O Brasil viu em 2024 seus ecossistemas sendo transformados em fumaças e cinzas. Isso no Pantanal, Cerrado e Amazônia, ou seja, mais da metade da área do território nacional. Altíssimos níveis de poluentes atmosféricos como monóxido de carbono e partículas finas bateram todos os recordes 1 . Na cidade de São Paulo, distante mais de 1.500 Km da Amazônia, os principais poluentes atmosféricos não foram mais os 8 milhões de veículos, como é usual, mas as emissões de queimadas na Amazônia.
O mesmo em outras 2.848 cidades brasileiras que ficaram em alerta para baixa umidade do ar, com péssima qualidade do ar, muito acima dos padrões recomendados pela legislação brasileira, afetando a saúde de milhões de brasileiros. Tivemos também milhares de animais mortos nas queimadas, visíveis no Pantanal, mas que também ocorrem nos outros biomas sendo destruídos. Já temos em setembro de 2024, mais de 103.000 focos de calor neste ano, superando os 98.646 de 2023. O Brasil queimou 11 milhões de hectares entre janeiro e agosto de 2024, segundo a rede MapBiomas. Nas Florestas Públicas Não Destinadas, que são o principal alvo da grilhagem de terras, houve um aumento de 176% na área queimada em 2024. As Terras Indígenas e as Unidades de Conservação também sofreram muito com a destruição pelo fogo. A fumaça destes incêndios cobriu mais de 50% do território nacional pelos últimos 2 meses, levando muita gente aos hospitais e pronto socorros, especialmente crianças e idosos.
Estes eventos climáticos extremos trazem prejuízos enormes à população, principalmente a de baixa renda, e aos ecossistemas que sustentam nossa população e economia
A população brasileira tem muitas perguntas sobre essa situação insuportável. Por quê? Quais são os efeitos para nosso país? Como o Brasil pode sair desta situação desastrosa? São questões importantes para a sociedade brasileira. Estes fatos foram discutidos em reunião dos Três Poderes (Executivo federal, Legislativo e Judiciário) no Palácio do Planalto, dia 17 de setembro. Todas as vozes foram unânimes de que temos que alterar o rumo deste estado de destruição de nossos ecossistemas, e seguir um caminho sustentável para o país.
Estes eventos climáticos extremos trazem prejuízos enormes à população, principalmente a de baixa renda, e aos ecossistemas que sustentam nossa população e economia. Eventos climáticos extremos sempre prejudicam sempre os mais pobres. Esta fumaça está tendo impacto importante na saúde da população em geral, e em particular nos indígenas amazônicos, em todos os que ficam ao longo da longa trajetória da fumaça.
Por causa das mudanças climáticas, estamos enfrentando a maior seca da história recente no Brasil e um rápido aumento da temperatura. Mas a seca extrema não provoca incêndios. Salientamos que não há registros significativos de raios nas regiões afetadas neste agosto e setembro, portanto, estes incêndios são todos provocados por ações humanas, sem autorização legal, já que o governo suspendeu todos as queimadas pré autorizadas. Ou seja, são incêndios criminosos, reconhecidos pelo presidente do STF, Ministro da Justiça e Lula na reunião do Palácio do Planalto. Certamente é fundamental que a lei seja cumprida, e temos que urgentemente implementar a proibição completa e permanente do uso do fogo na agricultura brasileira.
Temos também que implementar uma rápida transição energética, eliminando a produção e consumo de combustíveis fósseis, e utilizar nosso enorme potencial de geração solar e eólica, além da energia hidroelétrica. Isso pode fazer com que o país se transforme em uma potência energética renovável e barata, trazendo vantagens estratégicas ao país. Temos também que usar nossa influência internacional para que os demais países também eliminem a produção de combustíveis fósseis.
Estamos observando uma forte aceleração das mudanças climáticas tanto no Brasil como em todo o planeta. O ano de 2023 foi o mais quente dos últimos 125.000 anos. Com a atual exploração de combustíveis fósseis, estamos indo para uma trajetória de aquecimento global média de 3 graus Celsius
Estamos observando uma forte aceleração das mudanças climáticas tanto no Brasil como em todo o planeta. O ano de 2023 foi o mais quente dos últimos 125.000 anos. Com a atual exploração de combustíveis fósseis, estamos indo para uma trajetória de aquecimento global média de 3 graus Celsius. É fundamental o Brasil ter coerência no planejamento de seu futuro. Nosso país é um dos maiores produtores de petróleo do planeta, e planeja explorar petróleo até na foz do Amazonas. O governo anunciou que pretende asfaltar a rodovia BR319 (Manaus-Porto Velho), que vai rasgar uma parte da Amazônia pelo meio. São ações que vão na contramão das ações necessárias para mitigar emissões de gases de efeito estufa e proteger o ecossistema amazônico.
O Brasil e o planeta podem estar caminhando para um “ponto de não retorno” climático, e um programa de Estado brasileiro de longo prazo é necessário para nos adaptarmos ao clima que já mudou e que vai mudar ainda mais nos próximos anos e décadas. E temos que atuar internacionalmente para acabar com a exploração de combustíveis fósseis, que é a raiz do problema. A atuação brasileira na COP-30 e no G20 precisa enfatizar estas questões.
Paulo Artaxo é professor do Instituto de Física da USP, membro do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU) e do Programa Mudanças Climáticas FAPESP.
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.PARCEIRO
Mudanças Climáticas FAPESP