Bárbara Bretas Coelho, hoje com 38 anos e moradora de Belo Horizonte, engravidou de sua única filha quando tinha 22.
Depois de uma gestação marcada por mal-estares e enjoos, ela se viu próxima a dar à luz em um calorento mês de janeiro. Mas o parto acabou só acontecendo de fato em 2 de fevereiro, um sábado de Carnaval.
“Quando o anestesista chegou, me falou: ‘Você, hein, nossa senhora, não podia escolher um dia melhor para parir, não? Sábado de Carnaval, eu tive que sair do bar para fazer isso aqui, que inconveniência! Não podia esperar a Quarta-feira de Cinzas, não?'”, lembra a mãe de Cecília, hoje com 16 anos.
Bárbara conta que ficou muito desconfortável com o comentário feito pelo médico em tom de deboche.
“Já estava apavorada com a ideia de tomar aquela anestesia no meio da coluna e daí o cara me diz ‘Eu tive que sair do bar’, eu pensei ‘Meu Deus, ele estava tomando uma cerveja e vai enfiar uma agulha no meio da minha coluna. Que loucura é essa? Não pode beber e dirigir, mas pode beber e enfiar agulha na coluna?'”, recorda Bárbara.
“Mas eu já estava na posição, de camisola, com a bunda de fora, ia falar o quê? Não falei nada, mas aquilo me deixou muito mais tensa.”
Apesar da situação desagradável, ela viu a filha nascer saudável, com mais de 3kg, por meio de uma cesariana, em um hospital privado.
Por conta de situações como a vivida por Bárbara, muitas brasileiras temem ter filhos no feriado prolongado de Carnaval.
Isso contribui para um fenômeno estatístico peculiar: uma queda acentuada de partos durante a folia e um aumento nos dias antes e depois da festa.
Os pesquisadores Carolina Melo e Naercio Menezes Filho, do Insper, se debruçaram sobre esse fenômeno, analisando o efeito do Carnaval sobre os nascimentos de bebês no Brasil entre 2012 e 2019, com base em dados do DataSUS, do Ministério da Saúde.
O que eles encontraram é um resultado curioso.
Por um lado, há um efeito negativo: uma redução de peso em bebês frutos de partos de alto risco, antecipados para evitar o feriado.
Mas há outro impacto, estatisticamente até mais relevante: uma extensão do período gestacional, suficiente para resultar em uma redução das mortes neonatais.
Melo e Menezes Filho constataram que isso é fruto do adiamento de partos que, de outra forma, teriam sido realizados antes do tempo, por meio de cesarianas agendadas.
Isso fica claro, segundo os autores, no aumento no número diário de partos naturais pós-Carnaval.
Para Melo, o resultado desse “experimento natural” propiciado pelo feriado de Carnaval serve de alerta e pode ajudar a pautar decisões de políticas públicas de saúde.
“Esse resultado deixa bem evidente que os partos no Brasil estão acontecendo em uma idade gestacional sub-ótima [antes do tempo ideal] e que os resultados de saúde ao nascer poderiam ser melhores se melhorássemos as práticas de cuidado ao nascimento”, diz a pesquisadora à BBC News Brasil.
Procurada para comentar os resultados do estudo, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) concorda com a análise.
“O Brasil figura em segundo lugar do mundo em cesarianas, com o sistema privado tendo quase 90% dos partos acontecendo por essa via”, destaca em nota o médico obstetra Romulo Negrini, vice-presidente da Comissão de Assistência ao Abortamento, Parto e Puerpério da Febrasgo.
“Isso é péssimo, pois, apesar da falsa impressão de segurança que a cesariana traz, ela se relaciona a um risco três vezes maior de morte materna, especialmente por tromboembolismo e hemorragia.”
Por que analisar Carnaval e nascimentos Carolina Melo conta que seu interesse pelo tema começou no doutorado, quando pensou em mensurar os efeitos da cesariana sobre os resultados de nascimentos.
No entanto, ela explica que é difícil isolar os impactos do procedimento médico sobre os resultados de parto, uma vez que a realização de cesáreas está correlacionada com outros fatores, como o nível de educação da mãe e suas condições de acesso à saúde — questões que também afetam os indicadores de saúde da gestante e do bebê.
“O que temos consolidado na ciência hoje é que a antecipação de parto é um problema”, observa Melo.
“Ainda que seja por um dia, a literatura mostra que ela é prejudicial ao bebê.”
Outro conhecimento consolidado, diz a pesquisadora do Insper, é que as manipulações de datas de partos estão altamente correlacionadas com a escolha da cesariana — procedimento que tem altíssima incidência no Brasil, representando em média 55% dos partos no país, percentual que chega a 86% em hospitais privados.
A cesárea é um recurso que pode ajudar a salvar vidas. Mas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), taxas de cesariana acima de 10% não contribuem para a redução da mortalidade materna, perinatal ou neonatal.
No Brasil, considerando as características específicas da população local, a taxa de cesárea desejável seria de 25% a 30%, segundo o Ministério da Saúde — ou seja, muito abaixo dos atuais níveis no país.
Melo observa que a opção pela cesariana agendada tem motivos diversos, como a conveniência do médico e da gestante; ou a diferença de nível de conhecimento sobre os prós e contras dos procedimentos entre o médico e a grávida.
Também há casos em que isso ocorre por uma busca do médico por evitar riscos. E, ainda, há mães que preferem não ter seus bebês em dias específicos, como o Dia da Mentira, o dia de Finados, entre outras datas.
“A cesariana traz bastante conveniência para o agendamento do parto, e há até um grande negócio por trás disso, de serviços adicionais, como festinhas de nascimento, preparação da mãe com depilação, maquiagem e outras coisas, que só são viáveis quando a mãe sabe quando o parto vai acontecer”, diz Melo.
A pesquisadora observa que a literatura científica também mostra que, em torno de feriados prolongados, há uma manipulação das datas de partos, já que há uma percepção de que, nessas ocasiões, com equipes reduzidas, os hospitais podem ficar pior preparados para receber gestantes, principalmente as de alto risco.
Por conta disso, os economistas decidiram se debruçar sobre os efeitos do Carnaval sobre os nascimentos no Brasil.
“Escolhemos o Carnaval porque é a festividade mais longa e que mais mobiliza o país, não temos nenhum outro feriado que pare tudo dessa forma”, diz Melo.
Os pesquisadores chegaram a analisar outros feriados, como Corpus Christi, e encontraram efeitos parecidos, mas em menor magnitude.
Como o estudo foi feito Para fazer a pesquisa, Carolina Melo e Naercio Menezes analisaram dados do DataSUS de nascidos vivos e mortalidade neonatal.
Como o feriado de Carnaval cai em datas diferentes a cada ano, os pesquisadores padronizaram a análise ao considerar a terça-feira de Carnaval de cada ano como o ponto zero.
Por exemplo, em 2012, quando a terça de Carnaval caiu no dia 21 de fevereiro, o primeiro dia do ano seria o dia -51 (ou seja, 51 dias antes do Carnaval), a terça-feira de Carnaval o dia zero, a Quarta-feira de Cinzas o dia +1, e assim por diante.
Assim, para cada dia do ano, os pesquisadores tinham uma quantidade de nascidos vivos e características médicas desses bebês.