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Nexo Jornal

O nióbio no Brasil. E o interesse de Bolsonaro pela mineração

Publicado em 01 julho 2019

Antes de participar de fórum com líderes mais influentes do mundo, presidente gravou vídeo para divulgar bijuteria comprada no Japão feita com o metal explorado em Minas Gerais e Goiás

O presidente Jair Bolsonaro aproveitou sua viagem a Osaka, no Japão, onde participou da cúpula de líderes do G20, para mostrar bijuterias feitas de nióbio compradas por sua equipe no país asiático. O encontro entre os chefes de estado das nações economicamente mais influentes no mundo foi realizado em 28 e 29 de junho de 2019.

A fala do presidente sobre o nióbio foi feita numa transmissão ao vivo pelo Facebook, no dia anterior ao início do evento. Na ocasião, ele apresentou os seguintes itens, totalizando quase R$ 5.556:

Sua intenção foi falar sobre as possibilidades do uso do metal, do qual o Brasil é o maior produtor mundial, e defender a criação de um “Vale do Nióbio” no país. Bolsonaro defende desde as eleições de 2018 o produto como uma fonte de dividendos para o governo.

Em seu plano de governo apresentado ao Tribunal Superior Eleitoral, há menção ao tema: “O Brasil deverá ser um centro mundial de pesquisa e desenvolvimento em grafeno e nióbio, gerando novas aplicações e produtos”. O documento não detalha como isso seria feito.

Segundo o presidente, a vantagem de usar nióbio em bijuterias, como brincos, reside no fato de o material não causar alergias, como acontece com o ouro. Médicos, porém, contradizem essa idéia. “O ouro, se não tiver a presença do níquel, não vai dar alergia”, disse a médica alergista Ariana Yang, ao programa Bem-Estar, da TV Globo, em 2014. Brincos de ouro, portanto, só causam reações alérgicas se não forem puros.

Especialistas ligados à indústria da mineração afirmaram também, ao portal UOL, em junho de 2019, que é “incomum” que o nióbio seja usado em bijuterias. Cerca de 90% do que é produzido vai para a indústria siderúrgica.

O nióbio é comumente usado na produção de ligas de aço, por dar maior resistência ao produto. É empregado, principalmente, nas indústrias automobilística e aeronáutica. Também aparece em mísseis, foguetes e reatores nucleares. Sua utilização, contudo, é variada:

82% do nióbio vendido no mundo saem de duas minas brasileiras, segundo a Agência Nacional de Mineração

842,4 milhões de toneladas é o tamanho das reservas brasileiras, de acordo com a agência do governo federal

120 mil toneladas é a quantidade de nióbio produzida por ano no país, segundo o governo

Araxá

É na cidade mineira que está a maior jazida de nióbio em operação no mundo. Ela concentra 75% do total das reservas brasileiras. Descoberta em 1946, foi inaugurada em 1955, e é operada pela CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração), controlada pela família Moreira Salles, acionista do maior banco privado do país, o Itaú Unibanco. Em 2011, a mineradora vendeu 15% do negócio a um grupo chinês e outros 15% a um consórcio nipo-sul-coreano. A CBMM produz em média 90 mil toneladas do produto por ano e repassa 25% do lucro líquido para a Codemig (Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais), estatal que arrenda a área. O contrato vai até 2032.

Catalão

A cidade goiana responde por 4% das reservas brasileiras. A produção de, em média, 9.000 toneladas por ano, é controlada pela chinesa CMOC International Brasil, subsidiária da mineradora China Molybdenum. A empresa assumiu todo o negócio em 2016 após pagar US$ 1,5 bilhão ao grupo Anglo American. Em 2018, ainda candidato, Bolsonaro se referiu à cidade: “Estamos entregando a mina de nióbio ao chinês”. Em fevereiro daquele ano, em viagem à cidade japonesa de Hamamatsu, que tem a maior concentração de brasileiros naquele país, prometeu trabalhar em parceria com o Japão para explorar o nióbio.

Amazônia

A região responde por 21% das reservas brasileiras, mas em depósitos não comerciais. O metal é encontrado em Seis Lagos (AM), próximo ao Pico da Neblina, e Pitinga, no mesmo estado. O nióbio também está presente em Rondônia.

Inicialmente, o material era exportado pelo Brasil como concentrado. Com o tempo, passou a ser vendido na forma de ferronióbio, que garante a entrada anual de cerca de US$ 300 milhões em divisas. Para se ter uma ideia, o minério de ferro representou, apenas nos quatro primeiros meses de 2019, 7,9% de toda a exportação brasileira, com receita de US$ 5,7 bilhões.

O ferronióbio é uma liga metálica composta por 65% de nióbio e 35% de ferro. Quase a totalidade de todo o nióbio produzido no país (90%) vira ferronióbio. O restante tem aplicações especiais.

O ferronióbio é acrescentado ao aço, em quantidades pequenas. A adição de apenas 0,05% torna o aço mais resistente, sem reduzir sua capacidade de se deformar plasticamente.

O mercado de nióbio é muito limitado. Embora existam cerca de 85 depósitos conhecidos no mundo, poucos são explorados por causa do alto custo da atividade. Há produção no Canadá e na Austrália.

Segundo dados da ANM (Agência Nacional de Mineração), o produto representou apenas 0,7% de todas os metais comercializados pelo Brasil em 2017. Em relação às exportações, o metal também representa muito pouco: apenas 4,2% do total de substâncias metálicas vendidas. É o quinto produto de uma relação de 11 negociados. Os principais compradores são China, Estados Unidos, Holanda e Japão.

Seu preço varia com o mercado. Nos últimos 11 anos, porém, o aumento em seu valor acompanhou apenas a inflação do dólar no período. Em 2008, um quilo custava US$ 32, segundo a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais. Em 2019, a mesma quantidade custa US$ 40. Em comparação, o quilo do minério de ferro vale US$ 0,09 e uma onça de ouro (31,1 gramas) é negociada a US$ 1.300.

“Embora o Brasil tenha uma elevada participação de mercado, os produtores canadenses e os substitutos próximos do nióbio, como o manganês e o tântalo, impõem ao Brasil um limite à prática de poder de mercado”, escreve Jáilison Weilly Silveira, em sua dissertação de mestrado em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, “Competição no Mercado Internacional de Nióbio: Um Estudo Econométrico”, defendida em 2013.

Caso haja aumento de preços, os compradores podem buscar alternativas, já que a função do nióbio pode ser desempenhada também por materiais como vanádio e titânio.

“O nióbio tem inúmeras aplicações, mas, infelizmente, para qualquer uma delas a demanda é muito limitada”, disse o físico Rogério Cezar Cerqueira Leite, professor emérito da Unicamp, à revista Pesquisa Fapesp, em março de 2019. Segundo ele, “não há riqueza se não há mercado”. “O nióbio talvez seja o exemplo clássico dessa contingência. O ouro tem o preço alto porque há demanda”, afirmou à publicação.

O presidente já declarou em entrevistas ter exercido nos anos 1980 a atividade de extração de minerais. “O garimpo, de vez em quando, eu pratico ainda. Não causo nenhum crime ao meio ambiente. O garimpo é um negócio que está no sangue das pessoas", afirmou ao jornal Folha de S.Paulo em 2017, quando ainda era deputado federal.

Para garimpar, porém, é necessário ter autorização do governo federal. Na época da reportagem, o jornal consultou o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), posteriormente transformado em ANM (Agência Nacional de Mineração), que informou que Bolsonaro não constava da relação de 2.955 pessoas e cooperativas com autorização para lavra garimpeira no Brasil.

Seu pai, Percy Geraldo Bolsonaro, que foi dentista protético sem diploma no interior de São Paulo, atuou como garimpeiro em Serra Pelada, no sudeste do Pará. Bolsonaro já foi à região garimpar. Ele contou sobre seu pai num vídeo divulgado em 2018, em que defende melhorias nas condições de trabalho dos garimpeiros.

Durante a campanha para a Presidência, em 2018, o então candidato do PSL prometeu ainda que iria permitir que quilombolas garimpassem em terras demarcadas. “No meu governo, o progresso vai entrar nas terras indígenas, como vai entrar nos quilombolas também. O quilombola que quiser garimpar na sua terra, vai garimpar. Se quiser vender sua terra, vai vender também. O que a comunidade indígena quer é se integrar cada vez mais à nossa sociedade”, afirmou na época.

Ao defender o nióbio, Bolsonaro resgatou uma bandeira de Enéas Carneiro (1938-2007), deputado que disputou três eleições presidenciais (1989, 1994 e 1998) e que representava o conservadorismo nacionalista no país. O presidente sempre se disse admirador do político e chegou a propor que ele fosse incluído no Livro dos Heróis da Pátria.

Enéas dizia que o Brasil era um dos países mais ricos do mundo devido à presença do nióbio em seu território e lamentava que o metal fosse vendido “a preço de banana”. Em 2016, em discurso na Câmara, Bolsonaro lembrou de Enéas e acusou o PT e o MDB de vender as jazidas de nióbio para a China. “Isso é um crime de lesa-pátria”, afirmou.

Em 2017, o pesquisador Leandro Tessler, do Instituto de Física da Unicamp, chamou de “delírios nacionalistas” discursos como o de Bolsonaro e Enéas, em entrevista ao jornal Gazeta do Povo. Segundo ele, o Brasil não tem “cacife” para adotar uma política protecionista para elevar o preciso de nióbio. “E tem outro problema no Brasil: o país não tem tecnologia para aproveitar o nióbio. Não tem fábricas de supercondutores no Brasil, por exemplo”, afirmou.