Henrique Toma, do Instituto de Química/USP, que lançou um livro sobre nanotecnologia para o público geral, fala à 'Agência Fapesp' sobre os caminhos dessa nova fronteira científica tanto no Brasil como no exterior Eduardo Geraque escreve para a 'Agência Fapesp':
'Ao entrar nesse mundo, você irá perceber que as máquinas mais evoluídas vão se tornar tão pequenas quanto as moléculas e a eletrônica será transportada para um dimensão mil vezes menor que a atual'.
O texto é de O mundo nanométrico: a dimensão do novo século (Oficina de Textos), de Henrique Toma, professor titular do Instituto de Química da Universidade de SP. Livro lançado, segundo contou o autor em entrevista à Agência Fapesp, para tentar explicar ao jovem e à sociedade em geral o que é a nanotecnologia.
Toma tem posições bem definidas sobre os desafios que essa nova fronteira do conhecimento precisa enfrentar. Desafios que estão em todos os campos, inclusive no político e no social, afirma.
Para o pesquisador, nas próximas quatro décadas a ciência deverá se aproximar cada vez mais da vida. Ao entender como as moléculas se comportam, os cientistas poderão controlar melhor esses processos e desenvolver uma série de novos sistemas.
Como roupas inteligentes, por exemplo, que poderão salvar a vida de um soldado que esteja sofrendo um ataque biológico. A saúde também será beneficiada. Mas tudo isso ocorrerá no Brasil, segundo Toma, desde que a nanotecnologia entre também na lista de prioridades das instituições responsáveis pelo investimento em ciência e tecnologia.
Qual é o objetivo do livro que o sr. acaba de lançar?
Henrique Toma - Ele vem ao encontro do que estamos fazendo aqui no Instituto de Química da USP. Está claro - e isso agora não é mais novidade para ninguém - que a nanotecnologia representa a última grande evolução na área tecnológica. Quando alguém vê um computador Pentium 4, com seus 32 milhões de transistores, acha maravilhoso. Há algumas décadas, seria necessário uma cidade de 100 quilômetros quadrados para caber 32 milhões de válvulas em conjunto, que, claro, não iriam funcionar como um chip que cabe na palma da mão. No Pentium 4 são usados 9 milhões de átomos apenas para dizer sim ou não. As pessoas acham que reduzir ainda mais do que isso é um sonho, mas não é. Uma prova é o nosso cérebro, que é um computador feito de moléculas.
Quer dizer que na área da química relacionada com a nanotecnologia o objetivo é trazer as moléculas para as máquinas?
As informações, dentro de nós, estão gravadas em escala molecular. O cérebro, fundamentalmente, processa 10 elevado a potência 17 de informações por segundo. E um tipo de computação diferente da existente nas máquinas. Ela é até mais lenta, porque faz um cálculo por vez, mas, em compensação, é muito mais complexa, por ser feita em rede. Funciona como se fossem bilhões de computadores simultâneos. É possível fazer computação com moléculas? Claro que é. As células são fabriquetas. A vida é o melhor modelo para a nanotecnologia. Por isso que aqueles que trabalham mais na área molecular, como é o meu caso, colocam a vida com modelo, como paradigma. E o progresso, nesse sentido, tem sido grande.
Onde o avanço tem sido mais significativo?
Temos alguns bons exemplos. No campo da energia, estão sendo usados filmes formados por moléculas de clorofila para movimentar pequenas máquinas com energia solar. Tenho um aluno que não usa mais bateria para fazer funcionar a calculadora dele. Isso é nanotecnologia. Não é ficção. A fotossíntese sempre existiu e é a energia mais importante do universo. Tudo vem do Sol, que é a fonte mais importante de energia do planeta. Outra área importante é a de materiais. Hoje em dia existem garrafas que, em vez de armazenar por dois dias um tipo de leite, o fazem por quase três meses. O que eles estão fazendo é usar revestimentos de nanopartículas na garrafa. A porosidade do frasco fica menor e com isso existe menos contato com o ar. A camada ínfima de nanopartícula cria um emaranhado tão complexo que uma bolinha de ar não consegue atravessar, ela acaba ficando presa. Também temos boas novidades em fármacos. Com a nanotecnologia é possível acoplar medicamentos a uma nanocápsula, que pode ser dirigida por ter propriedades magnéticas. O medicamento se torna quase um veículo e você pode, com isso, proteger as demais regiões do corpo.
Há novidades também na indústria de cosméticos, não é?
Hoje existem protetores solares feitos a partir de técnicas de nanotecnologia. Você não consegue enxergar o mundo nanométrico porque ele é menor do que o comprimento de luz visível. Então, qual é a vantagem nesse caso? O protetor solar fica invisível. Você passa e ninguém percebe. Além disso, esses produtos não serão mais apenas filtros. A indústria está incorporando, por exemplo, partículas de vitamina E nos protetores para dar novas propriedades à pele. Isso evita a formação de rugas. Esses produtos estão no mercado, mas as empresas não os divulgam para não sofrerem com as ONGs, que poderiam dizer 'não usem o produto, ele tem tecnologia nano'.
A nanotecnologia, pelo que o sr. está dizendo, irá mudar totalmente a vida no futuro?
Ela já está mudando, mas não vai provocar uma grande ruptura. A humanidade nem vai perceber. Simplesmente vai acontecer. Quanto mais a tecnologia avança, menos ela se torna perceptível. Quanto mais sofisticado um equipamento ou tecnologia, menos o cidadão sabe a respeito, ele precisa apenas apertar um botão. Mas para quem pretende construir o equipamento - e isso vale para os empresários também - é preciso entender e mesmo controlar esses limites do conhecimento. Estamos diante de um paradoxo: a sociedade não vai mais entender o que é ciência, o que é tecnologia, e, com isso, ficará ao sabor das ameaças. E quando ocorre alguma coisa com a tecnologia que não é favorável, aquilo vira regra. Isso é muito ruim.
A pressão contra a nanotecnologia é grande?
Ela está crescendo, chegando à dimensão que se vê com os transgênicos. É lógico que todo mundo especula. Quando você lança uma idéia, sempre tem alguém que trabalha em uma linha contrária. Como o cidadão percebe cada vez menos o que é a nanotecnologia, o medo dele diante dessa incapacidade cresce. Existe uma neurose muito grande que se forma a partir dessa ignorância. É nesse caminho que a educação científica precisa evoluir bastante. E isso falta também na universidade. Os alunos saem sem uma idéia clara do que é nanotecnologia. Ao não aprender, o desinteresse pelo tema também aumenta.
Em termos nacionais, essa visão sobre a nanotecnologia existe? Estão sendo feitos investimentos importantes no setor?
Em 1992 foi lançado, nos moldes norte-americanos, uma iniciativa para a área nano, mas com recursos de apenas R$ 3 milhões. Tudo bem, foram criadas quatro redes nacionais e os cientistas nacionais se aglutinaram ao redor de um tema. Participaram mais de 300 pesquisadores com doutorado e aproximadamente 600 alunos. Esses números são irrelevantes em termos internacionais, mas significativos para o cenário brasileiro. A iniciativa foi muito bem-vinda. O problema é que o Brasil é pobre. Essas atitudes não chegaram a alavancar a nanotecnologia. O governo ainda está discutindo as estratégias para se implantar uma política nano. O Brasil não embarcou na onda da microtecnologia. países como a Coréia do Sul, por exemplo, pensaram diferente e se tornaram um dos tigres asiáticos. Eles tiveram um planejamento. No Brasil, com a nanotecnologia, a coisa está difícil de deslanchar. O governo parece que está acordando agora. Investir em nanotecnologia tem sentido estratégico. O bonde está andando e ainda não perdemos totalmente ele. O Brasil, desde o ano passado, não é mais citado entre os países que investem em nanotecnologia pelos relatórios internacionais. Isso é terrível. Se o país não investe, nenhuma empresa internacional vai querer vir para cá.
Como podemos imaginar o mundo em 2050? O que diria um historiador da ciência do próximo milênio, quando estudasse essas próximas cinco décadas?
Em 2050, a nanotecnologia estará muito próxima do que é a vida. O material evoluirá até o momento em que chegará ao limite biológico. Nós somos um monte de máquinas com todo um processo de transmissão de informações. Tenho certeza de que, no futuro, o conceito de material mudará muito. Computadores, por exemplo, serão um filme. As informações do mundo estarão em um cartãozinho. A Era do Ciborgue, talvez, não esteja tão longe assim. Essa direção da nano, de se aproximar da vida, é bom. Você não está indo no sentido de se produzir materiais antinaturais. Você se aproxima dos sistemas naturais. Isso é bom, muito bom. A nanociência é uma nova forma de se ver o mundo. Nano é real, não é ficção.
(Agência Fapesp, 5/10)
JC e-mail 2641, de 05 de Novembro de 2004
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