Com pesquisadores de diversas universidades e instituições, Centro Brasileiro de Pesquisa Aplicada à Primeira Infância busca produzir evidências para políticas públicas voltadas ao desenvolvimento infantil
Um grupo de cientistas vinculados a diferentes universidades e instituições do país lançou na última quarta-feira (3) o Centro Brasileiro de Pesquisa Aplicada à Primeira Infância, que busca produzir evidências para políticas públicas voltadas ao desenvolvimento de crianças até 6 anos de idade.
O centro, chamado pela sigla Cpapi, busca usar a pesquisa científica para apoiar medidas que promovam o crescimento sadio e pleno de crianças de 0 a 6 anos e garantam igualdade de oportunidades para que todas tenham acesso às mesmas condições de desenvolvimento.
O Cpapi, vinculado à Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), é uma iniciativa do Núcleo Ciência pela Infância, grupo composto por sete instituições, como Insper, Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal e DRCLAS-Harvard (David Rockefeller Center for Latin American Studies), um dos parceiros científicos do Nexo Políticas Públicas.
“Os objetivos do centro são fazer pesquisas para subsidiar políticas públicas, transferir tecnologias para os gestores públicos e disseminar o conhecimento sobre a importância da primeira infância” Naercio Menezes Filho, diretor do Cpapi, professor titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper e professor na FEA-USP, em entrevista ao Nexo Políticas Públicas
O diretor do novo centro será Naercio Menezes Filho, coordenador da Cátedra Ruth Cardoso no Insper e do Comitê Científico do Núcleo Ciência pela Infância. Ele também é professor titular no Insper e professor na FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo).
O professor disse ao Nexo Políticas Públicas que um dos focos do Cpapi será produzir indicadores para medir o desenvolvimento infantil no país. “No Brasil, a gente conhece muito pouco do tema. Na educação, as pessoas sabem o que é o Ideb. Na saúde, elas sabem o que é nutrição, saúde mental. E o desenvolvimento infantil?”, afirmou.
O centro deve contar com o trabalho de pesquisadores vinculados a instituições como USP, Insper, UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), FGV (Fundação Getulio Vargas), UFBA (Universidade Federal da Bahia), UFPR (Universidade Federal do Paraná), Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), entre outras.
Quais as prioridades do centro
Os pesquisadores que participam do Cpapi definiram prioridades para sua agenda de pesquisa. O centro diz que, a partir de 2022, pretende dar início a um projeto ambicioso e de longo prazo de acompanhamento de crianças no país, com objetivo de coletar dados e analisar suas condições de desenvolvimento.
O professor Naercio Menezes Filho afirmou ao Nexo Políticas Públicas que o plano é acompanhar durante dez anos cerca de 1.000 crianças em quatro municípios do estado de São Paulo. Os pesquisadores devem coletar dados sobre desempenho escolar, estado de saúde, qualidade do sono, relação com a família e com a vizinhança, entre outros pontos.
“O centro irá coletar todas essas métricas [de desenvolvimento] e, depois, observar se estão correlacionadas, ou tentar entender quais delas ajudam a prever melhor o desempenho dessas crianças no futuro”, explicou. “É um projeto bastante ambicioso. Mas, no Brasil, é muito importante, porque a primeira infância continua negligenciada.”
Mais tarde, os dados coletados na pesquisa serão integrados a uma plataforma digital, segundo o centro. A plataforma poderá ser acessada por pesquisadores e gestores públicos que quiserem usar as informações para desenhar ou melhorar políticas públicas para a primeira infância.
O professor disse que o Cpapi ainda não definiu em quais municípios irá desenvolver a pesquisa, mas deve buscar parcerias com as prefeituras que assumiram no país em 2021. “Vamos precisar de uma colaboração grande”, afirmou. A parceria com os municípios está entre os principais desafios do centro, junto com restrições da pandemia de covid-19.
Além de conduzir essa pesquisa, o centro busca capacitar profissionais nas áreas de saúde, educação e assistência social sobre os impactos do desenvolvimento infantil pleno e saudável. Outros grupos que o centro pretende capacitar são alunos de ensino médio, de graduação e de pós-graduação.
Qual o papel da primeira infância
A primeira infância é reconhecida pela ciência como um momento fundamental para o desenvolvimento humano, pois as experiências vividas nesse período afetam de forma profunda o desenvolvimento físico, mental, social e emocional de todas as pessoas. “É o momento mais crucial de nossa vida”, disse Naercio Menezes Filho.
A política para a primeira infância costuma ser chamada em estudos de “mãe de todas as políticas públicas”. A lógica da expressão é que investir em ações para crianças tem impacto em todas as outras políticas, pois essas ações costumam atingir áreas tão diversas quanto saúde, educação e desenvolvimento.
Estudos mostram que o investimento nessa fase da vida forma pessoas mais felizes, produtivas e sociáveis, por exemplo. Por outro lado, se uma criança cresce com más condições de desenvolvimento, pode não aprimorar habilidades cognitivas e socioemocionais necessárias e atrair problemas, segundo Filho.
“Ela pode ter problemas na escola, deixar os estudos, ir para o crime… Ou ficar ‘nem nem’ [nem estudando, nem trabalhando], cair na informalidade e depender do Estado durante toda a vida”, afirmou.
Investir no desenvolvimento infantil não beneficia só os indivíduos, mas a sociedade, segundo Filho. Quando os governos investem na primeira infância, as pessoas conseguem crescer de forma saudável, estudar e trabalhar. “Ajudam o país a crescer, a aumentar a produtividade”, afirmou. “São fontes de ideias, de inovações.”
O economista James Heckman, Nobel de Economia de 2000, fez um estudo que mostrou que o dinheiro aplicado em cuidados com as crianças traz retornos financeiros para os países, pois se gasta menos com programas sociais e as pessoas têm um nível salarial maior. No Brasil, pesquisas mostraram que essa taxa de retorno pode variar entre 12,5% e 15% todos os anos.
“Toda vez que nasce uma criança, acende-se uma luz. A sociedade tem que verificar se essa criança está tendo condições boas de desenvolvimento, se está em um ambiente saudável. Se não fizer isso, vai perdendo essas crianças ao longo do tempo. Não perdendo por mortalidade, mas porque elas vão ficando para trás” Naercio Menezes Filho, diretor do Cpapi, professor titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper e professor na FEA-USP, em entrevista ao Nexo Políticas Públicas
A agenda da primeira infância é relevante em todos os lugares, mas, no Brasil, fica mais importante no contexto da desigualdade social, segundo Filho. As crianças mais pobres têm mais dificuldade para se desenvolver, devido a problemas como moradia precária, falta de acesso a saneamento básico, à educação e à internet, por exemplo.
O professor considera que o país deve investir mais em políticas públicas para a área, pois, apesar de os esforços para a primeira infância terem melhorado nos últimos anos, eles ainda estão localizados em alguns estados e municípios. “A primeira infância tem que estar no centro das políticas públicas”, disse. “É um absurdo termos crianças nascendo e vivendo na pobreza.”