Notícia

Jornal da Unesp

O vidro que "pensa"

Publicado em 01 novembro 1998

Como já fez tantas outras vezes ao longo da História das ciências, também aqui o acaso deu o ar de sua graça. Há dois anos, a pós-graduanda Leila Chiavacci, do Instituto de Química (IQ) do câmpus da UNESP de Araraquara, estudava as propriedades de um gel, mais precisamente o obtido com óxidos de zircônio misturados à água, quando notou que a substância, ao ser aquecida, escurecia e enrigecia. A estudante acabava de descobrir o primeiro material inorgânico capaz de sofrer transformações sol-gel termorreversíveis. Traduzindo: quando aquecido, o material fica sólido e opaco; ao esfriar, volta a ser líquido e transparente. Em geral, tais propriedades só existem em materiais orgânicos. Leila e outros docentes e alunos pesquisadores do Departamento de Físico-Química do IQ passaram a estudar o fenômeno e suas possíveis utilidades práticas. Colocada entre duas placas de vidro, a gelatina deu origem ao que os pesquisadores chamaram de "vidro inteligente". A temperatura que faz com que o vidro sofra a transformação térmica pode ser regulada entre 10 e 90 °C. De acordo com o engenheiro de materiais Celso Santilli, docente do IQ, o vidro funciona como uma espécie de pára-sol, podendo ser utilizado em tetos solares de carros ou nas janelas de ambientes que não podem sofrer a ação do calor, como as salas de computadores. Em locais fechados, prevê-se uma boa economia na utilização de aparelhos de ar condicionado. "Chamamos a isso de efeito termocrômico, pois o vidro fica opaco à medida que a temperatura aumenta", explica Santilli. "É diferente do que acontece com alguns tipos de lentes de óculos, que possuem efeito fotocromático, ou seja, escurecem com a intensidade da luz", compara. MÚSCULOS ARTIFICIAIS Os pesquisadores também estudam a possibilidade de usar o gel para proteger superfícies metálicas contra corrosão e até produzir músculos artificiais. "O gel é flexível e, se submetido a uma temperatura maior, fica rígido, exatamente o que acontece com a musculatura", diz Santilli. Os resultados da pesquisa, feita em parceria com a Universidade Paris-Sul, da França, e com financiamento de 460 mil reais para quatro anos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), são animadores. Mas ainda há muito o que investigar. "Precisamos diminuir o tempo de resposta do vidro, atualmente em dez minutos", afirma Santilli. "Além disso, após a temperatura diminuir, o vidro ainda leva cerca de uma hora para voltar ao normal." A autora da descoberta, Leila Chiavacci, 27 anos, atualmente aprofunda seus conhecimentos na Universidade Paris-Sul, na França, pesquisando os fenômenos químicos envolvidos na termorreversibilidade do gel. "Passada a surpresa da descoberta, tento agora otimizar a sua aplicação", diz. "Seria importante que a iniciativa privada também investisse nesta pesquisa, para que o material esteja pronto para a industrialização o mais rápido possível."