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PortalEnf (Portugal)

O consumo excessivo de frutose pelos pais aumenta o risco de doença cardiometabólica na prole, mostra estudo (65 notícias)

Publicado em 15 de fevereiro de 2024

Filhos de ratos que consomem quantidades excessivas de frutose desenvolvem distúrbios nos sistemas nervoso autônomo, cardiovascular e metabólico desde cedo, aumentando o risco de doenças crônicas como diabetes e obesidade na idade adulta, segundo estudo realizado por cientistas brasileiros. O estudo está publicado no Jornal Internacional de Obesidade.

Os resultados confirmam informações da literatura científica sobre o aparecimento de distúrbios metabólicos, como níveis elevados de triglicerídeos (150 mg/dL ou mais) e resistência à insulina em filhos de pais que consomem frutose em excesso. Além disso, os descendentes do estudo apresentaram aumento da pressão arterial e comprometimento do barorreflexo, mecanismo fisiológico que ajuda a manter a pressão arterial estável.

Embora a frutose esteja naturalmente presente em frutas, mel e alguns vegetais, é um açúcar simples (monossacarídeo) amplamente utilizado como adoçante de alimentos e bebidas. O xarope de milho rico em frutose é ingrediente de refrigerantes, bolos, doces e biscoitos. Adoça 20% a 80% mais que a glicose pura. O consumo excessivo de frutose tem sido associado à alta prevalência de sobrepeso e obesidade na população mundial, incluindo crianças.

“A medicina teve de se concentrar no combate a incêndios durante demasiado tempo – agindo depois de a doença já estar presente. Agora temos elementos e investigação científica suficientes para a medicina preventiva. As gerações futuras terão de enfrentar esta bomba-relógio, a menos que tornemos a prevenção eficaz”, disse Kátia. De Angelis, autor correspondente do artigo e professor de fisiologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) no Brasil.

Ela era a Ph.D. Orientador de tese da primeira autora Camila Paixão dos Santos no Programa de Medicina Translacional da UNIFESP.

Para De Angelis, o estudo reforça a importância do sistema nervoso autônomo (SNA) para a regulação de diversas funções do organismo e seu potencial para sinalizar a suscetibilidade de uma criança a esse tipo de doença na idade adulta. O SNA regula automaticamente funções involuntárias, como frequência cardíaca, pressão arterial, respiração, digestão e temperatura.

Pandemia de obesidade

Mais de metade da população mundial, ou mais de 4 mil milhões de pessoas, deverá ter excesso de peso ou obesidade até 2035, a menos que sejam tomadas medidas significativas para resolver o problema, de acordo com o Atlas Mundial da Obesidade 2023, que coloca o aumento anual no número de pessoas com excesso de peso e obesidade adultos e crianças em 2,8% e 4,4%, respectivamente.

No Brasil, espera-se que 41% dos adultos se tornem obesos até 2035, contra 17,1% atualmente, segundo pesquisa do Ministério da Saúde brasileiro (Covitel 2023 – Pesquisa Telefônica sobre Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis Durante a Pandemia). A Sociedade Brasileira de Diabetes estima que entre 60% e 90% dos diabéticos também são obesos e que a proporção é especialmente elevada entre pessoas com mais de 40 anos.

“É claro que o consumo excessivo de frutose não é o único factor de obesidade, mas tem sido acompanhado pelo crescimento da proporção da população com excesso de peso e obesidade”, disse De Angelis.

A frutose é metabolizada no fígado, e grandes quantidades do monossacarídeo podem aumentar a síntese de ácidos graxos, levando ao acúmulo de triglicerídeos e ao aumento do peso corporal, que por sua vez está associado ao aumento das moléculas inflamatórias envolvidas no desenvolvimento de outras doenças.

De acordo com a American Heart Association (AHA), uma dieta saudável deve limitar a ingestão de açúcar a 100 calorias (26 g) por dia para mulheres e 150 calorias por dia (39 g) para homens. Para efeito de comparação, um refrigerante de 350 ml contém 38 g de açúcar. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o açúcar seja limitado a 10% da ingestão calórica diária (50 g ou cerca de dez colheres de chá para uma ingestão de 2.000 calorias, por exemplo).

Conhecimento acumulado

De Angelis dirige a Sociedade Brasileira de Hipertensão (SBH) e leciona pós-graduação na UNIFESP e na Universidade Nove de Julho (UNINOVE). Ela estudou aspectos de doenças cardiovasculares, diabetes e obesidade por 20 anos.

Um artigo de De Angelis e colaboradores publicado no Jornal Americano de Fisiologia em 2012 mostraram que camundongos adultos submetidos ao consumo excessivo crônico de frutose desenvolveram resistência à insulina, bem como disfunções hemodinâmicas e autonômicas associadas a um perfil inflamatório. A pressão arterial sistólica aumentou quinze dias após o início da dieta rica em frutose.

“Ficamos surpresos com o efeito de um pequeno aumento na pressão arterial acompanhado por um aumento acentuado na modulação simpática no sistema cardiovascular”.

“O que nos surpreendeu foi que o aumento da modulação simpática aconteceu antes de qualquer alteração metabólica, como alterações nos níveis de glicose e triglicerídeos, por exemplo, com base nas medidas clínicas clássicas feitas pelos médicos. muito presente. Isso serviu de alerta sobre a disfunção do SNA no controle das vísceras”, disse De Angelis à Agência FAPESP.

No estudo mais recente, os ratos receberam água potável com 10% de frutose durante 60 dias antes do acasalamento, e seus filhotes foram avaliados 30 dias após o desmame.

Menor peso ao nascer, níveis aumentados de triglicerídeos e resistência à insulina foram observados na prole em comparação aos controles, bem como pressão arterial elevada e comprometimento da sensibilidade barorreflexa, caracterizado por respostas bradicárdicas e taquicárdicas reduzidas (o que significa que não ocorreu desaceleração e aceleração da frequência cardíaca). como deveriam). O comprometimento do barorreflexo foi associado à redução da tolerância à insulina e à elevação da pressão arterial sistólica.

“O que mostramos foi um mecanismo para detecção precoce de disfunções”, explicou De Angelis.

“Estamos tentando alertar os médicos para a necessidade de avaliar as crianças antes que a pressão arterial elevada ou a disfunção metabólica sejam diagnosticadas, para que sinais precoces, como os associados ao SNA, possam ser detectados. Se as crianças ou os pais forem expostos a altos níveis de frutose, é provável que as crianças desenvolvam disfunções na idade adulta. Se conseguirmos detectar os sinais suficientemente cedo, poderá ser possível atenuar ou retardar o aparecimento da doença.”

Os pesquisadores agora avaliam alternativas terapêuticas e os efeitos do exercício físico. Estudos anteriores do grupo demonstraram os benefícios do treinamento físico em animais que consumiram frutose desde a infância ou na vida adulta.