O final das negociações de um convênio entre Brasil e Argentina colocará em breve os cientistas dos dois países no maior projeto astronômico já realizado no mundo. Através do Long Latin American Millimeter Array (Llama), os radioastrônomos poderão trabalhar em interferometria, ou observações simultâneas, com o Atacama Large Millimetric Array (Alma), um conjunto fenomenal de 66 antenas que será inaugurado oficialmente no dia 13 de março no Chile e que representa o que existe de mais avançado na astronomia mundial.
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e o Ministério de Ciência e Tecnologia da Argentina já aprovaram o Llama, segundo o professor Jacques Lepini, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. Coordenador do projeto, Lepini afirma que estão sendo finalizados “os termos para equilibrar despesas dos parceiros, igualdade de direitos de uso e forma de administração”.
A partir do acordo, será possível iniciar a instalação da antena no lado argentino do deserto do Atacama. O equipamento fará interferometria com alguns dos principais observatórios do Chile, entre eles o Alma e o Atacama Pathfinder Experiment Telescope (Apex), ambos do Observatório Europeu Austral (ESO, na sigla em inglês).
Nesses avançados centros de observação – e isso incluirá o Llama num futuro próximo – é possível estudar quase todas as áreas da astronomia, desde o sol ao nascimento e evolução dos planetas, das estrelas e galáxias distantes. Para citar um exemplo, o Alma estreou 2013 com um importante artigo científico na revista Nature, mostrando sua imponência. O equipamento já permitiu, entre outras coisas, observar pela primeira vez uma etapa crucial do nascimento de planetas gigantes.
Novo patamar – Porém, o acesso à quintessência da astronomia é reservado a um seleto grupo. Para garantir horas de observação nos instrumentos do ESO e fazer pesquisa de impacto nos próximos anos, o Brasil ainda precisa ratificar o acordo assinado em 2010 pelo então ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, Sérgio Rezende, e pelo diretor geral do ESO, Tim de Zeeuw, para a entrada do Brasil na entidade.
Embora no site do ESO já conste a bandeira do Brasil e o País seja citado como o 15º membro e primeiro integrante latino-americano da entidade, o texto ainda precisa de aprovação no Congresso Nacional. “O Acordo de Adesão do Brasil ao ESO, assinado em 29 de dezembro de 2010, foi enviado pelo MCTI e pelo Ministério de Relações Exteriores à Casa Civil, onde se encontra sob análise, com vistas a possível encaminhamento ao Congresso Nacional”, informou em nota a assessoria de imprensa do MCTI.
“Uma vantagem óbvia da adesão do Brasil é garantir aos nossos cientistas tempo de observação nos instrumentos do ESO. Representará uma mudança de patamar na astronomia brasileira e possibilitará uma oportunidade única para a indústria e o desenvolvimento tecnológico nacional”, avalia a professora Beatriz Barbuy, do IAG.
Eleita a mulher da ciência da América Latina com o Prêmio L’Oréal-Unesco 2009, em meio a cálculos astronômicos e atividades docentes Barbuy vem se destacando também como uma das cientistas mais atuantes para a entrada do Brasil no ESO. “Se não aderirmos, nossa pesquisa astronômica pode ficar aquém do desejável por muito tempo, talvez para sempre”, afirma. A entrada do Brasil no ESO implicará, ao longo de dez anos, investimentos da ordem de 256,32 milhões de euros. Há estimativas de que 75% poderão retornar ao País através de contratos e serviços.
A contribuição anual ao ESO é calculada em função do Produto Interno Bruto (PIB). Estima-se que, depois de 2020, o Brasil deverá contribuir com 22 milhões de euros por ano, assumindo um crescimento anual do PIB de 4%.
Interferometria – A primeira antena prevista para o Llama ficará na região da província de Salta, a cerca de 100 quilômetros do planalto de Chajnantor, onde se situam as instalações do Alma e do radiotelescópio Apex, ambos do ESO.
Inicialmente o Llama contará com uma antena de 12 metros de diâmetro, igual às do Alma. Seu orçamento de 12 milhões de euros será dividido igualmente entre Brasil e Argentina, cabendo aos argentinos a parte de instalações, infraestrutura local e logística. O custo operacional anual previsto de US$ 1 milhão também será dividido igualmente, observa Lepini, do IAG.
As observações em Very Long Baseline Interferometry (VLBI) permitirão interferometria com diversos radiotelescópios. A técnica permite sobrepor duas ou mais ondas. Os equipamentos são apontados para o mesmo objeto no espaço precisamente ao mesmo tempo. A informação é gravada por computador e os sinais são comparados, de forma a estudar “franjas” de interferência, ou diferenças de oscilação. “Assim é possível construir uma imagem com uma resolução angular muito boa e inferir mais precisamente a composição do objeto observado”, afirma o professor.
O Llama representa um passo à frente no futuro do Alma, justamente porque o crescimento natural do grande observatório chileno será colocar antenas a distâncias maiores, de forma a que os países trabalhem em consórcio internacional. Outras informações podem ser conferidas no site http://www.astro.iag.usp.br/~nara/.
Alma terá 66 antenas
Avaliado em US$ 1,5 bilhão, o Alma é uma colaboração entre o ESO, os Estados Unidos e o Japão, em cooperação com o Chile. O maior e mais caro observatório astronômico em terra consiste em um conjunto de 66 antenas de 7 metros a 12 metros de diâmetro, espalhadas numa extensão de 16 quilômetros.
Localizado no planalto de Chajnantor, próximo a San Pedro de Atacama, nos Andes chilenos, a uma altura de 5.100 metros, o Alma observará ondas de rádio em frequência milimétrica e submilimétrica, no espectro eletromagnético que vai de ondas rádio até a faixa infravermelha. A radiação milimétrica e submilimétrica permite observar o enigmático universo frio, das mais longínquas galáxias. Como o sinal vindo do espaço é fortemente absorvido pelo vapor de água da atmosfera terrestre, os equipamentos usados nesse tipo de astronomia devem ser construídos em locais altos e secos, e o Chile é um privilegiado nesse quesito.
O Alma suplantará todos os equipamentos existentes e os já planejados em outros locais do planeta, exceto o Telescópio Europeu Extremamente Grande (E-ELT), financiado também pelo ESO e que a partir de 2020 passará a ser o maior olho da Terra.
O próprio E-ELT é outro fator de peso para a adesão do Brasil ao ESO. Instalado em Cerro Amazones, no Chile, será composto de um mosaico de 800 espelhos que conjuntamente formam uma área coletora gigante de 39,3 metros de diâmetro. A estrutura, orçada em 1 bilhão de euros, com diâmetro de 100 metros e altura de 80 metros, corresponderá a um campo de futebol.