Em visita ao Brasil na última semana de agosto, o assessor para Ciência e Tecnologia (C&T) da Casa Branca, Edgard Moniz, apresentou cópia de uma carta que fora enviada ao presidente Bill Clinton, quando do início de seu programa de austeridade financeira (o dinheiro está curto no mundo inteiro). Ela demonstrava compreensão por esse programa, mas pedia que não Fossem reduzidos os investimentos para pesquisas. E quem assinava essa carta? A Sociedade Americana para o Progresso da Ciência? Alguma facção romântica da esquerda? Alguma universidade? Não. Simplesmente os presidentes das vinte maiores empresas americanas.
É verdade que, nos Estados Unidos, o poder público investe muito em inovação, por meio das empresas. Mas não era essa a motivação desses presidentes, até porque o montante destinado à pesquisa é muito menor que as compras efetivas. O verdadeiro conteúdo da mensagem era a necessidade de manter o país na vanguarda do conhecimento e da inovação, de maneira a mantê-lo também na liderança da competição.
Deixemos por ora, no entanto, o campeão mundial da inovação - que investe anualmente em ciência e tecnologia alguma coisa perto de 3% de seu PIB, o que resulta numa cifra impressionante próxima de US$ 150 bilhões - para nos determos em realidades, de certo modo, mais próximas de nós. Vale tomar, nesse caso, um exemplo entre os "tigres asiáticos". Assim, a Coréia, há vinte anos, investia 0,5% do seu PIB em C&T. Hoje, investe 2,5%. O Brasil, nos últimos anos, tem investido uma média de 0,7% do seu PIB, e esse índice se mantém como o maior já registrado em sua história. Numa análise um pouco menos ligeira dos números coreanos, verifica-se que o governo da Coréia era praticamente o responsável pelo investimento de 0,5% há vinte anos, e que hoje ele continua aplicando o mesmo 0,5%. Os outros 2% vieram da iniciativa privada, antes quase ausente das aplicações em C&T. O regime forte naquele país mais o desafio japonês provocaram o salto dos investimentos, com o concurso decisivo do setor privado.
A relação é, portanto, exatamente a inversa da que se registra na Coréia, ou mesmo no Japão, onde cerca de 80% do investimento é privado e 20% é público. E, retomando o caso americano, é bem distinta daquela que ocorre nos Estados Unidos, que mantém uma proporção de 50% por 50% entre as duas origens dos recursos.
Há que se ressaltar que nesses países há uma clara distinção entre as pesquisas conduzidas com recursos públicos e aquelas desenvolvidas com recursos privados. As pesquisas conduzidas no ambiente da empresa possuem interesse, em princípio, num rápido retorno (quando possível).
Na verdade, no mundo competitivo em que vivemos, a inovação resulta de uma atuação complexa. É o resultado da interação de um setor de marketing que tem a competência de entender para onde vai a sociedade e antever suas necessidades; de um setor de vendas que, no futuro, vai precisar se organizar para o mesmo objetivo; de um setor de produção que precisa julgar e adequar os processos de produção; de um setor estratégico que precisa programar recursos humanos, financeiros e laboratoriais, etc. Para obter um sucesso integrado, todas essas equipes trabalham de forma integrada - como se fosse uma rede.
Por outro lado, as pesquisas, conduzidas com recursos públicos estão mais voltadas para a área acadêmica e destinam-se principalmente às áreas de saúde, biomédicas, engenharia (pré-competitiva), física, química, etc. Desse lado também forma-se uma rede de ciência e tecnologia que se teria grande dificuldade em separar.
Não se consegue fazer ciência básica, hoje em dia, sem usar equipamentos e instrumentação de elevada tecnologia, e não se consegue fazer tecnologia a não ser baseada no conhecimento científico. Mais ainda, há enfoques nas áreas de ponta, como a biotecnologia, em que uma descoberta hoje significa, amanhã, uma nova metodologia, uma nova teoria, um novo método de ensaio, uma nova instrumentação.
Assim, cada vez mais, as duas redes se integram. Há empresas cujos laboratórios têm dado grande impulso à pesquisa básica. Como exemplo, vamos citar dois deles, responsáveis por quatro prêmios Nobel: o Bell Laboratories e o Laboratório Suíço da IBM. Por isso o destaque que fizemos anteriormente, quanto ao investimento de rápido retorno, em princípio.
Já existem algumas empresas cuja metade do faturamento é obtida mediante produtos que não existiam há três ou quatro anos. E esse é um processo que tende a se expandir.
Esses são dados que nos ajudam a compreender que vivemos num mundo em que a competição entre as nações se apóia, cada vez mais, na ciência e na tecnologia, simultaneamente. Aí é que se encontra o verdadeiro poder, capaz de assegurar ou não desenvolvimento econômico a uma sociedade. Logo, essas duas redes devem, na verdade, constituir-se em apenas uma, maior, mais ampla, que não liquida as esferas próprias de cada uma que lhe dá origem, mas, ao contrário, produz um processo de alimentação contínua que consolida e fortalece as duas instâncias e resulta na pujança da ciência e da tecnologia compreendidas de forma integrada.
É essa, a rigor, a lição contida na carta dos presidentes das vinte maiores companhias americanas ao presidente Bill Clinton.
Guardadas as proporções, uma cultura semelhante precisa ser criada entre nós, para que coloquemos o Brasil nessa trilha. A onda da globalização vem, mas ela não pode nos afogar. Para que não sejamos pegos desprevenidos, precisamos correr juntos: empresários e pesquisadores.
* Diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Notícia
Gazeta Mercantil