A história está cheia de previsões sobre o desemprego em massa que seria causado por novas máquinas. Na Grã-Bretanha, no início do século XIX, os adeptos de Nedd Ludd estraçalharam os teares mecânicos e as máquinas de fiar que ameaçavam seu meio de vida. Na década de 1930, a culpa pelas longas filas dos fundos sociais foi atribuída à automação das fábricas. Nos anos 1940, Norbert; Weiner, um pioneiro, da computação, previu que os computadores criariam desemprego numa escala que faria a Grande Depressão parecer um piquenique. Hoje novos catastrofistas prevêem, outra vez, um futuro de desemprego à medida que robôs, e computadores assumem o controle do trabalho. Mesmo os que têm sorte o suficiente para permanecer num emprego, dizem eles, enfrentarão insegurança e salários baixos.
Se a história é guia para alguma coisa, eles estão errados. Ao longo dos últimos dois séculos de imensos avanços tecnológicos, o emprego e os salários reais cresceram quase, continuamente nos países industrializados ricos. Os empregos e padrões de vida subiram por causa da mudança tecnológica, não a despeito dela. Os EUA, a sociedade tecnologicamente mais avançada do mundo, têm uma das mais baixas taxas de desemprego na OCDE. Mas os adeptos modernos de Ludd continuam impávidos. Jeremy Rifkin, um tecnófobo americano, argumenta, em seu livro "The End of Work" (O Fim do Trabalho), publicado por G.P.Putnam's Sons, afirma que três em cada quatro empregos nos EUA - tanto no setor de serviços quanto no industrial - poderão ser automatizados. Ele prevê que, em meados do século XXI, centenas de milhões de trabalhadores serão permanentemente relegados à ociosidade.
É verdade que milhões de empregos serão destruídos pela tecnologia, assim como ocorreu nos últimos 200 anos. Mas no passado essas perdas de emprego foram sempre compensadas por ganhos de emprego, de forma que o emprego total continuou crescendo de acordo com a população. Quando ferreiros e cocheiros desapareceram, mecânicos e vendedores de carros tomaram seus lugares. A tecnologia mudou os tipos de empregos em oferta, mas o volume continuou crescendo.
Ah, dizem os modernos adeptos de Ludd, mas a tecnologia da informação (TI) é diferente das tecnologias anteriores, assim suas conseqüências para o emprego também serão diferentes. Destacam-se três diferenças específicas:
- Primeiro, a TI é muitos mais difusa em seu impacto do que a energia a vapor ou eletricidade, afetando todos os tipos de empregos, administrativos ou manuais, na manufatura ou em serviços. Rifkin está especialmente preocupado com o potencial da TI para substituir empregos no setor de serviços, onde o crescimento do emprego tem sido aproximadamente equivalente a todos os novos empregos criados nos últimos 50 anos. Computadores que podem reconhecer a voz estão substituindo operadores de telefone, os caixas automáticos substituíram os caixas de bancos. Em alguns hotéis, registro eletrônico de entrada, canal de voz e registro automático de saída substituíram o balcão; os hóspedes jamais precisam falar com alguém. À medida que a tecnologia de reconhecimento de personagem-e-voz se desenvolve, outros milhões de empregos como esses poderão desaparecer, diz Rifkin. As máquinas inteligentes também estão invadindo as profissões liberais. Computadores podem diagnosticar algumas doenças, e robôs podem agora ser programados para realizar operações tais como transplantes de ossos ilíacos. Máquinas sintetizadoras high-tech podem exercer a função de músicos, e, com computadores engenhosos, os filmes já não exigem astros. Nem os escritores podem se considerar indispensáveis, de acordo com Rifkin: um romance gerado por computador - um enredo tórrido, aparentemente não pior do que muitos elaborados por um cérebro humano - foi publicado em 1993.
- Segundo, a TI está sendo introduzida com muito maior rapidez do que as tecnologias anteriores, em parte porque seu preço está caindo mais rapidamente. Isso deixa menos tempo para substituir os empregos perdidos e para reciclar pessoal.
- Terceiro, a TI torna o trabalho mais móvel. Em alguns serviços, telecomunicações sofisticadas substituíram o contato com clientes. As empresas podem transferir empregos tais como programação de computadores ou processamento de pedidos de pagamento de seguros para países onde os salários são mais baixos. Nesse sentido, a TI não só reduz a demanda por trabalhadores, mas também aumenta a oferta abrindo postos de trabalho em todo o mundo. A TI pode até criar uma porção de empregos novos, dizem os pessimistas, mas é mais provável que isso aconteça no Leste da Ásia do que nas ricas economias industrializadas.
Fantasma na máquina
A resposta de um economista ortodoxo poderia ser aproximadamente esta: sim, uma nova máquina provavelmente reduzirá a quantidade de trabalho necessária para gerar um dado volume de produção. Mas concluir daí que o emprego geral declinará é sucumbir à falácia do limite-do-trabalho: a idéia há longo tempo desmentida de que existe apenas uma quantia fixa de produção (logo, de trabalho) em circulação. A própria tecnologia estimula a produção e cria demanda nova, seja aumentando a produtividade e, portanto, as rendas reais, seja pela criação de novos produtos. Videocassetes, telefones móveis, Walkmans Sony e lentes de contato flexíveis praticamente não existiam há 20 anos. Tais indústrias novas criaram nova demanda e novos empregos.
Se a nova tecnologia for aplicada na produção mais eficiente daquilo que já existe, em vez de ser empregada na criação de novos produtos, então o emprego pode cair a curto prazo. Mas a longo prazo essa eficiência ampliada também aumentará a demanda e os empregos. Geralmente, a introdução de uma nova tecnologia gera uma alta no investimento, que cria mais em pregos em empresas que produzem bens de capital. Mas os efeitos sobre receita e preço são até mais importantes. Se a nova tecnologia reduzir custos, isso deve conduzir a uma entre três coisas: quedas do preço do bem ou serviço em questão; aumentos salariais no setor que utilizar a nova tecnologia; ou aumento dos lucros. Salários mais altos ou preços menores aumentarão o poder de compra do consumidor e estimularão a demanda, conduzindo a ampliação da produção e do emprego em outras partes da economia.
Tudo isso segundo a teoria; e quanto aos fatos? Identificar os efeitos imediatos da nova tecnologia sobre a economia de trabalho é mais fácil do que identificar os efeitos compensatórios na demanda. Estudos da OCDE descobriram pouca evidência de que se possa atribuir a culpa pela elevação do desemprego à mudança tecnológica. De acordo com os estudos, na indústria como um todo a nova tecnologia cortou o número de empregos; entretanto, os EUA e o Japão - os maiores usuários de tecnologia de computação no setor industrial - estão se saindo melhor na frente de trabalho. Desde 1980, o emprego total nos EUA aumentou 24%, no Japão 17%, mas na União Européia aumentou menos de 2%. Isso parece confirmar que a nova tecnologia é boa, e não ruim para os empregos. O impacto da TI sobre os serviços é mais difícil de avaliar, mas a OCDE descobriu que, nos anos 80, os empregos em serviços aumentaram mais rapidamente em países que fizeram maiores investimentos em TI.
Tanto a teoria quanto a experiência sugerem que, num prazo mais longo, a nova tecnologia criará pelo menos tantos empregos quantos destruirá. Entretanto, esse processo está longe de ser automático, instantâneo e indolor. Sempre existirão defasagens entre a perda de empregos antigos e a criação de novos, assim como incompatibilidades entre as habilidades exigidas respectivamente pelos antigos e pelos novos empregos. A maior parte das perdas de empregos se concentrarão entre os pouco qualificados, enquanto muitos dos empregos do futuro estarão abertos apenas àqueles que tiverem boa educação e especializações.
Na medida em que a TI é mais difusa do que as tecnologias anteriores, pode realmente destruir mais empregos do que no passado, mas, graças a sua difusão, os efeitos compensadores na geração de demanda também deverão ser mais vigorosos. Da mesma forma, se a difusão da TI é mais rápida do que a das tecnologias precedentes, ela também deverá distribuir os benefícios mais rapidamente. O problema é que, se o abalo do mercado de trabalho for mais difuso e mais rápido, as inadequações poderão ser ainda mais penosas a curto prazo do que nas revoluções tecnológicas anteriores. A terceira preocupação a respeito da diferença entre a TI e as tecnologias que a precederam - a de que facilita, para as empresas, a transferência de empregos para o exterior - será discutida numa seção posterior deste relatório.
Carreiras no ciberespaço
Portanto, se a TI gerará uma porção de empregos novos, onde eles estarão? Ninguém sabe realmente. Muitos dos postos que estão sendo anunciados hoje - para, digamos, especialistas em derivativos ou treinadores físicos pessoais - não existiam 20 anos atrás. Em meados dos anos 70, dificilmente alguém trabalhava em software para computador; agora, cerca de dez milhões de pessoas em todo o mundo o fazem. A Agência de Estatísticas Trabalho dos EUA, que fornece previsões regulares sobre mudanças no mercado de trabalho o país (ver tabela), espera que, até 2005, haja uma redução de 20-30% nos empregos para datilógrafos, caixas de bancos e operadores de telefone, em relação 1994. Por outro lado, empregos para programadores de computador, enfermeiras e auxiliares de enfermagem para atendimento doméstico e professores se expandirão rapidamente. Também se espera que os empregos para guardas de segurança e funcionários de polícia se expandam, como resposta às crescentes tensões sociais. Os novos empregos também florescerão no setor de multimídia, à medida que a convergência das tecnologias de entretenimento, telecomunicações e computação crie novos tipos de serviços. A indústria cinematográfica americana criou mais empregos desde 1990 do que os fabricantes de carros, indústrias farmacêuticas e hotéis combinados. E serão abertas novas oportunidades para gerentes de informação e técnicos em Internet.
Mas, mesmo se a TI criar tantos empregos quantos destrói, eles não serão empregos apropriados, dizem os pessimistas: serão postos de trabalho falsos, de má qualidade, meio período, mal pagos, temporários. Americanos e europeus estão igualmente convencidos de que a insegurança no emprego é freqüente, não apenas entre trabalhadores manuais, mas também entre ocupações da administração. Mas, estranhamente, há pouca evidência de que seja mais provável do que costumava ser a perda do emprego pelo trabalhador médio.
Talvez seja assim porque, mesmo nos velhos bons tempos, um emprego por toda a vida era a exceção, mais do que a regra. Mas a rotatividade no mercado de trabalho tampouco aumentou perceptivelmente. Nos EUA, o tempo médio que um homem de meia-idade passa no mesmo emprego na verdade aumentou ligeiramente, de pouco mais que seis anos, em 1966, para sete anos, em 1991. Por outro lado, a permanência média para os trabalhadores mais jovens e mais velhos declinou ligeiramente. Estatísticas oficiais também desmentem o argumento de que a maioria dos empregos novos são de má qualidade. Durante os últimos dez anos, mais ou menos, o crescimento líquido do emprego em serviços nos EUA tem sido predominantemente em bem pagas posições gerenciais e profissionais. Na Grã-Bretanha, também, um estudo feito por Simon Burges e Hedley Rees nada descobriu que sugerisse que tecnologia e competição abalam mais o mercado de trabalho. A permanência média nos empregos para todos os homens caiu ligeiramente, de 10,5 anos, em 1975, para 9,4 anos em 1992, mas na faixa dos 31-45 anos permaneceu aproximadamente a mesma. Foram os homens mais velhos, especialmente os desqualificados e mal pagos, que sofreram com uma rotatividade mais rápida. É fato que a parcela de empregos de meio período aumentou na maior parte dos países industrializados, mas o aumento durante a última década não foi mais rápido do que nas décadas de 1960 e 1970, e a principal força motriz tem sido a freqüentemente expressa preferência das mulheres por trabalhos em meio período, e não algum sinistro colapso do mercado de trabalho. O último relatório sobre Perspectiva do Emprego da OCDE também produziu cifras que mostram, contrariando a opinião convencional, que na maioria dos países não tem havido aumento significativo dos empregos temporários. As principais exceções são França e Espanha, onde empresas têm usado contratos de curto prazo para contornar leis rigorosas de contratação e dispensa.
A difundida crença no declínio da qualidade e segurança da maior parte dos empregos pode ter sido encorajada pela pesada cobertura da mídia sobre as perdas de emprego em grandes empresas, enquanto a expansão nas pequenas passa despercebida. Inegavelmente, alguns trabalhadores se deram mal, mas isso é verdadeiro sobretudo para os desqualificados; os riscos para os trabalhadores de escritório têm sido grandemente exagerados. Cínicos poderiam concluir que a culpa pelo sentimento de insegurança deveria ser atribuída a perdas de empregos permanentes na mídia e na academia.
Euroneurose
Além disso, a segurança não é necessariamente uma coisa boa se significa rigidez no padrão de empregos. Numa economia saudável, tal padrão deveria estar evoluindo evolvendo, com alguns setores em expansão e outros em declínio. Apenas se os recursos forem livres para se mover para novos setores os efeitos de estimulação da nova tecnologia sobre a demanda excederão os efeitos da economia de trabalho. Países com mercados flexíveis de trabalho e produtos, tais como EUA e Grã-Bretanha, deverão ter capacidade para fazer uma transição suave de setores em declínio para setores em expansão, enquanto a Europa continental descobrirá que seus mercados de trabalho e produtos muito mais rígidos, planejados para proteger empregos, também bloqueiam a criação de empregos.
Um relatório feito pelo McKinsey Global Institute concluiu, em 1994, que barreiras a mercados de produtos são tão importantes quanto a inflexibilidade dos mercados de trabalho para explicar por que a expansão do emprego se dá em ritmo mais lento na Europa continental do que nos EUA. Na Europa, normas rigorosas para os mercados de produtos, tais como horário de abertura das lojas, leis de zoneamento e restrições a produtos financeiros, têm atrapalhado a criação de novos setores e empregos. Por exemplo, normas governamentais retardaram o desenvolvimento do cabo e da televisão em vários países; uma regulamentação pesada conteve a concorrência e, portanto, novos empregos nos serviços financeiros europeus. Nos EUA, onde perdas de emprego em atividades bancárias tradicionais, tais como pagamentos, depósitos e empréstimos estiveram entre as mais pesadas, graças em parte à rápida introdução das caixas automáticas, o emprego total no setor bancário tem crescido mais rapidamente, por causa de uma expansão explosiva em áreas mais novas, tais como hipotecas e valores mobiliários.
O relatório McKinsey conclui que, em muitos serviços, as restrições ao mercado de produtos podem ser mais importantes do que as inflexibilidades do mercado de trabalho na contenção do crescimento do emprego. Mas empregos de salários menores, tais como vendas a varejo e construção, o estudo destaca os altos salários mínimos, que desencorajam a admissão, pelos empregadores, de trabalhadores sem qualificação.
Na França e na Alemanha, os salários médios no varejo são aproximadamente iguais aos da indústria; nos EUA eles giram em torno de apenas dois terços da média na manufatura. Dificilmente surpreende, portanto, que o número de empregos no setor varejista tenha se expandido no país, enquanto na França e na Alemanha declinou.
As regulamentações para os mercados de produtos e trabalho são sempre planejadas para proteger empregos, mas em vez disso elas tolhem a criação deles. A pior coisa que os governos podem fazer é tentar diminuir o ritmo do processo de ajuste através de regulamentação, subsídios ou protecionismo. Eles podem poupar algumas pessoas do sofrimento, mas deprimirão os padrões de vida e o crescimento do emprego para o país como um todo. Em vez disso, os governos deveriam fazer o possível para estimular o ajuste - enquanto reduziriam o sofrimento para os mais atingidos pela mudança. Eles também precisam garantir, melhorando a qualificação de seus trabalhadores, que mais pessoas estarão aptas a aproveitar as novas oportunidades. Tanto a tecnologia da informação quanto a globalização favorecem os altamente qualificados. Para os não qualificados, o futuro poderá ser realmente implacável.
Notícia
Gazeta Mercantil