Em 1812, o remanescente da Grande Armée (o Grande Exército) de Napoleão bateu em retirada de Moscou. Sua destruição, iniciada pelos soldados russos, foi concluída pelos "generais janeiro e fevereiro", cujas principais armas, segundo conta a história, foram os botões de estanho que fechavam as túnicas dos soldados. Os botões - fornecidos por fábricas britânicas - simplesmente se esfacelaram no frio.
Trata-se, provavelmente, de um mito. O estanho desintegra-se, de fato, mas a pouco mais de 13°C, de maneira que, se os botões dos soldados eram feitos de estanho, eles provavelmente teriam notado algo de estranho ainda antes de sair de Paris. Acima dessa temperatura fatídica, o estanho é branco-prateado, maleável e conduz eletricidade. Abaixo dela, sua estrutura atômica se reorganiza, e ele se torna um pó quebradiço, cinza e isolante. Portanto, o estanho não é um metal, mas apenas tem uma fase metálica. Qualquer assim chamado "metal" é, de fato, um metal apenas nas condições adequadas. Inversamente, qualquer "não-metal" pode às vezes ser um metal. Mesmo o hidrogênio, um dos elementos mais propensos a ser um gás, pode ser um metal se é compactado o suficiente. Uma equipe do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, na Califórnia, acaba de compactá-lo a esse ponto.
Os químicos e físicos têm uma definição específica de metal. É uma substância cujos átomos estão suficientemente perto uns dos outros para que um ou dois elétrons de cada um deles transitem livremente, em vez de ficarem ligados a seus átomos originários. Uma das conseqüências disso é que os metais são bons condutores de eletricidade, uma vez que os elétrons livres podem deslocar-se através deles. Outra é que eles refletem toda a luz inferior a uma determinada freqüência, conhecida como a "freqüência do plasma".
Os metais não precisam necessariamente ser duros e brilhantes, embora a maioria dos mais conhecidos o sejam. A estrutura sólida e regular que reflete a luz visível é simplesmente a forma mais comum de metal, apresentada sob condições normais de temperatura e pressão. Existem outras formas: o mercúrio, por exemplo, é um líquido sob as condições habituais. E os metais nem sempre são brilhantes; se a freqüência do plasma for inferior à freqüência da luz visível, a luz visível atravessará o metal, que terá a aparência transparente. Prevê-se que o hidrogênio metálico será translúcido.
Bill Nellis, Samuel Weire Arthur Mitchell, os físicos que estão fazendo a pesquisa, não tiveram tempo ainda para olhar seu hidrogênio metálico contra a luz. Não é que eles estejam ocupados demais, mas o material existe por menos de um milionésimo de segundo. Eles o compactam disparando um projétil de metal, a 7,3 quilômetros por segundo (26 mil quilômetros por hora), contra um recipiente de hidrogênio líquido, de 5 centímetros de diâmetro. Uma onda de choque atravessa o recipiente, reverberando para frente e para trás e acumulando pressão até que o hidrogênio se torne metálico. Durante um brevíssimo momento, eles são capazes de medir a condutibilidade elétrica do hidrogênio - que descobriram, de fato, assemelhar-se à de alguns metais -, antes que a onda de choque se dissemine o suficiente para explodir todo o recipiente, reduzindo-o a pó.
Métodos menos violentos foram experimentados ao longo dos últimos vinte anos, mas com pouco sucesso. Muitos grupos de pesquisadores resfriavam o hidrogênio até ele solidificar-se, para depois compactá-lo lentamente numa morsa de diamante. Esse procedimento parecia fazer sentido, uma vez que deixaria mais tempo para medir tanto a condutividade quanto a refletância do material que estava sendo compactado, além de assegurar que se tratava do elemento autêntico. Infelizmente, ele também dava ao hidrogênio altamente pressurizado tempo suficiente para se infiltrar nas fissuras do diamante e estilhaçá-lo, antes de atingir o estado metálico.
Rejeitando o caminho do bom senso, a equipe da Lawrence Livermore conseguiu êxito. Sua aparelhagem alcança mais ou menos a mesma pressão que a morsa de diamante, mas a onda de choque também esquenta o hidrogênio até cerca de 3.000°C. O calor dá aos elétrons o impulso para escapar de seus átomos originários e conduzir a eletricidade.
Combinação técnica
Pelo menos, é essa a opinião na Califórnia. Neil Ashcroft, teórico da Universidade de Cornell em Ithaca, Nova York, sugere que podem não ser os elétrons que estão fazendo a condução, e sim os íons (átomos que perderam seus elétrons) liberados no líquido turbulento. Ele acredita que uma combinação das duas técnicas - compactar o hidrogênio numa morsa para depois aquecê-lo a laser - seria capaz de render resultados mais completos. Outros acham que esse procedimento teria apenas o efeito de estilhaçar mais diamantes.
Nellis, Weir e Mitchell, no entanto, têm outros motivos para confiar na experiência que realizam. A pressão à qual eles conseguiram o hidrogênio metálico, se é que era metálico, é menor do que se esperava. Mesmo assim, é aproximadamente 1,4 milhão de vezes maior que a pressão atmosférica da Terra, de forma que facas de hidrogênio metálico estão fora de cogitação. Mas essas condições existem, de fato, no interior dos planetas Júpiter e Saturno, ambos quase inteiramente compostos de hidrogênio.
Acredita-se há alguns anos que cerca de metade do hidrogênio de Júpiter, profundamente incrustado abaixo da superfície, esteja sob pressão suficiente para ser metálico. Se a pressão crítica for tão baixa quanto essa nova experiência sugere, é possível que até 75% do hidrogênio de Júpiter seja metálico; poderia ser até três quartos metálico. As medições que se fizeram do campo magnético de Júpiter, entre outras observações, parecem coerentes com essa hipótese. Denominar Júpiter e Saturno de "gigantes gasosos" começa a parecer impróprio.
De volta à Terra, Ashcoft acredita que produzir esse difícil metal no laboratório pode aprimorar a compreensão que se tem dos metais convencionais. O átomo do hidrogênio é o mais simples que existe: um elétron e um próton. Uma teoria abrangente de como os metais funcionam, baseada em átomos simples, seria mais fácil de construir do que com átomos complexos.
O hidrogênio metálico sólido também será um supercondutor, na temperatura certa. Pelo mesmo motivo da simplicidade, ele pode lançar alguma luz sobre o funcionamento dos supercondutores. Portanto, diz Ashcroft, todas as experiências - a da morsa, a do projétil e a do laser - devem continuar. A destruição de aparelhagens de laboratório persistirá por mais algum tempo ainda.
Notícia
Gazeta Mercantil