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Jornal da Ciência online

O impacto da covid-19 nas atividades de pesquisa nas ciências da vida (1 notícias)

Publicado em 02 de junho de 2020

Artigo de Mayara Mundim, pesquisadora do Departamento de Bioquímica da Escola Paulista de Medicina/Unifesp, e Marimelia Porcionatto, professora da Unifesp e secretária regional da SBPC-SP

Distanciamento social, isolamento voluntário, quarentena, trabalho remoto. Essas ações, que eram estranhas à maioria de nós, em um instante passaram a ser parte do cotidiano e os reflexos dessa mudança estão por toda parte. Inflexão de curva é pauta de jornais, a epidemiologia é um dos focos centrais de discussões pelas redes sociais e ciência ganhou um status de “carimbo da verdade”, em contraposição a “achismos”. O que pouco se discute, no entanto, é o impacto que as medidas de isolamento, fundamentais no controle da pandemia de COVID-19, tem nas atividades de pesquisa nas ciências da vida.

Interessadas em saber como as medidas de isolamento estão afetando o desenvolvimento de projetos de pesquisa que requerem trabalho presencial, por exemplo, em laboratório ou em campo, realizamos uma enquete piloto com cerca de 200 pesquisadores em vários níveis da carreira: pesquisadores principais (36%), pesquisadores em estágio de pós-doutorado (16%), estudantes de doutorado (28%), mestrado (12%) e iniciação científica (6%). A maioria dos que responderam à enquete estão em universidades ou instituições públicas, no nível estadual (37%) e federal (56%), e têm financiamento para projetos e bolsas de diferentes agências de fomento – CAPES, CNPq e fundações estaduais, como FAPESP, FAPERGS, FAPERO, entre outras (72%).

Perguntamos, inicialmente, se as medidas de contenção do espalhamento da COVID-19 prejudicaram o andamento de seus projetos e a maioria (90%) informou que sim, sendo a principal atividade afetada, o trabalho em laboratório (Gráfico 1). De nossa própria experiência, bem como dos relatos de nossos colegas, sabíamos que a maioria das instituições de ensino e pesquisa estava com laboratórios fechados ou abertos somente para experimentos essenciais desde a segunda quinzena de março de 2020. E foi o que observamos quando perguntamos qual a situação do laboratório onde os respondentes desenvolvem seus projetos. As respostas foram divididas entre “laboratório fechado com todas as atividades suspensas” (48%) e “laboratório funcionando para atividades essenciais que não podem ser suspensas” (45%). Cerca de 10% responderam que seus laboratórios estão abertos somente para atividades relacionadas à COVID-19. Quanto à frequência de idas ao laboratório para realizar experimentos, a maioria informou que não está indo (Gráfico 2).

Por não ter acesso aos laboratórios, 87% dos pesquisadores responderam que estão realizando atividades em trabalho remoto, sendo as principais: análise de dados (76%), preparação de manuscritos para publicação (79%), escrita de revisões (46%), preparação de propostas e projetos de pesquisa para submissão (48%), planejamento de experimentos para o retorno às atividades (50%) e trabalhos administrativos (43%).

Mais de 75% dos que responderam o questionário estavam realizando atividades práticas quando os laboratórios foram fechados. Embora se avalie que quase a metade (48%) dos experimentos pausados possam ser continuados, metade dos pesquisadores respondeu que, pelo menos parte dos experimentos não poderá ser retomada quando os laboratórios forem reabertos. Com relação à estimativa de “tempo perdido” pela paralização dos experimentos, a maioria acredita que tenha sofrido uma perda de 2-4 meses (Gráfico 3) e 41% avaliam que, ao término da quarentena, poderão retomar as atividades em 1-2 meses (Gráfico 4).

Alguns poucos pesquisadores (4%) consideraram poder estimar o valor aproximado gasto com os experimentos que tiveram que ser interrompidos, que incluem custos com manutenção de animais de experimentação, reagentes para cultura de células, entre outros. Raramente contabilizamos o investimento necessário para a realização de cada experimento ou projeto específico, e isto ficou evidente neste questionário. Outros transtornos decorrentes da quarentena incluem atraso de entrega de material de pesquisa (16%) e cancelamento de viagens destinadas a reuniões científicas e/ou visitas a colaboradores (53%).

De modo a manter as atividades dos grupos de pesquisa respeitando o distanciamento social, a maioria dos pesquisadores (70%) está participando de reuniões online com seu grupo. Além do trabalho remoto diretamente relacionado ao projeto, 51% dos pesquisadores responderam que estão realizando atividades que podem trazer benefícios à sua vida como pesquisador. Essas atividades incluem realização de cursos de análise de dados, estatística, idiomas, programação, capacitação em metodologias ativas e à distância e meditação, entre outros.

Nem todos os pesquisadores relataram estar trabalhando de suas casas (13%), com justificativas que incluem mudança de rotina doméstica (14%), e quadros depressivos e de ansiedade (12%). Quando perguntados sobre o quanto a pandemia impactou sua saúde mental, em uma escala de 0 a 10, a média obtida foi 6, sendo que 33% selecionaram pontos de 8-10 na escala indicada.

Apesar dos pontos negativos da pandemia e da quarentena, 47% dos pesquisadores avaliam que esse período trará benefícios em algum aspecto de suas vidas como pesquisadores, como autodisciplina, valorização do contato social e trabalho em grupo, adaptação a novas situações, e aproveitamento do tempo para escrever revisões e organizar dados que estavam pendentes de análise, além de reflexão sobre novos caminhos a seguir.

Quando perguntados se consideram que a pandemia de COVID-19 trará mais reconhecimento para a pesquisa científica e para os cientistas, 77% dos pesquisadores responderam “sim”. A maioria acredita que a atual visibilidade dos cientistas na mídia, considerados por muitos como a principal esperança para sairmos da pandemia, fará com que a população e os governantes deem mais crédito à pesquisa científica, com a esperança de que esse reconhecimento venha seguido de maior investimento na área, inclusive para a produção de insumos nacionais para a pesquisa. Importante ressaltar os comentários sobre a importância do reconhecimento para aproximação da ciência à sociedade. A divulgação científica para o público leigo deve ser constante, de forma a mostrar que ciência não é gasto, e sim investimento.

Esperamos que, a partir da experiência vivida neste momento de pandemia, sejam formuladas políticas públicas de manutenção da infraestrutura de pesquisa e formação de recursos humanos, com financiamentos constantes em todas as áreas. Outros eventos que afetam a sociedade e que precisem de uma ação rápida e conjunta dos cientistas, podem ocorrer no futuro. Sem infraestrutura de pesquisa não é possível dar respostas rápidas em situações emergenciais, como a que estamos vivendo agora. A necessidade de unir esforços para resolver um problema comum, de forma global e colaborativa, ficou evidente. A pandemia de COVID-19 obrigou o trabalho em rede, de forma remota e integrada, e provavelmente será um divisor de águas na maneira como se faz ciência.

Este foi um estudo piloto e está sendo ampliado para um número maior de pesquisadores, com representatividade em todos os estados brasileiros. Se quiser contribuir, respondendo o questionário voluntariamente, por favor acesse: https://pt.surveymonkey.com/r/C2GY2G2.

Veja aqui os gráficos.

Sobre as autoras:

Mayara Mundim é pós-doutoranda no Laboratório de Neurobiologia, Departamento de Bioquímica, Escola Paulista de Medicina – UNIFESP

Marimelia Porcionatto é professora associada livre docente do Departamento de Bioquímica, Escola Paulista de Medicina – UNIFESP, e secretária regional da SBPC-SP subárea I