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'O papel da Semiótica é entender como entendemos' (1 notícias)

Publicado em 28 de maio de 2017

Por Vanessa Maranha

Linearidade sinusoidal, estesis, breagem enunciativa, vertente disjuntiva, simulacro, sintagmática do duplo. Esses são apenas alguns termos da metalinguagem estranha e aparentemente impenetrável da Semiótica, ou, mais especificamente, da Sociossemiótica proposta pelo lituano Algirdas Julius Greimas. Um ramo da Linguística Estruturalista que busca a prática, crítica e reflexão sobre nós mesmos enquanto sujeitos inseridos numa cultura e permanentemente comprometidos em atividades de construção de sentido.

Grosso modo, um corpo teórico composto por ferramentas conceituais que partem da Semântica e da lexicografia para, muito além disso, propor a dissecção, categorização e compreensão dos elementos em suas interações nas mais diversas linguagens, não somente literárias, mas de todos os contextos sociais e culturais em suas formas de significação – ao mesmo tempo como mundo inteligível e sensível.

Referência mundial na Semiótica, Greimas teve como colaborador, por 25 anos, o pesquisador francês Eric Landowski, semioticista autor de várias trabalhos nesta abordagem, diretor do Centre National de la Recherche Scientifique da França e co-diretor, com a professora Ana Cláudia Mei Alves de Oliveira, do Centro de Pesquisas Sociossemióticas da PUC (SP).

Por meio de apoio da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), Landowski esteve, no dia 19 de maio, no curso de pós-graduação em Linguística, cooordenado pela professora Vera Lúcia Abriata, na Universidade de Franca para proferir palestra e lançar o livro Com Greimas - Interações Semióticas, pela Editora Estação das Letras e Cores.

Em entrevista ao Comércio, Eric Landowski fala de uma Semiótica, a Sociossemiótica, voltada para a vida humana e de seu percurso acadêmico, participações nos seminários de Roland Barthes e Jacques Lacan e do seu trabalho ao lado do grande teórico que foi Greimas: “Ele possuía um grande rigor intelectual, não admitia incoerências na construção do trabalho, mas era uma pessoa extremamente generosa, de agradável convivência, gostava da vida. Uma mistura de rigor e leveza, ao mesmo tempo”. Toca nas redes sociais e suas bolhas semânticas de autovalidação entre outros assuntos.

Fale do seu percurso pessoal, acadêmico e profissional. E como chegou ao Brasil.

Eu estudei Ciências Políticas, campo que normalmente não conduzia à Semiótica, mas isso não me satisfazia muito e, então, encontrei pessoas relacionadas à Antropologia de Claude Levi-Stauss que me orientaram na direção do Estruturalismo. Ia aos seminários de Roland Barthes, Lacan e também de Greimas, ligados à École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris. Não conseguia compreender os seminários de Lacan, por isso não continuei a participar deles. Lacan era um espetáculo maravilhoso, sensacional, mas eu encontrava enorme dificuldade em entender o sentido da sua pesquisa. Continuei com Greimas, que apresentava, no fim dos anos 60, um fundamento da Semântica Estrutural que se desenvolveu desde essa época. Greimas me havia encarregado de grande parte das relações que ele possuía com colegas estrangeiros. Como eu gostava de aprender línguas estrangeiras, disse que viria ao Brasil, com prazer. Estive aqui pela primeira vez em 1982 e desde então, retornei a cada ano, convidado por uma professora de tradição peirceana, da PUC–SP, que gostaria de introduzir naquela universidade a orientação européia Estruturalista, greimasiana. Nunca fui docente, sempre estive no estatuto de pesquisador, que dá mais liberdade. A França possui o Centre National de la Recherche Scientifique que possui um nível raro de excelência, em relação aos outros países. Nas Ciências Políticas eu desenvolvia pesquisa em filosofia política, do discurso político, ideologia, aspectos assim não quantitativos da construção da persuasão política, digamos assim.

Qual é a especificidade da Semiótica de Paris, o seu turning point em relação à Semiótica Geral? Qual é, a seu ver, a grande contribuição de Greimas para este campo de estudo?

Anteriormente, desde o medievo, havia abordagens da questão da significação por meio da linguagem, pela retórica, por exemplo, embora isso não seja considerado Semiótica e ainda que Umberto Eco entendesse que já houvesse uma Semiótica precedente. A face atual da Semiótica se deu ao mesmo tempo em dois locais: nos EUA, por Pierce e, na Europa, de forma totalmente simultânea e sem correspondência, com Saussure, na Suíça. Saussure construiu a Linguística Moderna, inclusive Noah Chomsky se refere diretamente a Saussure. A criação da teoria da linguagem por Saussure inclui a ideia de uma teoria mais geral da significação que estaria de certo modo dentro e além da Linguística. Em referência a Saussure, em outros locais, com Jakobson, Hjelmslev e Greimas se desenvolveram círculos de estudos em Linguística, todos na linha Estruturalista, que hoje é mal considerada.

Por que o senhor diz que o Estruturalismo é hoje mal considerado?

Houve um período em que o Estruturalismo estava na moda. Depois de 1968 passou a ser mal considerado por impor uma espécie de sistematicidade do conhecimento, as tendências passaram a ser mais favoráveis à fragmentação, à expressão da subjetividade... Barthes, ele mesmo se tornou pós-estruturalista, a partir de um certo momento.

O desconstrucionismo de Derrida entra nessa tendência de negar o Estruturalismo?

Mas Derrida continuou estruturalista e justamente a minha ideia é a de que é possível continuar sendo estruturalista porque se trata de ver como as coisas são organizadas, pode ser a língua, pode ser o modo de entender a ideologia... os matemáticos são estruturalistas. A partir disso, é possível se ocupar da dinâmica de transformação dos objetos. A crítica ao Estruturalismo é a de que o mesmo estuda as estruturas como estáveis, eternas, imutáveis. Eu vejo a possibilidade de um Estruturalismo que se ocupe da transformação, da dinâmica, dos fenômenos.

Greimas passou por algum (auto)revisionismo, se avaliarmos perspectivamente a sua obra desde ‘Semântica Estrutural’ até o seu último livro ‘Da Imperfeição’?

Inicialmente a Semiótica, mesmo a greimasiana, se ocupava quase que exclusivamente da análise de textos escritos. Hoje se faz sobre as práticas pedagógicas, sobre campanhas eleitorais, sobre filmes, como o ambiente se organizava, enfim, tem muito mais relação com a vida e a experiência. De modo que sim, ele foi se desenvolvendo ao longo de sua obra.

Buscando separar os seus elementos para compreender as suas interrelações, poderíamos traduzir deste modo, esse enunciado a propósito da Semiótica?

Sim, sempre uma questão de como os elementos se relacionam. Os elementos podem ser, por exemplo, entre dirigentes-eleitores; professores-alunos.  O modo das relações dá o sentido às ações e às interações que ocorrem.

Qual foi a contribuição específica de Greimas para a Semiótica?

Ele trouxe uma concepção da significação mais ampla do que a anterior, por exemplo, na Semântica. A Semântica era (ainda é), digamos, uma ciência da problemática do sentido das palavras, essencialmente, que deriva na lexicologia, na sua aplicação aos dicionários, enquanto o que Greimas traz é a ideia de que a significação não é uma questão de palavras que se justapõem, mas uma apreensão global de algo. Por exemplo, quando você vai ao cinema, tem uma apreensão global de estímulos visuais, auditivos, sensoriais, tudo misturado.  O papel da Semiótica é entender como entendemos. Compreender, no caso do exemplo, como o filmo é feito para produzir tais e quais efeitos.

Podemos situá-la, então, filosoficamente, como uma epistemologia?

Sim, sim.

Que reflexão o senhor faz da proposta de refundação da Semiótica Geral pela Sociossemiótica?

A Sociossemiótica é um prolongamento, refundação talvez seja um pouco exagerado, pois o essencial é mantido, mas, até os anos 80 e 90 concentrava-se sobre uma certa forma de interação que produz sentido; forma de interação que irá, sobretudo, em termos de  persuasão, de racionalidade, de funcionalidade. A partir do período mais recente, anos 90 e 00, o trabalho acrescentou a isso a dimensão da sensibilidade, das coisas que não são da ordem do raciocínio, mas também do que se sente nas relações interpessoais e com o ambiente em geral, considerando laços sociais, o que constitui um grupo, a sociedade, um partido, temas muito menos tocados pela Semiótica anteriormente, sobretudo na dimensão afetiva.

Fale de seu livro Greimas, Interações Semióticas.

A ideia é que o sentido não é algo substancial, pré-determinado, que se poderia descobrir escondido por trás da superfície, mas algo que cada um constrói no plano de um discurso segundo o seu próprio mundo, uma subjetividade a partir dos aspectos social, cultural, individual, histórico, familiar, biológico. A ideia das interações vem de que aquilo que experimentamos é experimentado num certo contexto social, o que vai determinar o sentido que se atribui a este ou aquele elemento.

Como seria o quadrado semiótico (conceito da Semântica que consiste na trajetória de produção do objeto semiótico, das estruturas profundas às estruturas de superfície, do mais simples ao mais complexo, do mais abstrato ao mais concreto nas narrativas) do momento político brasileiro atual, como sintetizar a sua narratologia dentro de uma semântica estrutural?

(risos) Primeiro, não conheço suficientemente essa situação, segundo, acho que seria errado pensar que a Semiótica reduza as coisas a um quadrado semiótico. O quadrado semiótico pode ser utilizado em certos níveis e condições, mas não em todos os casos.

Qual é o seu olhar sobre esse momento político polarizado no Brasil?

Não é um problema unicamente semiótico, mas um antigo problema de Filosofia.: até que ponto é possível dizer a verdade? Do ponto de vista ético, radical, kantiano, é necessário dizer a verdade. Há outros que sustentem que não, por exemplo, a alguém que está morrendo, mas se sente feliz, talvez não seja necessário fazê-lo saber que vai morrer. Do mesmo modo, na sociedade atual, a justiça se tornou suficientemente potente para poder impor como necessidade absoluta o conhecimento da verdade. A verdade é que os políticos se comportam de um modo que não vai de acordo com a ética (risos).

Que leitura o senhor faz dos esquemas narrativos contemporâneos a partir do fenômeno das redes sociais?

Parece-me que essas redes foram apresentadas como uma maravilha que possibilitaria uma espécie de flexibilização da comunicação em todos os sentidos, uma abertura das possibilidades de escolha. Mas, acabaram, pelo contrário, fechando as coisas, porque  constituem microcosmos, bolhas de grupos que se sustentam e finalmente repetem a mesma ideologia e se validam, desenvolvendo no mesmo grupo os rumores sem que haja polêmica, discussão, contestação, o que afinal é o contrário da esperança que se tinha com as novas tecnologias da comunicação.

A semiótica greimasiana é a ciência do sentido? Vou lhe apresentar três provocações, a partir do semioticista brasileiro IIgnacio Assis Silva: 1-fazer ciência ou tomar ciência? 2-Em que universo exato ou humano reside uma ciência do sentido? 3- Dados de linguagem ou dados do mundo?

Não diria que é uma ciência, porque há certos critérios para definir ciência, em particular. Tenho muitos colegas semioticistas que a definem como ‘ciência da significação’, eu jamais digo assim, pois isto me parece simplesmente retórica aterrorizante para impressionar os outros. A Semiótica não é  mais ciência do que a Sociologia ou a Psicanálise. São teorias que buscam explicações para os fenômenos sociais e que sejam explicações bem construídas, com conceitos bem definidos. Quanto às provocações (risos): tornar-se, sim, consciente de. Não somente pela Semiótica, mas pela Psicanálise, pela Sociologia, são pesquisas que nos permitem tomar ciência do modo como construímos a realidade de modo significativo e observar como às vezes cometemos erros de construção, por exemplo ao pensar no ingênuo valor da verdade. A Semiótica possibilita construir um olhar crítico que contribui para a capacidade de tomar posições nas questões sociais. A Semiótica como reflexão da produção dos sentidos se alinha às ciências humanas, somos relativistas, na tradição européia. Trabalhamos sobre fenômenos culturais. São os dados do mundo e o modo como o homem os vê, graças à construção de sentido linguagem.

Para Dosse, ‘Greimas tinha por objetivo encontrar por trás do texto a sistemática que ordena o modo de funcionamento do espírito humano’. Ele conseguiu?

A Semiótica tem toda uma tecnologia e ferramentas para discutir imagens, interações, é o aspecto técnico, mas, na reflexão sobre o mundo e a forma como cada um constrói os sentidos, isso nos conduz a refletir sobre o  sentido da vida, o que aproxima a Semiótica da Filosofia, então sim, certamente.