Se o doutor Enio Buffolo tivesse seguido sua primeira vocação - jogador de futebol - a cirurgia cardíaca não teria chegado a um feito admirável Buffolo, 61 anos, fez ou supervisionou 25 mil cirurgias cardíacas, incluindo transplantes, em 35 anos na profissão. Seu maior feito foi desenvolver "uma série de truques", como diz, para implantar ponte de safena com o coração pulsando (até então, só era feito com circulação extra-corpórea).
O professor e cirurgião cardíaco, chefe do Departamento do Cirurgia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), recebe hoje o titulo de Médico do Ano de 2003, oferecido pelo Capítulo Brasileiro da Associação Médica de Israel, durante jantar na associação A Hebraica. Soma-se a outros 17 títulos ou prêmios de sua carreira.
Buffolo começou a fazer seus "truques" com as pontes de safena em 1981. Na época, já era comum a prática de se retirar uma veio da perna (cada perna tem duas safe-nas), para implantá-la em uma artéria coronária entupida. Mas só havia uma maneira de fazer isso: parar o coração. A circulação do sangue era feita por aparelhos.
As coronárias, duas, irrigam o coração. Elas ficam não dentro, mas em cima do coração. Buffolo usou drogas para fazer o coração bater mais devagar. Com isso (e outras práticas), foi possível interromper o fluxo de sangue para colocar a ponte de safena na artéria entupida, com o coração batendo.
A cirurgia é menos agressiva e a recuperação do doente mais rápida. O médico publicou sua descoberta no mesmo 1981. Mas ninguém se interessou. Foi assim durante 15 anos, até que cirurgiões estrangeiros vieram a São Paulo, conheceram a nova técnica, passaram a usá-la no exterior e a publicaram (com crédito para Buffolo). Hoje, o que se usa é a técnica do médico paulistano.
Nasceu em Perdizes, filho de um corretor de algodão, neto de imigrantes italianos. "Eu não tinha nada para ser médico", recorda-se. Possuía talento para o futebol: goleiro. Integrou a seleção brasileira de futebol de salão. Num dia de 1958 resolveu fazer um teste psicotécnico. O resultado foi aptidão para medicina e ciências humanas.
Entrou para a Escola Paulista de Medicina, hoje Unifesp. Apaixonou-se pela medicina. "Larguei tudo, até o futebol." Isso incluiu participação nos Jogos Pan-Americanos. Buffolo tinha um tio neurologista. "Ele me propôs: por que você não faz neurocirurgia para atender meus clientes?"
Por indicação do tio, o estudante procurou um professor da área. "Ele nem me mandou sentar. Disse que eu tinha que aprender alemão e equilíbrio ácido básico." Buffolo tomou sua decisão: não ia aprender alemão nem se tornar neurocirurgião. Mas se interessou pelo equilíbrio ácido básico, que tem a ver com os distúrbios metabólicos causados por operações.
E chegou à cirurgia cardíaca. O orientador de sua tese de doutorado, o professor Costábille Gallucci, deu-lhe grande apoio, no começo da carreira, na EPM. "Ele deu todas as chances da minha vida."
Buffolo tomou-se professor titular em 1988. Acabou por ocupar o lugar de Gallucci, quando este faleceu: chefe da cirurgia cardíaca. Hoje, é chefe do departamento de cirurgia, que cuida de praticamente todas as operações. Chega às 7h30 e os pacientes já estão preparados, em várias salas. Os assistentes abrem os doentes. Buffolo só faz a operação propriamente dita. Depois, os assistentes fecham o operado. Das 12h às 23h, atende em seu consultório.
O médico interessou-se por uma pequena cápsula concebida pelo cirurgião argentino Juan Parodi. Destina-se a corrigir aneurisma (dilatação) da aorta, essa grande veia do coração. A cápsula é introduzida pela virilha. No lugar do aneurisma, seu recheio se auto-expande e vira um pedaço (na verdade uma prótese) sadio da aorta.
Importada dos Estados Unidos, a endoprótese custa US$ 16 mil (cerca de R$ 46 mil). Desenvolvida na Unifesp, US$ 2,5 mil (R$ 12 mil).
NOME CONHECIDO NO EXTERIOR
Há dois anos, o dr. Enio Buffoto recebeu o título de Personalidade internacional do Ano, da Sociedade de Cirurgia Toráxica, em New Orleans, EUA. Recentemente, a Fapesp, fundação de pesquisa do Estado, fez uma revisão dos trabalhos de médicos brasileiros que mais repercutiram no exterior em dez anos. De 66.774 citações, Buffolo foi o segundo mais citado. A revista Scientific America o fez em editorial.
Notícia
Jornal da Tarde