Notícia

Jornal da Ciência online

O Brasil e o século da inovação (1 notícias)

Publicado em 25 de junho de 1999

Por Jacques Marcovitch*
Se o Brasil não agir hoje para construir o seu futuro, simplesmente não haverá futuro. Não me refiro ao futuro só como o tempo que sucede ao presente, mas como o tempo em que a ciência de hoje vai, finalmente, produzir seus frutos. O Instituto de Pesquisas Tecnológicas de SP comemora cem anos. Nascido em 1899, no âmbito da Escola Politécnica, inicia sua caminhada rumo ao segundo centenário, ajustando-se à expectativa de que o século 21 será o "século da inovação". Forja, em seus 72 laboratórios, mais de 3.000 ensaios, testes e análises, voltados fundamentalmente para mudanças de rumo nos setores privado e público. O IPT está no caminho certo. A inovação e a palavra-chave que abre as portas do futuro. Estudo da revista The Economist mostra-a como melhor alternativa para expansão dos negócios. O inovador despreza o investimento especulativo — e não faz isso só porque é um bom sujeito. Alem de gesto construtivo, é opção inteligente: as inovações geram muito mais lucro do que meras especulações comerciais. A taxa média de retorno de 17 inovações de sucesso nos EUA, em uma década, foi de 56%, enquanto a de todos os investimentos da economia norte-americana nos últimos 30 anos, ficou em 16%. Os inovadores japoneses, de olho no consumo doméstico, diminuíram o tamanho do videocassete, lançado em 74. Eles encolheram tudo: o preço, a embalagem e a fita, que se reduziu a três quartos de polegada. Esse videocassete compacto entrou para a história do mercado. É, com o telefone celular, o produto mais comprado no mundo. Os EUA vivem extraordinário momento de prosperidade, e a inovação terá papel decisivo no prolongamento dessa fase. Mais de 50% do crescimento do país vem de indústrias novas, com pouco mais de dez anos de existência, que reformularam seus processos. Embora a inovação possa verificar-se em qualquer área, ela está mais acentuadamente vinculada à dimensão tecnológica. Nos países em desenvolvimento, não havendo prioridade estratégica para programas de ciência e tecnologia, o retrocesso é inevitável. Se o Brasil não agir hoje para construir o seu futuro, simplesmente não haverá futuro. Não me refiro ao futuro só como o tempo que sucede ao presente, mas como o tempo em que a ciência de hoje vai, finalmente, produzir seus frutos. A América Latina e o Brasil foram atingidos pelos vendavais que abalam quase todas as economias do mundo. O governo central empenha-se numa inadiável tarefa de ajustar as contas públicas. Percebe-se, porém, que essa iniciativa, embora justa, comete dois desvios perigosos: corta recursos de programas sociais já limitados e diminui drasticamente verbas já escassas em ciência e tecnologia. Uma exceção (e um paradigma de consciência estratégica) é a Fapesp, em SP, que, apesar de todas as crises, vem zelando exemplarmente pelo progresso da ciência. Quando questionam políticas restritivas e opostas à implementada pela Fapesp, as Universidades de pesquisa não agem em causa própria, mas como braços do Estado. Atuam como núcleos em que C&T interagem diuturnamente para construir a modernidade. Têm o dever de empreender esforços, inclusive na área política. É ilusão supor que as causas triunfam por si e que basta serem justas para que alcancem os melhores resultados. O texto da The Economist registra que o prof. Gregory Daines, da Universidade de Cambridge, aponta a inovação como a religião emergente no setor industrial deste final de século. Ela começa a ser uma espécie de teologia unificadora das políticas de centro, esquerda e direita. Cumpre-se a profecia do economista francês Jean-Baptiste Say, que, por volta de 1800, cunhou a palavra "empreendedor", hoje tão em moda. O empreendedor, dizia Say, "transfere recursos econômicos de uma área de baixa produtividade para uma área em que ela é maior e oferece maior rentabilidade". Cambridge, com mais de 700 anos de existência, tem a maior concentração de alta tecnologia entre as Universidades da Europa. Seu reitor, sir Alec Broers, esteve na USP e observou que essa posição foi alcançada porque a inovação passou a ser prioridade número um. Toda Universidade moderna deve agir assim para criar novas fontes de financiamento, manter o ritmo das pesquisas e garantir seus objetivos no milênio vindouro. * Reitor da USP e autor de A Universidade (Im)possível (Editora Futura/Siciliano). E-mail: .