Além de serem mais acometidos por doenças crônicas, como diabetes, dislipidemia e hipertensão — que por si só são fatores de risco — os obesos teriam, segundo a hipótese investigada na Unicamp, um maior reservatório para o vírus em seu organismo. `` Temos células adiposas espalhadas por todo o corpo e os obesos as têm em quantidade e tamanho ainda maior. Nossa hipótese é a de que o tecido adiposo serviria como um reservatório para o Sars-CoV-2. Com mais e maiores adipócitos, as pessoas obesas tenderiam a apresentar uma carga viral mais alta. No entanto, ainda precisamos confirmar se, após a replicação, O virus consegue sair da célula de gordura viável para infectar outras células ”, explica à Agência Fapesp Marcelo Mori, professor do Instituto de Biologia (IB) e coordenador da investigação.
Os experimentos com adipócitos humanos estão sendo conduzidos in vitro, com apoio da Fapesp, no Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes (Leve). A unidade tem nível 3 de biossegurança, um dos mais altos, e é administrada por José Luiz Proença Módena, professor do IB e coordenador, ao lado de Mori, da fforça-tarefa criada pela Unicamp para enfrentar a pandemia. Os resultados ainda são preliminares e não foram publicados.
Como explica Mori, não é em qualquer tipo de célula humana que o Sars-Cov-2 consegue entrar e se replicar de forma eficiente. Algumas condições favoráveis precisam estar presentes, entre elas uma proteína de membrana chamada ACE-2 (enzima conversora de angiotensina 2, na sigla em inglês) à qual o vírus se conecta para invadir a célula.
Nas comparações feitas in vitro, Os pesquisadores da Unicamp observaram que o novo corona virus infecta melhor os adipócitos do que, por exemplo, as células epiteliais do intestino ou do pulmão. `` E a' dominação' da célula de gordura pelo vírus torna-se ainda mais favorecida quando o processo de envelhecimento celular é acelerado com uso de radiação ultravioleta. Ao medir a carga viral 24 horas após esse procedimento, os pesquisadores observaram que as células adiposas envelhecidas apresentavam uma carga viral três vezes maior do que as células' jovens ”, explica Mori. `` Usamos a radiação UV para induzir no adipócito um fenômeno conhecido como senescência, que ocorre naturalmente com o envelhecimento. Ao entrarem em senescência, as células expressam moléculas que recrutam para o local células do sistema imune. É um mecanismo importante para proteger o organismo de tumores, por exemplo”.
O problema, segundo o pesquisador, é que tanto nos indivíduos obesos quanto nos idosos e nos portadores de doenças crônicas, as células senescentes começam a se acumular no tecido adiposo, tornando-o disfuncional. Tal fato pode resultar no desenvolvimento ou no agravamento de distúrbios metabólicos.
Ainda de acordo com Mori, o envelhecimento acelerado do adipócito induzido pela radiação UV mimetiza o que costuma ocorrer no tecido adiposo de indivíduos obesos e nos idosos. `` Recentemente, começaram a ser testados em humanos alguns compostos capazes de matar células senescentes: são as chamadas drogas senoliticas. Nos experimentos com animais, esses compostos se mostraram capazes de prolongar o tempo de vida e reduzir o desenvolvimento de doenças crônicas associadas ao envelhecimento ”, conta o pesquisador.
O grupo da Unicamp teve então a ideia de testar o efeito de algumas drogas seno líticas no contexto da infecção pelo Sars-CoV-2. Em experimentos feitos com células epiteliais do intestino humano, observou se que o tratamento reduziu a carga viral das células submetidas à radiação UV. `` Alguns compostos chegaram a inibir em 95% a presença do vírus. Agora pretendemos repetir o experimento usando adipócitos ”, diz Mori.