Notícia

Jornal da Tarde

O Mercosul como projeto (1 notícias)

Publicado em 26 de julho de 2002

Por Por Marco Aurélio Nogueira
Os presidentes do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, mais os do Chile, México e Bolívia, reuniram-se no início de julho, em Buenos Aires, com o objetivo de dar novo alento ao Mercosul. Do encontro, saíram muitas interrogações e poucas novidades. O pacto de integração sobreviverá às turbulências e instabilidades com que convivem os países nele diretamente envolvidos? Terá como se converter, em prazo razoável, numa alavanca para o desenvolvimento do Cone Sul e a organização de uma efetiva integração dos países americanos? O Mercosul nasceu como operação diplomática fortemente concentrada no plano comercial. Hoje, onze anos depois do Tratado de Assunção (1991), o acordo de integração encontra-se malparado. Não se sabe se avançará para o estágio de união aduaneira e, depois, de mercado comum, ou se permanecerá na condição de acordo de livre comércio, impotente para vincular os parceiros. Paradoxalmente, a globalização empurra os países para a cooperação, ainda que faça isso acirrando a competição e as contradições entre as economias nacionais. A integração regional já não está mais num horizonte de "possibilidades" e aspirações abstratas, mas tornou-se uma imposição da realidade, uma necessidade prática. A integração latino-americana não progredirá se permanecer amarrada à iniciativa dos governos centrais, sem participação ativa de outros níveis de governo, das forças políticas e da sociedade civil. Consultando-se as conclusões parciais da pesquisa "Gestão Pública Estratégica de Governos Subnacionais frente à Integração Latino-americana", financiada pela FAPESP e desenvolvida por investigadores do CEDEC, da PUC-SP, da UNESP e da FGV, sob a coordenação do professor Tullo Vigevani, pode-se ver que as unidades federativas brasileiras (estados e municípios) não têm sido protagonistas particularmente destacados da estrutura institucional do Mercosul. As decisões continuam restritas aos membros da burocracia federal, da diplomacia ou de áreas técnicas, com nítido predomínio do setor econômico. Trata-se de algo paradoxal. Afinal, o Mercosul já é uma experiência importante para a economia de diversos estados brasileiros, particularmente no sul do país. Absorve, por exemplo, quase 1/3 das exportações de São Paulo, concentradas em segmentos de manufatura com amplos efeitos multiplicadores sobre a economia paulista. Não pode ter sua importância minimizada para as economias regionais e o desempenho dos governos subnacionais. Hoje, a União prevalece mais formal que efetivamente, e cada esfera político-administrativa tem sua própria linha de ação no que se refere ao Mercosul, que fica assim desprovido de um eixo orgânico de orientação. Pode-se dizer o mesmo da sociedade civil, que praticamente não se envolve com a questão, ou se envolve apenas de modo tópico e inconstante. Ainda que tenha crescido bastante a participação de pessoas, grupos e organizações, há uma ausência de sujeitos ativos na construção deste projeto. Ele avança mais ao sabor dos ventos que impelido por atores capazes de direcionar e organizar. A própria discussão a respeito de seus méritos, de seu significado e de suas dificuldades é rarefeita e não fornece os parâmetros e insumos necessários para legitimá-lo plenamente. A ausência de sujeitos ativos combina-se com uma certa indiferença social, que relega o bloco a uma posição secundária, pouco conhecida e pouco valorizada. A maturação do Mercosul só ocorrerá no longo prazo, movida a paciência, diálogo e determinação política. Afinal, a integração mexe com fortes interesses constituídos e esbarra em práticas estabelecidas, rotinas enraizadas e disputas históricas. Nos últimos anos, tem-se andado em círculos. Em vez de medidas consistentes e avanços efetivos, há apenas um Mercosul retórico, composto por discursos generosos que não se convertem em realidade. As sociedades que dele participam não conseguem lhe dar sustentação e os governos envolvidos vêem-se às voltas com problemas de agenda, gestão e governabilidade tão intensos que muitas vezes agem em sentido inverso ao que dizem desejar e acabam por travar a evolução do Mercosul. Se tudo isso é minimamente verdadeiro, não deixa de surpreender que os candidatos às próximas eleições, no Brasil, falem tão pouco a respeito do assunto. O Mercosul é um importante item da agenda nacional, destes que os estadistas costumam considerar como revestidos de particular relevância estratégica. Até agora, porém, temos ouvido apenas manifestações protocolares. Ao fundo, um silêncio constrangedor. Marco Aurélio Nogueira é professor de Teoria Política na Unesp, Campus de Araraquara E-mail: m.a.nogueira@globo.com