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Jornal da Unisinos

O etanol é ambientalmente sustentável?

Publicado em 27 junho 2009

Em um contexto de compromissos multilaterais para se diminuir a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, comprovar cientificamente que a cana-de-açúcar realiza o chamado seqüestro de carbono é estratégico não só para melhorar a aceitação internacional do etanol brasileiro mas também para pleitear o pagamento por créditos de carbono durante as negociações da segunda fase do Protocolo de Kyoto, que voltarão a ser travadas em dezembro, na 15ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas, em Copenhagen (Dinamarca). 

A reportagem é de Thaís Brianezi e publicada na página web Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis linkada ao sítio Repórter Brasil, 17-06-2009.

A vanguarda brasileira na pesquisa e na produção de etanol está ameaçada com o recente (e crescente) interesse mundial pela bioenergia. Por um lado, os cientistas ainda não têm respostas seguras para convencer os consumidores internacionais sobre as vantagens ambientais do etanol de cana-de-açúcar – que já é mais que suficiente para atender o mercado brasileiro, mas enfrenta barreiras na exportação. Por outro lado, enquanto a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em parceria com a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), esforça-se para promover estudos sobre a sustentabilidade do etanol brasileiro, empresas norte-americanas investem recursos muito superiores na pesquisa com os chamados etanóis de segunda e terceira geração (celulósicos e de hidrocarbonetos, respectivamente).

O cenário de impasses ficou evidente no Workshop Impactos Sócio-Econômicos, Ambientais e de Uso da Terra, organizado na última terça-feira (dia 16) pelo Programa Fapesp de Pesquisa em Bioenergia (Bioen). Lançado em 2007, o objetivo do Bioen é intensificar atividades de pesquisa em São Paulo relativas à bioenergia, especialmente ao etanol de cana-de-açúcar, a partir de cinco eixos de estudo: biomassa; processos de fabricação do biocombustível; biorefinarias e alcoolquímica; aplicação de etanol para motores automotivos e impactos sócio-econômicos, ambientais e de uso da terra.

De acordo com a coordenadora do programa, Gláucia Souza, até o momento foram submetidos ao Bioen 154 projetos, de 143 pesquisadores. O total de recursos já contratado é da ordem de R$ 43 milhões, sendo R$ 27 milhões de pesquisas com plantas, R$ 16 milhões com processos industriais e R$ 427 mil para estudos de impactos.

“Eu freqüentemente recebo visita de empresas norte-americanas interessadas em saber mais sobre nosso etanol, que é um ilustre desconhecido nos debates internacionais sobre combustíveis de baixo carbono”, revelou o presidente da Unica, Marcos Jank. “O orçamento individual de cada uma delas gira em torno de US$ 50 milhões só para pesquisa com hidrocarbonetos”, comparou Jank, que foi professor da Universidade de São Paulo (USP) durante 20 anos, mas há dois anos deixou a docência e a pesquisa para seguir carreira no setor privado. “Até o começo do século XXI, o Brasil fazia pesquisas com etanol confortavelmente solitário.

De quatro anos para cá, a concorrência internacional explodiu. “Não é porque temos terra e tradição na área que podemos ficar tranqüilos”, alertou o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito. “Os cientistas brasileiros precisam ser mais competitivos internacionalmente. Há resultados interessantes escondidos em artigos em Português”, completou Brito.

Guerra dos números

Os solos absorvem e liberam carbono: quando a vegetação é nativa, esse sistema está em equilíbrio, ou seja, a quantidade de gases de efeito estufa emitidos e recuperados é equivalente. Quando há desmatamento, o estoque de carbono do solo tende a diminuir; mas, com o plantio de alguma cultura, ele pode se recuperar e até aumentar. Em um contexto de compromissos multilaterais para se diminuir a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, comprovar cientificamente que a cana-de-açúcar realiza o chamado seqüestro de carbono é estratégico não só para melhorar a aceitação internacional do etanol brasileiro, mas também para pleitear o pagamento por créditos de carbono durante as negociações da segunda fase do Protocolo de Kyoto, que voltarão a ser travadas em dezembro, na 15ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas, em Copenhagen (Dinamarca).  

No Workshop do Bioen foram apresentados resultados de três pesquisas que mediram o chamado balanço energético do solo utilizado para plantação de cana-de-açúcar. No estudo feito pela Universidade de Illinois, a partir de lavouras em diversos países (inclusive o Brasil), o saldo foi negativo: ou seja, a plantação de cana-de-açúcar emitiu gases de efeito estufa. Na pesquisa do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena/USP), o resultado foi oposto: os solos que abrigam a cana seqüestraram carbono da atmosfera.

Conclusão semelhante à pesquisa da Embrapa Agrobiologia, que acrescentou a ponderação de que o acúmulo de carbono nos solos depende do grau de degradação dos mesmos. “Ficou patente, aqui, a incerteza e a variabilidade que cercam os números com os quais trabalhamos”, avaliou o coordenador da Divisão de Impactos do Bioen, Heitor Cantarella. “Precisamos padronizar as metodologias. Nossa intenção é criar um grupo de trabalho para discutir com calma essa harmonização”, reforçou a coordenadora do programa.

Em maio, o presidente Barak Obama anunciou novas regras para as metas de combustíveis renováveis nos Estados Unidos. Elas classificam oficialmente o etanol de cana-de-açúcar como mais ambientalmente eficiente que o etanol de milho: enquanto o primeiro reduziria em media 44% das emissões de gases de efeito estufa em comparação à gasolina, o segundo diminuiria apenas 16%. Esses índices levam em conta os gases liberados em todo o ciclo do biocombustível: desde a agricultura, produção, distribuição até o uso nos veículos.

No cálculo, entra também o chamado uso indireto da terra: a estimativa do desmatamento ocorrido em função da migração da atividade agropecuária “empurrada” pelas lavouras de cana e de milho. A emissão indireta responde por 46 dos 73 gramas de CO2 por megajoule estipulados para o etanol de cana – no etanol de milho, de um total de 99 gramas de CO2 por megajoule, somente 30 viriam do desmatamento.

“O modelo utilizado para estimar o uso indireto da terra não reflete a realidade, porque se baseou em dados antigos, que não levam em consideração a geração de energia pelo bagaço de cana, a mecanização das lavouras nem o aumento de produtividade”, protestou Jank.

O pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Universidade de Campinas (Nepi/Unicamp), Isaías de Carvalho Macedo, concordou com a crítica: “Tenho participado de conference calls com cientistas norte-americanos para tentar ajustar o modelo à nossa realidade. Até 2002, as lavouras de cana em São Paulo cresceram em função da produção de açúcar e a expansão recente se deu sobre pastos e lavouras já abertas. Então, não é justo transferir para nosso etanol uma dívida que ele não tem”, argumentou o pesquisador.

Apesar do nome amplo, a sustentabilidade no Workshop do Bioen limitou-se ao aspecto ambiental, mais especificamente à emissão de gases de efeito estufa. Presente na platéia de cerca de 120 pesquisadores, o geólogo aposentado Delmar Mattes questionou a ausência de um debate sobre as condições trabalhistas dos cortadores de cana, vítimas freqüentes de super-exploração e de trabalho escravo, como mostrou o relatório “O Brasil dos Agrocombustíveis – Cana 2008: Impactos das lavouras sobre a terra, o meio e a sociedade”, produzido pelo Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis da ONG Repórter Brasil. “Nosso enfoque eram as mudanças do uso da terra. Planejamos discutir a sustentabilidade social e econômica em outros momentos”, justificou Gláucia Souza.