O Brasil é hoje um dos líderes globais no mundo da carne. A maior prova disso são os sucessivos recordes de exportação. Só nos primeiros nove meses deste ano, as vendas internacionais somaram 1,8 bilhão de dólares, ou 45% mais que no ano passado, números que fazem do país o maior exportador mundial de carne bovina. Como todo líder, o Brasil não pode relaxar no front tecnológico, sob pena de pôr sua liderança em risco. Pois é justamente no desenvolvimento de novas tecnologias para a criação de bois que a sociedade de um pecuarista de Mato Grosso do Sul com alguns dos maiores especialistas em genética do país promete uma revolução capaz de incrementar ainda mais o negócio de criação de gado no país. No início do ano, eles fundaram a Indicus, empresa que identificou genes capazes de apontar se um boi engorda mais rápido ou se produzirá carne mais macia e gordurosa. Com essas informações, foram desenvolvidos testes genéticos que permitirão aos pecuaristas promover cruzamentos com mais precisão e aumentar a produtividade e a qualidade dos rebanhos. No próximo dia 15 de novembro, num leilão promovido por Aluizio Lessa. o pecuarista sócio da Indicus, pela primeira vez os animais vendidos terão certificados comprovando que estão livres
de doenças. E essa é apenas a primeira amostra do potencial da tecnologia. "No futuro, poderemos predefinir com certeza quase absoluta que o sêmen de um animal transmitirá determinadas características a seus descendentes", diz José Heraldo Câmara Lopes, presidente da Oncocell, laboratório de São Paulo que se associou a Lessa na criação da Indicus. Além disso, os testes de paternidade, hoje baseados no tipo sanguíneo do animal, serão mais exa-tos com o uso da genética.
Graças a tudo isso, a produtividade nacional deve crescer ainda mais. "Um fazendeiro americano pode mandar seus bois para o abate em 20 meses, enquanto os brasileiros têm de esperar entre 36 e 48 meses", diz Miguel Cavalcanti, da consultoria especializada Agri-point. Claro que há diferenças importantes entre as espécies e os métodos de criação dos fazendeiros americanos e brasileiros. Lá, cria-se a espécie Bos taurus, que naturalmente tem carne mais gordurosa que a do Bos indicus, predominante no Brasil. Além disso, a maioria dos bois americanos é criada em confinamento. No Brasil, a regra é o pasto aberto. Mas ambos os tipos de criação podem usufruir os benefícios da genética. "Estamos desenvolvendo um teste que dirá, por exemplo, se o animal tem comportamento mais ou menos dócil", diz Emanuel Dias Neto, responsável pelas pesquisas da Indicus. "O boi mais manso produz carne de melhor qualidade." Outro ganho que a tecnologia pode trazer é a redução dos cruzamentos entre touros e vacas com a mesma herança genética. "A variedade é fundamental para reduzir os riscos de que uma doença atinja um rebanho inteiro", afirma Neto.
A Indicus surgiu por iniciativa de Lessa. Ele procurou o laboratório Oncocell com uma lista de tarefas. "'Ficamos até assustados na primeira reunião", diz Câmara Lopes. "Éramos um grupo de especialistas ouvindo um pecuarista falar em genes funcionais, genotipagem e freqüência alélica." Acostumado ao trabalho com o gado de elite, Lessa sabia exatamente o que procurava. Normalmente, quando um touro que engorda rápido é cruzado com uma vaca do mesmo tipo, às vezes o resultado é um bezerro de engorda rápida - mas nem sempre. Por isso, pecuaristas como Lessa, especialmente aqueles que fazem melhoramento do rebanho para vender sêmen ou embriões, depositam na biotecnologia a esperança de tomar esse processo mais preciso. "É um negócio de alto risco", diz ele. "O gado mais valioso é apenas 0,5% de todo o rebanho."
A corrida em busca do gado perfeito tem outros competidores. Um grupo liderado pelo criador Jovelino Mineiro, de São Paulo, participou de um projeto de seqüenciamento do genoma do boi brasileiro com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O consórcio já terminou a fase inicial do processo e agora trata de identificar os genes que fazem a diferença para a pecuária a fim de desenvolver produtos. "A biotecnologia vai ser o negócio da próxima década para a pecuária", diz Mineiro, dono de fazendas de seleção e corte no interior paulista. 'Temos o potencial de vender para os criadores daqui, dos países vizinhos e até mesmo da África do Sul."
Como toda nova tecnologia, o negócio da genética bovina tem riscos. "O maior deles é que os testes de DNA tenham um custo alto demais diante do resultado", diz o consultor Cavalcanti. A Indicus calcula que. dos 180 milhões de cabeças do rebanho brasileiro. 5 milhões pertençam a selecionadores. A empresa espera fazer 100 000 testes por ano. As perspectivas são animadoras. Nos Estados Unidos, a Cargill, uma das maiores empresas de alimentos do mundo, já investiu 10 milhões de dólares no licenciamento de técnicas que permitam obter carne mais saborosa.
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