Pesquisa com 400 mulheres vai investigar a relação entre a concentração de óxidos de colesterol na circulação e o risco de o tumor crescer e formar metástase
O excesso de colesterol em uma célula favorece a formação de óxidos de colesterol muito tóxicos, o que contribui para processos de oxidação e inflamação. Daí o interesse em sua ação na fisiopatologia do câncer
Um estudo conduzido na cidade de São Paulo com 400 mulheres visa investigar se o colesterol e seus derivados podem ser usados como biomarcadores de gravidade para o câncer de mama. A ideia é avaliar a relação entre a concentração de óxidos de colesterol na circulação da voluntárias e o risco de o tumor crescer e formar metástase.
O assunto vem ganhando atenção da ciência nos últimos anos e diversos grupos de pesquisa buscam entender qual mecanismo estaria envolvido nessa relação entre o câncer de mama e o aumento do colesterol no plasma sanguíneo.
“A maioria dos estudos indica que, quanto maior for a colesterolemia, maior será o risco de câncer de mama. Ensaios clínicos também têm mostrado que a HDL – a lipoproteína que retira o excesso de colesterol das células, chamada de o ‘colesterol bom’ – tem um papel importante: quanto menor o HDL, maior seria o risco de câncer de mama”, explica Marisa Passarelli, vice-coordenadora do Laboratório de Lípides (LIM 10) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e professora do Programa de Pós-Graduação em Medicina da Uninove.
O estudo, liderado por Passarelli e realizado com apoio da Fapesp, está analisando o tecido tumoral e amostras de sangue de 200 pacientes do Centro de Referência da Saúde da Mulher – Hospital Pérola Byington. São mulheres que foram recém-diagnosticadas com câncer de mama, mas que ainda não iniciaram nenhum tipo de tratamento. O outro grupo analisado é formado por 200 mulheres saudáveis e sem câncer de mama, pacientes da Unidade Básica de Saúde Doutora Ilza Weltman Hutzler, na zona norte da capital paulista.
“Existem diversos fatores que contribuem para o câncer de mama nas mulheres. Entre os fatores de risco mais clássicos estão a idade, menarca precoce, gestação ou menopausa tardias, histórico familiar, obesidade, sedentarismo e genética. No entanto, nenhum deles pode indicar a gravidade ou os diversos subtipos do câncer de mama. A hipercolesterolemia é proposta como um elo metabólico para o desenvolvimento e a progressão do câncer. Por isso, o nosso interesse em aprofundar o conhecimento sobre essa relação”, conta Passarelli.
A pesquisadora explica que o colesterol forma todas as membranas celulares e é elemento fundamental para a divisão celular, sendo um precursor importante do processo de crescimento celular e de proliferação tumoral.
“O excesso de colesterol em uma célula favorece a formação de óxidos de colesterol muito tóxicos, o que contribui para processos de oxidação e inflamação. Daí o interesse em sua ação na fisiopatologia do câncer. Por isso, vários pesquisadores em todo o mundo estão tentando entender se o fato de a HDL retirar colesterol e óxidos de colesterol das células pode ser uma via para diminuir o conteúdo intracelular de colesterol na célula tumoral e células vizinhas ao tumor e assim limitar o crescimento da lesão”, diz.
Soma-se a essa questão a ação anti-inflamatória da HDL. “Essa lipoproteína exerce ações anti-inflamatórias e antioxidantes, o que minimizaria o insulto oxidativo e inflamatório que faz parte de todo tumor. Isso varia de caso a caso, sendo alguns tumores de mama extremamente inflamatórios”, explica.
Colesterol analisado a fundo
O estudo que está sendo conduzido por pesquisadores da USP, Uninove e Hospital Pérola Byington pretende aprofundar o entendimento sobre a relação anti-inflamatória, além de analisar a composição de óxidos de colesterol presentes na HDL e, assim, identificar um potencial biomarcador.
“Mesmo estando em concentrações muito menores que o próprio colesterol, esses óxidos de colesterol são muito ativos dentro da célula. E é isso que vamos investigar”, diz.
O principal deles é o 27 hidroxicolesterol, que modula o crescimento do câncer de mama e a chance de ocorrer a metástase. “No aspecto molecular, quanto maior a concentração de 27 hidroxicolesterol no tumor, maior é a chance de crescimento tumoral e de metástase. Não tem ainda nenhum estudo na literatura que tenha avaliado os óxidos de colesterol e a ação da HDL sobre eles no câncer de mama. Pode ser que a HDL auxilie na proteção contra o câncer, dentre os vários mecanismos, por retirar 27 hidroxicolesterol da célula tumoral”, afirma.
Passarelli explica ainda que o 27 hidroxicolesterol é um modulador seletivo do receptor de estrógeno. “De maneira bem simplificada, é como se ele agisse como um estrógeno dentro da célula. Ele se liga ao receptor de estrógeno e sabemos que a maior parte dos tumores de mama é responsiva a esse hormônio”, diz.
Os pesquisadores pretendem primeiro identificar a distribuição dos vários tipos de óxidos de colesterol nas partículas de HDL das mulheres saudáveis e comparar os resultados com os do grupo que tem câncer de mama.
Para quantificar e identificar os óxidos de colesterol, as análises serão realizadas em equipamentos multiusuários (ultracentrífuga e cromatógrafo líquido acoplado a espectrômetro de massas).
Outro objetivo é verificar se determinados padrões de óxidos de colesterol podem predizer a gravidade do tumor entre as quatro classificações moleculares que norteiam o tipo de terapia mais indicado para cada paciente. “Isso pode auxiliar a equipe médica a determinar se uma paciente vai precisar fazer radioterapia, quimioterapia ou alguma terapia imunológica com anticorpos monoclonais, por exemplo, além de auxiliar no prognóstico da doença”, afirma.
A seguir, serão determinadas as funções das HDL isoladas das pacientes e voluntárias em relação à sua habilidade em remover colesterol de macrófagos (células que circundam as células tumorais), inibir a oxidação e a inflamação.