Os anticorpos monoclonais (mAbs) são uma classe de medicamentos feitos a partir de diferentes tecnologias que identificam a sequência genética e tratam doenças infecciosas e autoimunes como artrite reumatoide, esclerose múltipla, doença de Crohn e psoríase, além de cânceres, com efeitos colaterais mínimos ou nulos.
Injetados na corrente sanguínea, esses tratamentos são predominantemente ambulatoriais, embora aplicações domiciliares em forma de caneta também permitam seu uso. Apesar de ser uma tecnologia já conhecida, por ser altamente técnica, nem sempre é fácil compreender como os anticorpos monoclonais são feitos e quais seus benefícios.
“Um anticorpo monoclonal existe quando a gente consegue em laboratório, por alguns métodos, cultivar uma célula produtora de um único anticorpo e reproduzi-lo em quantidades ilimitadas”, esclarece Ana Maria Moro, diretora do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Imunobiológicos (CeRDI) e do Laboratório de Biofármacos do Instituto Butantan.
Como definir os anticorpos monoclonais?
Um anticorpo monoclonal provém de um único clone de linfócito B, que são as células do sangue que produzem os nossos anticorpos. Há diferentes linfócitos B circulando no sangue, responsáveis por produzir anticorpos capazes de respostas imunes contra vírus, bactérias e toxinas.
Estes anticorpos monoclonais são desenvolvidos por meio de duas tecnologias, uma delas chamada hibridomas, que são células de replicação contínua feitas a partir da fusão de outras duas células. E por phage display, uma técnica de biologia molecular que permite selecionar e isolar moléculas únicas por meio da criação de uma biblioteca de genes.
“Os anticorpos se ligam de uma forma específica ao antígeno para o bloqueio direto do invasor, ou para conduzir o sistema imune, ativando-o para que microorganismos ou células tumorais sejam eliminados, ou para neutralizar uma proteína ou receptor causador de uma doença”, explica Ana Moro.
Uma das grandes vantagens do uso de anticorpos monoclonais em doenças infecciosas é a sua segurança, expressada na baixa reatogenicidade e na precisão em envolver e eliminar patógenos.
“Os anticorpos são considerados tratamentos seguros com efeitos adversos muito baixos ou quase inexistentes. No tratamento de câncer e de doenças autoimunes, há o reconhecimento de células de forma muito mais específica, sem aniquilar células saudáveis”, explica.
No entanto, os estudos continuam para que sejam desenvolvidos anticorpos monoclonais cada vez mais ‘certeiros’ em atingir células doentes.
“O desafio, neste caso, é identificar marcadores presentes em células alvo em proporção muito maior do que em células saudáveis”, destalha a pesquisadora.
Evolução
As primeiras pesquisas do Instituto Butantan, iniciadas há 30 anos, foram realizadas ainda com anticorpos murinos (de camundongos) produzidos por hibridomas. Foi a partir desse hibridoma que se teve a expressão dos anticorpos monoclonais direcionados ao invasor-alvo: o patógeno ou doença que se quer tratar. Essa tecnologia foi desenvolvida nos anos 70 no exterior e chegou alguns anos mais tarde no Brasil.
Ana Moro foi quem começou as primeiras pesquisas do instituto e, na década de 90, sua equipe produziu os primeiros lotes de anticorpo monoclonal anti-CD3 a partir do cultivo do hibridoma em biorreatores. Este anticorpo monoclonal chegou a ser utilizado clinicamente para reversão ou profilaxia da rejeição de transplante renal, com sucesso.
“Seguindo as tendências internacionais, o objetivo da pesquisa continuou a desenvolver anticorpos humanizados ou humanos. Essas moléculas, naturalmente, provocariam menos efeitos colaterais ou nenhum, por serem homólogas ao organismo humano”, afirma Ana Moro.
Ao longo do tempo, o grupo do Butantan produziu linhagens celulares de mAbs humanizados para tratamento de câncer, descobriu novos anticorpos humanos antitetânicos a partir de células B do sangue de pessoas vacinadas e construiu bibliotecas de phage display com genes de anticorpos humanos a partir do sangue de doadores.
“Conseguimos transformar um anticorpo murino em humano através dessa biblioteca, a partir de uma técnica chamada seleção guiada. Neste caso, fizemos a humanização de um anticorpo, o anti-FGF2, que mostrava a capacidade de inibição do crescimento de tumores”, lembrou a pesquisadora.
Atualmente, Ana Moro é responsável pelos estudos de medicamentos que deverão ser desenvolvidos na fábrica de Produção de Anticorpos Monoclonais (PAM), construída no Butantan em 2020 e já totalmente equipada e certificada para oferecer este tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS).
Ainda em 2020, a direção do Butantan firmou uma parceria com a farmacêutica Sandoz para a fabricação do medicamento adalimumabe no PAM, indicado para o tratamento de artrite reumatoide.
“Durante a pandemia de Covid-19, a nossa equipe começou também a trabalhar no desenvolvimento de anticorpos monoclonais anti-SARS-CoV-2, voltados a pacientes com sintomas graves causados pelo vírus, e atualmente trabalha na pesquisa de anticorpos anti-zika e anti-influenza, além dos antitetânicos”, esclarece Ana Moro.
Desafios e custo
Nos últimos anos, os processos para obtenção dos anticorpos estão se modernizando e ajudando a aumentar a produtividade das moléculas em escala industrial – um desafio maior em anos anteriores. Apesar disso, rendimento e custo da produção ainda são gargalos que impactam na popularização do método.
“Anos atrás tínhamos anticorpos que produziam meia grama por litro. Hoje temos no Butantan produção de 2,5 gramas por litro, considerados de média produtividade, e já adquirimos sistemas para fornecer produtividade mais alta no mesmo cultivo. Esse é o mecanismo para baixar custo”, explica Ana Moro.
A pesquisadora explica que antes de afirmar que o tratamento com anticorpos monoclonais é caro, é importante entender as diferenças entre um tratamento de câncer e de outras doenças, cujos custos são diferentes.
“A maioria dos anticorpos monoclonais utilizados clinicamente no tratamento de câncer ou de doenças autoimunes são usados com recorrência, e isso tem um custo cumulativo. Quando se quer brecar uma infecção ou um antídoto por uma toxina, o uso é muitas vezes pontual, o que tem um custo muito diferente. O Butantan foca seu desenvolvimento em anticorpos monoclonais contra doenças infecciosas e toxinas, que podem ser usados mais esporadicamente”, conclui.