A criatividade está na base da capacidade que cientistas têm de fazer conexões e buscar os caminhos e as perguntas certas para avançar os mais diferentes campos de conhecimento.
A percepção é compartilhada pelo químico David MacMillan, a neurocientista May-Britt Moser e o físico Serge Haroche, vencedores do Prêmio Nobel. Os três pesquisadores vieram ao Brasil na semana de 15 de abril para o evento Diálogo Prêmio Nobel , promovido pela Academia Brasileira de Ciências em parceria com a Fundação Nobel, e realizado no Rio de Janeiro na segunda-feira (15) e em São Paulo na quarta (17).
Neste texto, o Nexo traz reflexões dos três cientistas sobre o papel da criatividade e da curiosidade na produção de conhecimento e a importância de saber fazer as perguntas certas.
Uma mente artística e curiosa
Para a psicóloga e neurocientista norueguesa May-Britt Moser, a criatividade é um dos elementos mais importantes para o cientista ser capaz de combinar conhecimentos no trabalho em equipe.
“Ao ter uma mente artística e imaginação, você pode usar a diversidade no seu grupo para imaginar algo que você não entendia antes. Arte e ciência andam de mãos dadas”
May-Britt Moser
Moser recebeu o Nobel de Medicina ou Fisiologia em 2014, junto com Edvard Moser e John O'Keefe, pela descoberta de células importantes para a influência do espaço físico na formação de memórias. Apelidada de “GPS do cérebro”, a pesquisa avançou o conhecimento sobre processos cognitivos e hoje é usada em estudos que buscam entender o que causa a doença de Alzheimer.
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Mas tudo começou com perguntas que Moser se faz desde criança: “Como nosso cérebro gera nossa fala, o espaço da memória, o tempo… É algo com o qual nascemos? Se sim, como podemos usar isso para prosperar?”, disse ela.
Para a pesquisadora, o papel dos cientistas para deixar o impulso criativo florescer é ajudar na condução de uma curiosidade inata em todos.
“As pessoas são curiosas e nós não devemos impedi-las de ser assim. Sinto que minha função não é inspirar ou motivar pessoas. Meu papel é não bloquear as pessoas de demonstrarem a sua curiosidade”
May-Britt Moser
Imaginar para descobrir
Para o físico francês Serge Haroche, o conceito de criatividade difere quando pensado na arte e na ciência. Se na arte a criatividade permite imaginar coisas que não existem, o cientista está “restrito à realidade”.
“Estamos em diálogo com a natureza, descobrindo coisas que existem além de nós mesmos. A criatividade aparece na forma como você pode construir ferramentas que te permitem explorar a natureza e ser capaz de relacionar diferentes aspectos da realidade de novas maneiras”
Serge Haroche
O pesquisador venceu o Nobel da Física em 2012 junto com David Wineland por estudos pioneiros no campo da óptica quântica, com métodos que permitem a manipulação de sistemas quânticos individuais. Sua pesquisa faz parte da chamada ciência básica, que busca avanços em campos de conhecimento sem pensar necessariamente nas suas aplicações práticas.
“Nos anos 1990 consegui, com minha equipe de pesquisa, isolar um fóton único, uma única partícula, para tentar observar seus efeitos. E eu fiz isso como uma espécie de desafio. [O físico Erwin] Schrödinger costumava dizer que isso era impossível, então nós fomos incentivados pelo fato de que poderíamos provar que um cara como Schrödinger estava errado”
Serge Haroche
O que começou assim hoje está na base da computação quântica, que pode revolucionar a área por permitir a resolução de cálculos e problemas muito mais complexos que máquinas tradicionais. Haroche considera que a área hoje está “na moda” de um jeito até exagerado — mas importante para atrair mais investimentos para a pesquisa.
Fazer as perguntas certas
O escocês David MacMillan foi premiado com o Nobel de Química em 2021 junto com Benjamin List, pelo desenvolvimento de um novo tipo de catálise, processo que acelera reações químicas a partir da construção de moléculas orgânicas. Usado na pesquisa farmacêutica, o método é mais amigável ao meio ambiente.
O químico acredita que é possível ensinar criatividade, o que ele vê como uma grande oportunidade para que pesquisadores sejam mais capazes de enxergar conexões onde elas não são óbvias.
“Para o cientista, a criatividade é o componente que nos permite pensar de forma diferente, introduzir novas maneiras de pensar, e conseguir ver soluções que outras pessoas não veem ao conectar coisas que a princípio parecem muito diferentes”
David MacMillan
Para MacMillan, os principais avanços científicos dos próximos anos devem partir de perguntas que hoje ainda não são feitas.
“Há todas essas outras coisas que não estamos perguntando, e que se nos perguntarmos, provavelmente veríamos grandes mudanças. Eu acredito por exemplo que a inteligência artificial não terá um grande impacto em soluções, mas sim na formulação de perguntas”
David MacMillan
Ele dá como exemplo a biodiversidade brasileira. Há recursos naturais que podem ser usados de forma sustentável e que poderiam ser combinados. “Como começamos a combinar essas moléculas umas com as outras para fazer novos remédios? Não estamos fazendo isso. Eu acho que nos próximos 10 ou 20 anos veremos maneiras de pensar mais sistematicamente em boas perguntas que podem tornar nosso mundo melhor”, disse.