Notícia

Leite & Derivados

O maior consumidor do país (1 notícias)

Publicado em 01 de maio de 2009

Por Rodrigo Zevzikovas

Na quinta matéria da série de reportagens Rotas do Brasil, a Leite & Derivados mostra o cenário dos produtos lácteos em São Paulo, sexto maior produtor nacional de leite e principal consumidor do Brasil.

O Estado de São Paulo tem a maior população do Brasil, com mais de 40 milhões de pessoas. Considerado o "motor econômico" do País, São Paulo é responsável por mais de 31% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. A população é a mais diversificada possível, descendente principalmente de imigrantes italianos e portugueses, embora haja também forte influência de ameríndios e africanos e de outras grandes correntes migratórias, como árabes, alemães, espanhóis e japoneses. Detém ainda o maior registro de imigrantes, quase 3 milhões de 70 diferentes nacionalidades. Esses dados todos explicam a primeira colocação de São Paulo também em consumo de leite e derivados. Estima-se que os paulistas sejam responsáveis por cerca de 40% a 45% do consumo nacional. Além disso, o Estado realiza a maior distribuição de leite em programas sociais, o equivalente a um milhão de litros de leite fluido diariamente.

Assim, São Paulo é um grande importador de produtos lácteos de outras regiões brasileiras. Cristiane Turco, analista da Scot Consultoria, acredita que a importância do Estado está bastante relacionada ao escoamento dos produtos lácteos. "O número, por si só, já é considerável, mas sabendo que mais de 95% do leite produzido no Brasil fica no mercado interno, a importância de São Paulo como um Estado consumidor de lácteos fica ainda maior. Por esse motivo, ele continuará sendo referência para o mercado de leite."

Jorge Rubez, presidente da Câmara Setorial de Leite e Derivados do Estado - uma das 28 que funcionam no âmbito da Secretaria da Agricultura - , vai além. "São Paulo é o maior consumidor de leite da América Latina. Isso é tão importante quanto produzir leite."

Apesar de ser o maior consumidor do País, os dados referentes à produção em São Paulo não são tão positivos. O setor leiteiro paulista enfrentou uma crise no final da década de 90, quando passou por importantes transformações e deixou de ser o segundo maior produtor do Brasil. Para Cristiane, o custo de produção mais alto e a disputa com outras atividades mais remuneradoras, como cana-de-açúcar, foram os principais motivos que desestimularam os produtores do Estado. "Sem contar que o leite paulista sofreu forte concorrência do de outros Estados, com preços mais baixos."

De acordo com Carlos Humberto Mendes de Carvalho, presidente do Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados no Estado de São Paulo (Sindleite), o problema vai além: "Primeiro, o governo deixou de dar incentivo e os outros Estados investiram muito em benefícios fiscais. Com isso, grandes empresas migraram e São Paulo virou um grande canavial, porque aqui nós temos custos mais elevados, como preço da terra e da mão de obra. Assim, não vale a pena ter indústrias aqui".

As expressivas reduções da produção nas regiões leiteiras tradicionais do Estado não foram compensadas pelo crescimento nas novas bacias leiteiras, o que levou São Paulo a ocupar a sexta colocação no ranking dos principais Estados produtores de leite, com cerca de 6% do total. Segundo informações da captação no mercado formal em 2006, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é provável que Santa Catarina tenha ultrapassado São Paulo na classificação nacional entre os anos de 2006 e 2007. Sendo assim, os principais produtores são Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás e Santa Catarina. Juntos, os seis respondem por aproximadamente 72% da produção brasileira de leite.

A recuperação já começou

Apesar da acentuada queda nos últimos anos, o Estado de São Paulo já começa dar claros sinais de recuperação. Um dos motivos são as ações dos governos federal e estadual, como conta Jorge Rubez. "A Empraba (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) faz um programa muito interessante que ajuda o pequeno produtor, maioria no País. Isso poderia ser expandido." Ele conta que o governo estadual também começou a ajudar. "Agora, a Secretaria da Agricultura lançou um programa para o pequeno agricultor comprar materiais e é parceira no programa da Embrapa. A primeira coisa que precisa é o produtor querer."

Marcos Fava Neves, um dos coordenadores do estudo Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo, considera que o governo possui um papel fundamental no processo de expansão da atividade. "É ajudar a implementar as estratégias que foram sugeridas no trabalho de planejamento estratégico do setor."

Carvalho, do Sindleite, conta que a entidade também tem feito grandes campanhas junto ao governo estadual para incentivar a produção leiteira. "Os outros Estados começaram a dar incentivos e São Paulo nunca fazia nada. Hoje, o Estado já possui a produção incentivada e, se tiver crédito, podemos chegar até a implantação de novas indústrias, que poderiam produzir com leites daqui e até de fora. O próprio governo do Estado, com suas secretarias, percebeu que São Paulo, por ser um grande consumidor, é importador de leite e hoje está priorizando a produção no Estado." Ele garante que o resultado será perceptível em curto prazo. "Já estamos voltando a aumentar a produção. Jamais voltaremos a ser segundo produtor da nação, mas não vamos cair ainda mais. E também esperamos fazer um leite premium, com a melhor qualidade do País."

Para o presidente do Sindleite, muitas fazendas, que hoje são somente de cana-de-açúcar, podem chegar a ter algumas áreas destinadas à produção leiteira. "Mas isso depende de um incentivo econômico."

De acordo com recente estudo da Scot Consultoria, parte desse incentivo já aconteceu, pois o preço pago aos produtores de leite de São Paulo é cerca de 6% a 8% mais alto do que a média ponderada nacional. Atualmente, a diferença de preços é de 16%. Ainda, dentro do próprio Estado, os produtores que apresentam um leite de melhor qualidade recebem cerca de 10% acima da média.

O melhor pagamento é facilmente explicado. "Em São Paulo, um diferencial é justamente a qualidade do leite. Isso porque aqueles que permaneceram na atividade, na maioria das vezes, são produtores mais tecnificados, com produção mais constante ao longo do ano e de melhor qualidade. Esse leite garante um pagamento mais alto pelo litro de leite e torna a pecuária leiteira mais competitiva em relação às outras atividades", aponta Cristiane, da Scot Consultoria.

O presidente da Câmara Setorial de Leite e Derivados do Estado concorda: "São Paulo tem o melhor leite, pois é onde está o maior número de fazendas de leite A e B. Todas estão no Estado, com exceção das de Guaxupé (MG), são ilhas de excelência que servem para outros modelos. São Paulo é o Estado que mais paga para o consumidor, por isso a qualidade é tão alta e também o transporte é tão bem-feito", justifica.

Rubez lembra ainda que, como a indústria recebeu benefícios fiscais nunca antes vistos, agora, o único empecilho da iniciativa privada é o grande varejo. "Nós já tentamos um acordo com eles, mas não houve acerto. Eles têm lucros muito maiores que o resto da cadeia. Nessa crise, todo mundo perde, menos o supermercado, porque não abre mão da sua margem de lucro."

Fava Neves acredita que a iniciativa privada também possui um papel muito importante em todo esse cenário. "Considero São Paulo extremamente relevante. O leite ajuda a diversificar a atividade econômica do Estado e pode ser plenamente competitivo em muitas regiões. São Paulo tem um papel fundamental na geração de produtos de alto valor agregado, com identificação de origem das bacias leiteiras. O leite paulista possui qualidade e tem aumentado a produtividade em algumas regiões, com uso de tecnologia. O setor privado tem feito um papel na renovação de unidades industriais, lançamento de produtos, entre outros."

Para Carvalho, apesar de muitas empresas terem saído de São Paulo para produzir em outros Estados por conta de benefícios, elas permaneceram com sede aqui. "Agora, com os incentivos que o governo do Estado passou a dar, já é possível até aumentar a produção paulista."

O Planejamento e Gestão Estratégica do Sistema Agroindustrial do Leite no Estado de São Paulo indica que o produtor paulista tem condições de ser competitivo na produção leiteira. No entanto, o estudo alerta que, caso produtores e representantes do setor continuem acreditando que não há solução, é provável que a produção leiteira se reduza ainda mais, ficando, assim, em uma condição difícil. "Representantes da indústria enumeram as dificuldades do produtor de São Paulo em manter-se na atividade. Dentre elas, destacam-se a resistência em mudar a forma de encarar a produção e o conservadorismo do produtor." Outra dificuldade, relata o estudo, é o custo fixo, que é mais elevado em São Paulo. "Caso a indústria passe a enxergar a pecuária paulista como uma atividade sem futuro, como já vem dando mostras disso, é evidente que dará preferência ao leite produzido em outras regiões."

O estudo, realizado pelo Centro de Conhecimentos em Agronegócios (Pensa), ligado à Universidade de São Paulo (USP), indica que são grandes os programas destinados aos pequenos produtores com poucos recursos próprios para garantirem os ganhos necessários em profissionalização. "Geralmente, são empresários que dependem de mão de obra contratada para conduzirem a empresa e possuem outras fontes de renda. Embora esse modelo de administração seja muito criticado no meio técnico, tratam-se de unidades produtivas paulistas que também devem ser inseridas com a devida atenção, em um programa de melhoria da atividade."

A serviço da indústria

As indústrias laticinistas contam com um importante parceiro no desenvolvimento de novos produtos. O Centro de Tecnologia de Laticínios (Tecnolat), do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital) — órgão vinculado ao governo paulista —, realiza pesquisas e assistência tecnológica para o setor lácteo, na busca pela melhoria de seus produtos. Segundo Izildinha Moreno, diretora do Tecnolat, o centro tem atividades importantes para o desenvolvimento do setor, tais como pesquisa, desenvolvimento, inovação, assistência tecnológica e difusão do conhecimento técnico-científico. Dentre as principais pesquisas atuais, ela destaca o desenvolvimento de tecnologia de membranas (microfiltração e ultrafiltração); a elaboração de produtos lácteos, incluindo funcionais (prebióticos, probióticos e simbióticos) e com propriedades nutricionais particulares (diet, light, baixo teor de sódio); o desenvolvimento de tecnologia de microencapsulação de bactérias lácticas; e a obtenção de bioingredientes, como fermentos, bacteriocinas e enzimas de bactérias lácticas.

O Tecnolat conta atualmente com 12 pesquisadores com formação em engenharia de alimentos, agronomia, biologia, biotecnologia, nutrição, ciências farmacêuticas e economia. "Contamos também com a grande força de trabalho dos estagiários formados por técnicos, graduandos e graduados, pós-graduandos, recém-doutores e jovens pesquisadores", relata Izildinha. Muitos desses pesquisadores recebem bolsas de agências de fomento, como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ainda de acordo com a diretora do Tecnolat, muitas indústrias têm pedido pesquisas para o instituto.

Para se ter uma ideia da importância do centro para o incremento da atividade laticinista nacional, em 2008, recebeu 32 solicitações para pesquisa e desenvolvimento, 100 propostas para realização de análises (físico-químicas e microbiológicas), 52 pedidos de respostas técnicas e realizou 86 testes em plantas piloto, além de 6 cursos de difusão de conhecimento.

"Para aumentar a interação com o setor foi criado o Conselho Consultivo do TecnoLat, com a participação de importantes associações representativas dos vários segmentos", informa Izildinha.

Perfil do Estado

Em 2006, a Associação Leite Brasil divulgou um estudo denominado Mapa do Leite no Estado de São Paulo. À época do levantamento, o leite ocupava o quinto lugar em geração de renda na agropecuária paulista, atrás da cana-de-açúcar, carne bovina, laranja e carne de frango. O perfil do produtor paulista é de leite A, com a raça de gado predominante girolando (66,7% das propriedades, sendo que, nas 33,3% restantes, prevalecem animais de raças europeias).

Em 2005, o Estado de São Paulo tinha 31.209 produtores de leite, dos quais 26.142 (83,8%) forneciam para 109 empresas de laticínios sob inspeção federal e 5.067 (16,2%) a empresas sob inspeção estadual. No âmbito da inspeção federal, predominaram as empresas particulares que receberam 68,4% do leite entregue, ficando as cooperativas com 31,6%.

O estudo indica que o volume médio da produção de leite por produtor sob inspeção federal era de 129 litros/dia. Atinge apenas 51 litros na região de Presidente Prudente, 101 litros/dia no Vale do Paraíba e 164 litros/dia na região de São José do Rio Preto. O maior número de produtores estava localizado na região de Presidente Prudente (5.254), se(5.254), seguida por São José do Rio Preto (4.813) e pelo Vale do Paraíba (4.165). De acordo com o levantamento da Leite Brasil, outras importantes regiões em número de produtores são as de ltapetininga (3.207) e Araçatuba (2.003).

A Leite Brasil aponta ainda que o maior número de tanques coletivos estava localizado nas regiões do Vale do Paraíba (20,5%) e Presidente Prudente (19,1%). Em número de produtores, destacam-se as regiões de Presidente Prudente (34%) e São José do Rio Preto (22,6%). Quanto ao volume de leite que participa dos tanques coletivos, Presidente Prudente ocupava o primeiro lugar (26,5%), seguida por São José do Rio Preto (25,3%).

À época da pesquisa, dos produtores que entregavam leite para estabelecimentos com inspeção federal, 35,9% utilizavam tanques coletivos de resfriamento de leite. Eram 9.384 produtores ofertando 518 mil litros diários, resfriados em 605 tanques, representando 15,4% do total de leite recebido pela indústria sob inspeção federal e, aproximadamente, 23,6% do volume total resfriado no Estado sob inspeção federal.

As empresas de laticínios particulares eram responsáveis, segundo o levantamento, por 63,3% do volume, 68,5% do número de produtores e 49,3% do número de tanques coletivos. O tamanho médio da produção entregue nos tanques coletivos era de 55 litros diários, sendo de 51 litros diários nos laticínios particulares e de 64 litros diários nas cooperativas.