Kelly Willis está no Rio, nesta semana, em encontro internacional que relaciona bem-estar, doenças e sistemas de tratamento ao aumento de temperatura no mundo
Há uma pergunta que a executiva norte-americana Kelly Willis se faz todos os dias: por que é tão difícil falar sobre os impactos das mudanças climáticas — e do aumento de temperaturas do mundo – na saúde pública e no aparecimento de doenças da população? É considerando essa (perigosa) relação que a organização internacional que ela lidera, chamada Forecasting Healthy Futures realiza nesta semana, no Rio, um evento global que foca na necessidade de obter financiamento, coordenação internacional e na construção de sistemas de atentimento à saúde resilientes a catástrofes de origem climática. O país foi escolhido para receber o encontro por conta da realização da Conferência das Partes (COP30) na cidade de Belém, em novembro.
“Vamos começar a ver eventos climáticos extremos, a exemplo de grandes ondas de calor ou secas. Isso tem um impacto muito grande na nossa saúde e no nosso bem-estar”, inicia. “Tempestades também podem afetar as instalações de saúde, os hospitais e as clínicas, além das pessoas que trabalham nesses locais. Ou seja, de repente, diante de um evento climático extremo, os serviços de saúde primários podem ficar indisponíveis. Nisso, pessoas morrem desnecessariamente por falta de tratamento, ou crianças deixam de ser vacinadas porque as clínicas estão debaixo d’água ou em razão das casas dos médicos e enfermeiros terem sido destruídas. Isso sem contar uma possível falta de abastecimento de água potável, o que pode levar à transmissão de doenças como a cólera.”
A especialista — que também é parte da institução Malaria no More, uma das entidades que deu origem ao Forecasting Healthy Futures e trabalha com saúde global há duas décadas — diz que a mudança no clima pode também começar a alterar o padrão, transformando as doenças em desafios ainda maiores para os sistemas de saúde.
“O calor, mesmo quando não ocorre em ondas, mas gradativamente, tem efeito nas doenças crônicas não transmissíveis, como a pressão alta e o diabetes”, afirma. “E, claro, temos toda uma categoria de doenças transmitidas por vetores, por mosquitos, em especial malária, dengue, zika e chikungunya. Estamos vendo essas doenças se espalhar de formas que não esperávamos. Por conta de algumas mudanças nos padrões de chuva, certas regiões inteiras, até países, estão se tornando propícias para os mosquitos que transmitem essas doenças.”
Assim, comunidades (e até países) que nunca precisaram lidar com a dengue, por exemplo, agora estão sendo expostos a ela e não estão preparados.
Há ainda um componente preocupante relacionado à saúde mental, diz Kelly, cujos efeitos podem aparecer em pessoas que têm mudanças bruscas em suas rotinas de vida por conta das alterações dos padrões de vida por conta da mudança do clima.
“Na África Subsaariana, por exemplo, as estatísticas mostram que a seca extrema deve dobrar até 2030 em relação a 2020. Essas condições estão se acelerando rapidamente. Com a perda das colheitas, os agricultores perdem sua renda. Isso está levando a diagnósticos cada vez mais frequentes de problemas de saúde mental, por causa do impacto psicológico de não conseguir sustentar a família, por razões econômicas, ou por perdas de entes queridos e membros da comunidade”, diz. “A saúde mental é um grande desafio. As mudanças climáticas afetam todas as doenças entre asma e zika.”
Saídas possíveis
Um dos temas de grande importância diante dessas mudanças de cenário, diz Kelly, é construir sistemas de saúde resilientes – embora sua tolerância aos efeitos climáticos extremos só possam ser efetivamente testados quando uma emergência climática, de fato, ocorrer. Há, porém, algumas medidas que podem ser tomadas de maneira preventiva desde já.
“É preciso investir em estruturas que não vão desabar numa enchente ou que estejam localizadas em áreas elevadas, menos propensas a inundações ou a serem destruídas por ventos muito fortes. Também é importante que essas estruturas não dependam de fontes tradicionais de energia ou eletricidade, que podem ser interrompidas durante uma tempestade”, comenta a especialista. “É preciso investir em energia solar para tornar hospitais menos dependentes de redes elétricas que podem ser interrompidas. Também é essencial ter uma força de trabalho bem informada. Por isso, algumas escolas de medicina já estão incorporando temas relacionados às mudanças climáticas. Profissionais de saúde também precisam conhecer doenças como malária, zika ou dengue. Doenças com as quais talvez nunca tenham tido contato. A dengue, por exemplo, pode mais que dobrar sua área de alcance até 2050.”
Com o passar dos anos, analisa Kelly, seria desejável que mesmo as vacinas tivessem alterações em seu desenvolvimento e não tenham a necessidade de resfriamento em temperaturas muito baixas.
Brasil Após outra visita ao país, no mês passado, a executiva diz que vê o Brasil, às vésperas da COP30, com especialistas atentos às necessidades de incluir a discussão sobre saúde no âmbito da conferência.
“E, na verdade, a equipe da COP30 está realmente interessada por fazer com que a saúde se torne cada vez mais central este ano, mais do que foi em edições anteriores”, pondera.
Ela ainda elogia outro desenvolvimento, importante, em andamento no país.
“O Brasil está prestes a ter uma vacina da dengue (do Instituto Butantan) após anos de trabalho. No contexto das mudanças climáticas, as vacinas são ainda mais importantes. Porque você pode proteger pessoas de doenças que podem surgir após grandes alterações climáticas (como o avanço da dengue) ou ainda criar soluções para novas doenças que podem surgir”, avalia.