Carl von Martius participou de expedições que ajudaram a nomear cerca de 50% das espécies de flora do país. Foram coletadas cerca de 20 mil amostras de plantas, de 6,5 mil espécies.
A Rua Von Martius é uma das mais conhecidas da região do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. Ela recebeu esse nome em homenagem a um dos naturalistas que percorreu parte do Brasil para fazer um levantamento da flora nacional, uma história lá do século 18.
Carl Friedrich Philipp von Martius nasceu em 1794, no estado da Baviera, sul da Alemanha. Quando jovem, decidiu estudar medicina, mas acabou se encantando pela botânica. Com 23 anos, veio ao Brasil na comitiva da arquiduquesa austríaca Leopoldina, que iria se casar com Dom Pedro I.
Von Martius tinha recebido da Academia de Ciências da Baviera a missão de pesquisar as províncias mais importantes do Brasil colonial para formar coleções botânicas, zoológicas e mineralógicas. O alemão fez parceria com o conterrâneo, o zoólogo Johan Baptist von Spix, com quem realizou descobertas importantes e iniciou o trabalho de documentação.
A doutora em biologia vegetal e professora da Unesp de Assis Renata Giassi Udulutsch explica a importância da expedição para a ciência.
"A expedição de Martius durou três anos, entre os anos de 1817 e 1820, e percorreu aproximadamente 14 mil km do nosso país, passando pelas regiões Sudeste, Nordeste e Norte. Foi o mais completo registro da fauna e da flora brasileiras até os dias de hoje, que resultou em uma série de trabalhos com valor científico inestimável", contextualiza Renata.
Segundo ela, a obra Flora Brasiliensis é considerada "monumental", não apenas por seu tamanho que inclui cerca de 50% do total de espécies conhecidas para o Brasil nos dias atuais, mas também por ser, até hoje, a única referência para a identificação de muitas famílias botânicas.
"Além disso, as ilustrações presentes no trabalho são riquíssimas em detalhes, tratando-se de verdadeiras obras de arte. Vale destacar que as ilustrações foram feitas com bico de pena, o que torna o trabalho ainda mais especial" , explica a pesquisadora.
A obra de Von Martius apresenta minuciosas descrições morfológicas para cada uma das espécies, o que permite ao leitor imaginar a planta apenas lendo os textos.
Além disso, o naturalista retratou as paisagens brasileiras e tipos de vegetação por meio de 59 ilustrações, sendo responsável pela primeira organização fitogeográfica do país e fornecendo as bases para a divisão dos biomas brasileiros.
Fitogeografia é um ramo da biogeografia responsável por estudar a origem, distribuição, adaptação e associação das plantas de acordo com a localização geográfica e sua evolução.
O volume de material coletado para estudo por Von Martius foi tão expressivo que a obra Flora Brasiliensis só foi concluída depois de mais de meio século de seu início. A doutora Renata Udulutsch explica o que foi possível publicar a partir da expedição pelo interior do país.
Local perto da propriedade de Jundiquara, no distrito de Ubatuba, em 1851. — Foto: Litografia em preto e sépia sobre papel de Carl Friedrich Phillip von Martius / Coleção Martha e Erico Stickel / Acervo IMS
Flora Brasiliensis De acordo com Renata, a obra Flora Brasiliensis é constituída por 15 volumes e 40 partes, originalmente publicadas em 140 fascículos, totalizando 10.367 páginas. Ela também inclui 3.811 pranchas, que ilustram 6.246 das 22.767 espécies descritas.
Durante a expedição de Von Martius, foram coletadas cerca de 20 mil amostras de plantas, de 6,5 mil espécies. No entanto, para finalizar a obra, muitas outras amostras, depositadas em herbários europeus, foram utilizadas.
Von Martius não viveu a tempo de ver o trabalho concluído. Depois da morte dele, em 1868, outros cientistas de várias nacionalidades ajudaram na conclusão do estudo, que levou 66 anos.
"O mais interessante é que passados cem anos da publicação do último volume de Flora Brasiliensis, ela se tornou acessível aos cientistas e ao público em geral por meio da internet, como resultado do projeto Flora Brasiliensis On-Line, financiado pela Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa no do Estado de São Paulo] e empresas privadas", comenta a professora universitária.
A digitalização das imagens para o site foi feita pelo Jardim Botânico de Missouri, nos Estados Unidos. Com riqueza de detalhes e em alta resolução, os desenhos podem ser consultados pelo nome científico de cada espécie, pelo volume ou pela página da obra impressa. O desenvolvimento e gerenciamento do grande banco de dados reunido pelo Flora Brasiliensis On-Line está sob a responsabilidade do Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria).
Udulutsch pontua que a disponibilização de uma obra de tamanha importância é fundamental para o ensino da fauna brasileira, tão rica e variada.
"A disponibilização on-line de obras é fundamental para garantir a capilaridade do conhecimento técnico-científico. O acesso à Flora Brasiliensis facilita para quem quer desenvolver seus trabalhos científicos, além de permitir que o público em geral tenha acesso à história natural do nosso país, conhecendo um pouco mais sobre a nossa flora", diz.
Talvez Von Martius não imaginasse que, dessa expedição, sairia o mais amplo estudo sobre vegetação no Brasil e que todo o conhecimento científico gerado pela obra, poderia ser acessado por milhares de pessoas. Afinal, só quando conhecemos, temos a noção da importância de preservar.