O estado da arte na área de bioenergia no mundo acaba de ser conhecido, com o lançamento do relatório Fapesp-Scope Bioenergy and Sustainability: Bridging the Gaps, lançado no dia 11 passado, em evento na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em São Paulo. O lançamento se inseriu numa agenda de eventos organizados para discutir o conteúdo do documento, que já foi apresentado para a comunidade científica na sede da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em abril, e também nas conferências da Semana de Energia Sustentável da União Europeia, ocorrida de 15 a 19 de junho, em Bruxelas, na Bélgica.
O esforço de 137 especialistas de 24 países e 82 instituições resultou num trabalho de 779 páginas, com importantes bases científicas para nortear políticas energéticas nas próximas décadas. O atual panorama da bioenergia no mundo revelado em 21 capítulos aborda tecnologias na área, sistemas e mercados de financiamento da produção, potencial para o crescimento sustentável da bioenergia e uma avaliação crítica de seus impactos.
Os dados acabam por desmistificar pontos até hoje considerados sensíveis ou controversos, como, por exemplo, a insustentabilidade da cadeia produtiva da bioenergia e o alto custo das tecnologias para sua produção. Ou, ainda, a crença de que a expansão da bioenergia potencialmente ameaçaria a segurança alimentar e a disponibilidade de terra e água do planeta.
“A percepção de que há competição de terra para produção de bioenergia e alimentos não é baseada em ciência. Isso é uma visão de mundo europeia. De fato, na Europa existem poucas terras. Mas não é uma realidade na África e América Latina, onde está o maior potencial para o crescimento dessa área”, afirma a editora do relatório e coordenadora do estudo, professora Gláucia Mendes Souza, do Instituto de Química (IQ) da USP.
Além disso, a inserção dos biocombustíveis na política energética global tem o potencial de equilibrar a dependência de fontes fósseis e reduzir os impactos econômicos das flutuações dos preços da energia, segundo a coordenadora.
Para o professor e ex-reitor da USP José Goldemberg, é relevante o fato de o relatório estar centrado no Brasil e ser coordenado por uma brasileira, pois isso “consolida a liderança do País na área de energias renováveis”, disse em entrevista ao Jornal da USP, concedida antes do lançamento do relatório.
O trabalho também foi coordenado por cientistas associados aos programas temáticos da Fapesp em Bioenergia (Bioen), Mudanças Climáticas Globais (RPGCC) e Biodiversidade, com financiamentos da Fapesp e do Comitê Científico sobre Problemas do Meio Ambiente (Scope), uma organização não-governamental internacional. Os estudos estão disponíveis para download pelo link http://bioenfapesp.org/scopebioenergy/index.php/chapters.
Tecnologias – O documento retrata “uma área dinâmica, com grandes avanços e novas tecnologias mais sustentáveis e mais eficientes, com potencial real para reduzir as emissões dos gases de efeito estufa e capaz de trazer cobenefícios para diferentes cadeias produtivas em vários setores da sociedade”, diz a professora Gláucia.
Uma seção inteira, ou mais de cem páginas, é dedicada às tecnologias de conversão, tema quente de pesquisa que busca descobrir formas de converter biomassa em energia e produtos químicos. “A área teve grandes avanços, especialmente nas biorrefinarias integradas, capazes de converter todo o carbono da planta, ou celuloses, açúcares, fibras, ligninas e outros compostos, em energia, em compostos químicos, em bioeletricidade e biocombustíveis líquidos”, afirma Gláucia.
A professora ressalta as contribuições potenciais para o setor energético e o de transportes. Até 2050, 20% da energia primária usada no mundo poderá ser substituída por bioenergia, sendo que 30% dessa energia renovável poderá ser direcionada a biocombustíveis líquidos para transportes, afirma.
Outro destaque é a bioeletricidade. Segundo a cientista, as estimativas mostram que 18% da eletricidade consumida no Estado de São Paulo poderá ser gerada a partir do bagaço da cana e outras biomassas. “As ilhas Maurício já atingiram o potencial máximo, de 16%. Alguns estímulos lançados pelo governo do Estado mostram que estamos na direção de reaproveitar o bagaço e outros resíduos da agricultura para a produção de 18% da eletricidade que consumimos”, diz.
Comunicação – Na seção sobre desenvolvimento sustentável e inovação, um dos capítulos mostra, por exemplo, os gargalos na percepção pública e comunicação de boas práticas da bioenergia. “As pessoas não conhecem todos os aspectos do que é bioenergia, que ela não é só cana-de-açúcar e etanol. Temos que ser mais eficientes em mostrar que a bioenergia pode ser produzida a partir de qualquer planta e qualquer resíduo de biomassa”, afirma a coordenadora.
Para Gláucia, faltam ferramentas para comunicar os casos de sucesso, mas também para disseminar os que não foram bem-sucedidos; e o documento reaviva essas experiências. “O que não deu certo fica esquecido. Mas são lições aprendidas, valiosas para a ciência e o próprio desenvolvimento da área. Precisamos de indicadores, de saber mais das pré-condições para a experiência funcionar”, afirma.
A professora cita o caso alemão do cultivo de milho para a produção de biogás. A iniciativa foi criticada por diversos setores, mas vale lembrar que o país deu um salto na produção energética a partir de biomassa, especialmente de resíduos orgânicos urbanos e de estercos de parques e da agropecuária. “A importância disso é concluir que o que deu certo para alguns pode não dar certo para outros. A Europa é importadora de alimentos e sua agricultura funciona com altos subsídios. Não faz sentido usar terras para produzir grãos para bioenergia, é insustentável”, conclui.