Nobeis de Medicina, Química e Física vieram ao Brasil e conversaram com estudantes e pesquisadores sobre educação, produção científica e o futuro do planeta
“A ciência está nos preparando para o futuro.” A afirmação é da neurocientista norueguesa May-Britt Moser, laureada com o Nobel de Medicina em 2014. Nesta quarta-feira (17), ela esteve em São Paulo junto ao físico francês Serge Haroche e ao químico britânico David MacMillan, ambos também vencedores do Nobel
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O trio laureado veio ao Brasil para participar do evento Diálogo Prêmio Nobel , promovido pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) em parceria com a Fundação Nobel no Rio de Janeiro e em São Paulo. Na capital paulista, o encontro ocorreu no campus da Universidade de São Paulo (USP), em um auditório lotado de estudantes e pesquisadores.
Moser foi uma das responsáveis por descobrir as células de grade, que atuam no cérebro para a codificação do espaço e funcionam como um GPS. A descoberta premiada contribuiu para estudos sobre a doença de Alzheimer
Mas a neurocientista enxerga o papel da ciência muito além de achados como esse. "Com a educação , não somos tão polarizados. A democracia morre quando há polarização”, disse a pesquisadora.
May-Britt Moser, ganhadora do Nobel de Medicina em 2014 — Foto: Clément Morin
Ela acredita que o potencial e parte da responsabilidade de jovens cientistas está em ser “embaixadores da ciência” para além dos seus próprios círculos sociais. “A democracia se baseia na comunicação, e a comunicação é fundamental para a ciência”, afirmou à plateia.
Por uma ciência inclusiva
Para aqueles longe dos laboratórios e centros de pesquisa, a ciência pode parecer uma prática distante ou até elitista. No Brasil, a afirmação não seria infundada: apenas 23% da população entre 24 e 35 anos têm curso superior, segundo dados de 2023 do Ministério da Educação (MEC).
David MacMillan, no entanto, busca acabar com esse rótulo. “Os cientistas são da classe trabalhadora”, afirmou o pesquisador escocês em coletiva de imprensa. “Fazemos muito trabalho com o qual nos importamos e estamos fazendo isso pela sociedade . Estamos na base da montanha, trabalhando com todos os outros, tentando levá-los ao topo.”
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Vencedor do Nobel de Física em 2012, Serge Haroche acredita que ganhar um Nobel pode ser questão de sorte e de estar pesquisando no momento certo, além de ser escolhido dentre várias pessoas produzindo algo tão interessante quanto você. “O prêmio Nobel não deve ser um critério. O que é preciso é melhorar a educação”, afirmou o francês.
Serge Haroche, ganhador do Nobel de Física em 2012 — Foto: Clément Morin
O pesquisador, que já atuou com cientistas brasileiros, acredita que no Brasil há muitos recursos não explorados e que a educação é desigual . “É difícil concorrer com recursos de laboratórios na Europa e nos Estados Unidos que possuem uma longa tradição em pesquisa e desenvolvimento”, comentou.
Nascido no Marrocos e naturalizado francês, Haroche foi responsável por descobrir, junto ao estadunidense David J. Wineland, como medir partículas quânticas sem destruí-las. O feito parecia impossível para a área da física que estuda partículas menores que átomos e prótons e abriu portas para o desenvolvimento de novas tecnologias
“Nós transmitimos um conhecimento que foi acumulado do passado e que nos conduzirá até o futuro. Essa talvez seja a maior responsabilidade que temos como cientistas, saber que somos parte de uma cadeia de eventos”, afirmou Haroche.
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A caminho do futuro
Para MacMillan, dentro dos próximos 10 ou 20 anos, a ciência irá testemunhar maneiras mais sistemáticas de fazer perguntas sobre como melhorar o planeta . “O mundo precisa da motivação de pessoas que se importam”, defendeu o vencedor do Nobel de Química em 2021
O escocês foi reconhecido com o Nobel pela criação de substâncias que aceleram reações químicas — os catalisadores —, mais sustentáveis ambientalmente. "O modo como a ciência geralmente funciona é fazermos as coisas com base no que já sabemos”, comentou.
David MacMillan, ganhador do Nobel de Química em 2021 — Foto: Clément Morin
Ele reconhece a importância das agências financiadoras, mas diz que seus revisores buscam apoiar pesquisas que fazem sentido com base naquilo que já é conhecido. “Às vezes, os jovens querem ir numa direção muito diferente e infelizmente é difícil obter financiamento para isso, então acabamos fazendo as coisas que fazem sentido em vez das que são mais incomuns ou têm mais riscos”, disse ele. Para o britânico, esse é o equilíbrio que jovens cientistas devem buscar, porque pesquisas de alto risco podem levar a descobertas inovadoras.
No âmbito das mudanças climáticas e do futuro do planeta, MacMillan defende encontrar soluções que tragam benefícios econômicos, de forma que grandes corporações não lutem contra elas. “O mundo é baseado no capitalismo e isso não vai mudar, portanto, sempre terá de haver uma força motriz econômica”, declarou
Para os três laureados, a criatividade desempenha um papel essencial na ciência. Ela não funciona do mesmo modo que para um escritor de ficção científica — esse pode imaginar cenários distantes da realidade, como viajar mais rápido do que a velocidade da luz —, mas permite inventar ferramentas inovadoras.
“É possível usar a diversidade do seu grupo para imaginar algo que antes não era compreendido. Na minha opinião, arte e ciência caminham lado a lado”, disse Moser. Haroche concorda. “Se você quer ter boa ciência, você precisa ter liberdade de pensamento. O mundo acadêmico precisa ser livre.”