, uma escrivaninha, cadeira, roupa de cama e toalhas bem cheirosas. Tem também aquecedores pros dias de inverno (já peguei sensação térmica de -7º C por lá). As portas e janelas do quarto têm uma proteção extra contra entrada de luz, essencial para o descanso diurno.

Para chegar no telescópio, temos que subir mais algumas escadas até atingirmos o topo da montanha. Esse momento é sempre muito gratificante. Vários degraus que dão de cara pro céu, o paraíso. E ali em cima vemos as cúpulas menores ao redor da principal, um prédio de vários andares que abriga o Perkin-Elmer.

No térreo tem biblioteca, sala de aluminização (processo de restaurar o espelho de telescópios), algumas salas técnicas e a copinha. O que é a copinha? Um lugar mágico onde as nossas energias são recompostas durante a longa madrugada de trabalho. É ali que a equipe do observatório nos abastece com quitutes deliciosos, chás, frutas, café, pães, frios, sucos frescos, biscoitinhos e bolos.

Nos andares seguintes tem várias salas em que a equipe do observatório trabalha durante o dia, além de banheiros e escritório. E no último andar é onde está a cúpula do maior telescópio do Brasil, salas de instrumentos (que abriga os aparelhos que coletam a luz observada) e a sala de controle. É nela onde ficamos a noite toda trabalhando, controlando o telescópio e fazendo uma primeira análise dos dados que estão chegando.

Toda visualização do que observamos no céu é feita pelas telas dos computadores que estão conectados aos instrumentos dos telescópios. É com esses computadores que também controlamos para onde o telescópio aponta, quanto tempo vai ficar observando um alvo e ainda se a cúpula está aberta ou fechada.

Os dias de missão observacional (que é como chamamos cada ida ao observatório) são muito parecidos. Antes de anoitecer fazemos alguns ajustes no telescópio e imagens de calibração. Elas servem para “corrigir” as imagens de ciência que virão depois. Quando anoitece, temos em mão o nosso “plano de voo” daquela noite, a lista de alvos (no meu caso, estrelas) que vamos observar a cada momento até o amanhecer. Essa lista é feita bem antes da viagem e leva em consideração fatores como a presença ou não da Lua, quão alto a estrela vai estar no céu, o melhor horário da noite para observá-la e seu brilho, que influencia no tempo total de apontamento.

Conforme a noite passa, vamos fazendo observações uma a uma, mandando o telescópio apontar para cada estrela. As bem brilhantes levam pouco tempo, de segundos a poucos minutos e basta. Já estrelas bem fraquinhas no céu podem precisar de uma ou mais horas. E quando mandamos apontar para estrelas cuja observação vai demorar mais podemos ir até a copinha comer uma fatia de bolo e pegar uma caneca de café.

O que vemos na tela é isto: o apontador do telescópio focando numa estrela. E, em geral, os dados que nos interessam cientificamente não são como aquelas fotos bonitas que vemos por aí, mas sim dados bastante técnicos (como espectroscopia ou fotometria) e que vamos analisar com ferramentas computacionais para extrair informações físicas. Muitas vezes fazemos análises estatísticas desses dados e chegamos a alguma descoberta importante que vai parar em artigos de revistas internacionais.

Numa noite perfeita, não vemos nuvem no céu, a umidade do ar está baixa e os ventos bem calmos. Quando a noite termina e o amanhecer começa a despontar no horizonte, é hora de preencher o relatório da noite. Nesse documento dizemos se houve algum problema, se o telescópio precisou ser reposicionado alguma vez, se alguma nuvem apareceu no céu e tampou tudo (acontece às vezes). Já ocorreu de chover a noite toda e não deu para observar nadinha, mas na maior parte das vezes conseguimos os dados de que precisamos.

Quando a missão chega ao fim, é hora de fazer backup de tudo o que foi observado, preencher o relatório final e descer para arrumar as malas. Fazemos o check-out do quarto, entregamos a chave na recepção e sempre tem um gentil motorista para nos levar de volta até o local de parada do ônibus. Na descida, já vai crescendo no peito a saudade que vai durar meses (e talvez anos, agora na pandemia) até a próxima missão. :’)

[Legenda e crédito de foto: Prédio que abriga o telescópio Perkin-Elmer, de 1,60 metro de diâmetro, no Observatório Pico dos Dias, em Minas Gerais (Foto: Leandro Negro/Agência FAPESP)]