No começo do ano, o professor Joaquim de Camargo Engler, 69, foi reconduzido pela sexta vez ao cargo de diretor administrativo da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Formado pela Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) e mais jovem diretor da instituição, eleito aos 40 anos, Engler comenta a responsabilidade de administrar uma fundação com orçamento que beira R$ 1 bilhão e conta os avanços das pesquisas científicas em vários setores.
E os desafios não param por aí: ele também integra a comissão de orçamento da USP desde 1983, que tem verba de quase R$ 4 bilhões. Confira os melhores trechos.
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Qual o sentimento de renovar o mandato na Fapesp por mais três anos?
É uma situação muito honrosa. A Fapesp é uma instituição excelente para se trabalhar, respeitada no Brasil e no exterior. Os funcionários se preocupam em manter a boa imagem, um bom atendimento a todos os que procuram, sejam estudantes ou professores.
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O senhor está lá há quantos anos?
Desde 1993. Completei 18 anos agora no dia 15 de fevereiro. São seis mandatos e a cada três anos há uma eleição pelo conselho. E é encaminhada ao governador uma lista tríplice.
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Então o senhor já é hexa na Fapesp?
E tem sido muito prazeroso. Difícil dizer porque fui eleito. É uma função de confiança do conselho superior, formado por 12 pessoas, liderado pelo governador. Seis são de escolha do governador e seis indicadas pelas instituições de ensino.
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Quais as atribuições de seu cargo?
É responsável por toda a administração da fundação, tanto na área interna quanto em relação aos pesquisadores. Temos toda a parte financeira da fundação, a parte contratual com os bolsistas e pesquisadores. Temos alguns serviços de apoio a pesquisadores, principalmente de importação. Em 2010 nós importamos mais de US$ 100 milhões em equipamentos para pesquisa. Foram 106 milhões, precisamente.
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Importa que tipo de material?
Todo e qualquer equipamento para pesquisa e reagentes. Esse é um dos pontos considerados nevrálgicos para a pesquisa no Brasil.
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Então o senhor é o ‘homem da grana’ da pesquisa?
Deixo a seu critério a definição. Nós temos um orçamento em 2011 de aproximadamente R$ 1 bilhão, são R$ 980 milhões. Eu participo tanto na Fapesp como na USP (Universidade de São Paulo) da parte orçamentária. Estou na comissão de orçamento da USP desde 1983. São 28 anos, dos quais os últimos 15 sou presidente. Lá administro um orçamento de quase R$ 4 bilhões, são R$ 3,9 bilhões.
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É uma quantidade de dinheiro que até espanta...
É um orçamento maior que o de muitas cidades paulistas. A Fapesp tem 1% de toda a receita tributária do Estado e a USP tem 5,02% da arrecadação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). São recursos vinculados e automaticamente transferidos. No caso da Fapesp, foi uma decisão constitucional.
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É o senhor quem escolhe as pesquisas que contarão com apoio financeiro?
Não, a decisão é baseada numa análise de mérito científico. A Fapesp tem um conjunto de assessores, atualmente são mais de 16 mil em todo o Estado.
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Senão seria muita responsabilidade só para o senhor, não?
Não, eu executo as decisões que a assessoria científica resolve. Nosso trabalho é a administração e a execução. Os assessores são indicados, para cada projeto, por uma comissão de uma área de conhecimento. São diversas áreas e tem um comitê de área que semanalmente analisa os pedidos. Temos recebido em média 18 mil pedidos de verba por ano, do Estado de São Paulo todo, de instituições públicas e privadas. A USP tem ficado com 45%. Em seguida vem a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e a Unesp (Universidade Estadual Paulista).
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É voltada para todo tipo de pesquisa?
Para todo tipo, não há restrição. É qualquer área, biológicas, humanas, exatas.
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Qual área tem produzido mais?
No momento a área que mais precisa de recursos, em função inclusive da demanda maior, é a de saúde. Faculdades de medicina, hospitais, ciências biomédicas.
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É mais voltada para alguma doença específica?
A maioria está ligada a pesquisas sobre controle de câncer. Tem também pesquisas de genética molecular. São melhorias de forma preventiva, pocurando analisar os aspectos genéticos. Tem uma série de pesquisas bastante animadoras sobre câncer.
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Hoje está se provando que é uma doença controlável?
O mais importante no câncer é atuar bem no início do problema, procurar o aspecto preventivo e uma série de controles.
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Pode-se dizer que a Aids virou uma doença crônica graças aos pesquisadores?
Hoje tem um tratamento e os coquetéis permitem a convivência com a doença e um controle.
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Tem de ser um pouco diplomático para dizer que a pesquisa não terá verba, não?
Se a pesquisa é pequena, vai para um assessor. Acima de R$ 100 mil vai para três assessores. Depois dos pareceres, uma comissão de área analisa. E se considera conclusivo, encaminha para a diretoria científica. Lá existe um comitê de diretores adjuntos que faz uma nova avaliação e emite uma proposta para o diretor científico, que dá a palavra final nessa área. Esse procedimento é submetido ao CTA (Conselho Técnico Administrativo), formado pelos três diretores da Fapesp.
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O pesquisador aprovado tem de prestar contas?
Ele tem de fazer um relatório técnico-científico e uma prestação de contas documental, analisada pela diretoria da Fapesp.
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E se ele recebe uma verba com o objetivo de provar alguma coisa e não consegue. Ou prova o contrário do que pretendia. O que acontece?
É parte, é o resultado da pesquisa. Nem sempre o resultado tem de ser positivo. Você começa uma pesquisa e às vezes chega a informações que o levam para um outro sentido. Prova o contrário da sua hipótese. Mas tem de relatar tudo o que fez, e o assessor tem de provar que ele cumpriu o que se comprometeu. A Fapesp, como instituição, é subordinada ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas. Então, todas as nossas despesas são auditadas.
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É um cargo difícil, não?
É complicado, mas eu gosto de trabalhar na fundação. Eu sempre gostei da área de administração.
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Hoje o senhor é muito mais um administrador que um agrônomo?
Ah, 100%. Logo que me formei em agronomia, na Esalq, eu tinha feito diversificação na área de tecnologia de alimentos. Logo havia um convite para trabalhar em Campinas no Ital (Instituto de Tecnologia de Alimentos). Às vesperas da formatura, fui convidado pelo chefe do Departamento de Economia para ser assistente. Eu tinha tirado nota 10 em todas as matérias da área de economia. Como eu gostava muito de ensino, e tinha sido professor particular durante todo o curso, aceitei. Até no colegial, no Instituto Culto à Ciência, de Campinas, já dava aulas de matemática e latim, por incrível que pareça. Fiquei de 1965 a 1968, depois fui para os Estados Unidos fazer PHD na área de economia. Logo ao voltar, assumi a chefia do Departamento de Economia, onde estou até hoje, embora atualmente afastado. Tenho de ficar em tempo integral em São Paulo.
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Como está a área de agronomia no Brasil?
As pesquisas se desenvolveram muito, no passado era centralizada nas universidades, no caso a Esalq e Viçosa e no Instituto Agronômico de Campinas. Com o advento da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), teve um crescimento muito grande. A Embrapa é uma instituição respeitada mundialmente e mantém uma série de convênios com instituições dos Estados.
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A Esalq ainda é o grande celeiro de profissionais da área?
A Esalq tem uma grande participação na formação de docentes e pesquisadores.
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Como foi ser diretor da Esalq de 1982 a 1986?
Foi um desafio muito grande, prazeroso. De certa forma fui pego de surpresa, eu estava na chefia de departamento há oito anos. E estava também como presidente da comissão de pós-graduação, uma das áreas mais ativas. Foi um tempo bom, fui convidado por uma série de colegas para a diretoria. Na ocasião estava no exterior e pela primeira e única vez tirei 30 dias de férias.
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O senhor foi o mais jovem diretor eleito na história da Esalq, com 40 anos. Isso pesou?
O entusiasmo era grande e a vontade de levar para a frente também. Eu assumi no mesmo dia em que o Adilson Maluf assumiu a prefeitura de Piracicaba, com aquela grande enchente de janeiro de 1983. Tomei posse no dia 29 de dezembro de 1982 e no dia 2 começamos com aquela tempestade.
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O senhor é supersticioso? Não pensou que tinha começado mal?
De jeito nenhum. Eu morava na rua Fernando Febeliano a uma quadra da casa do Adilson. E nos falamos, ele com o grande problema da enchente da Rua do Porto e eu com mais de um metro de água na biblioteca. Era o principal laboratório da instituição. Tivemos de fazer furos na parede para poder esvaziar. Mas tinha uma série de planos para conversar com o reitor da USP, que nem conhecia. Era o professor Antonio Hélio Guerra Vieira, que era ex-diretor da Escola Politécnica.
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Está otimista com o novo diretor, o professor Caixeta?
Sem dúvida. O Caixeta foi um excelente chefe de departamento, o mesmo de que participo.
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Ele falou que o tripé pesquisa, ensino e extensão está pendendo para a pesquisa. O que o senhor acha disso?
Geralmente isso acaba por acontecer. Eu acho que o ensino de qualidade só se realiza se tiver uma boa base de pesquisa. E a pesquisa é mais gratificante do ponto de vista da carreira do docente. Mas acho que tem mesmo de haver esse equilíbrio. Ainda na semana passada recebi um e-mail do Caixeta. Ele pretende que cada novo aluno tenha um tutor, um professor que o acompanhe. Acho isso muito bom. É uma coisa que a gente pensou no passado, mas nunca se concretizou. E ele vai tentar. Os alunos, aleatoriamente, vão receber um tutor, um professor designado. E o aluno vai ter liberdade de aceitar ou não essa oferta. Ele vai ser informado: o seu tutor é professor fulano, ele está localizado em tal prédio, o telefone dele. É uma novidade muito boa.