Adoção de programas nos manterá à frente no setor das bio-refinarias
Wilson Nigri*
"O Brasil está muito à frente do resto do mundo, mas está sendo alcançado. Será que o Brasil conservará sua liderança ou se tornará um caudatário?"
Esta provocante interrogação, proferida por Alan Mac Diarmid, prêmio Nobel de Química de 2000, durante a 3 Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, refere-se à pesquisa e ao desenvolvimento das novas tecnologias do álcool combustível. Mac Diarmid foi generoso ao dar dois ou três anos de prazo até que sejamos superados nesse campo.
Durante os vinte meses em que fui assessor especial do ministro Alcides Tápias, no Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, colaborei com projeto sobre o Reformador do Etanol, o qual a ministra Dilma Rousseff considerou prioritário em relativamente recente seminário sobre os 30 anos do Proálcool. Seu objetivo era fazer do álcool a fonte de hidrogênio para abastecer as novas células de combustível. Iniciativa do MDIC, MCT e INT, o projeto previa a cooperação entre setor público e privado. A despeito do enorme avanço que poderia proporcionar ao desenvolvimento econômico e social do nosso país, ele malogrou por razões de ordem política e não comercial ou tecnológica.
Deixando de lado o ufanismo que está sempre presente quando o assunto é álcool combustível como patrimônio nacional, gostaria de destacar quatro programas que estão a exigir um grande esforço das nossas elites acadêmicas, empresariais e políticas para que possamos nos manter à frente e não a reboque do conhecimento no setor do agronegócio ou, mais especificamente, no setor das bio-refinarias. São eles: 1) Desenvolvimento de novos cultivares de cana de açúcar que respondam ao uso da água e sejam resistentes a fungos e pragas. 2) Nutrição com o aproveitamento de biodetritos marinhos. 3) Infra-estrutura de irrigação como interface entre variedades selecionadas e nutrição racional ou fertirrigação. 4) Extração do álcool residual existente no bagaço da cana-de-açúcar por processo enzimático.
Nos três primeiros casos o objetivo é alcançar 200 toneladas por hectare de rendimento agrícola com administração racional de insumos em qualquer condição climática, enquanto no terceiro aproveita-se o álcool residual existente na palha e no bagaço da cana-de-açúcar, elevando o rendimento para perto de 200 litros de álcool por tonelada de cana, ou seja, é possível multiplicar por quatro a quantidade de álcool combustível por hectare, com melhoras no rendimento agrícola e eficiência industrial.
Está cientificamente comprovado que se pode ir além das 200 toneladas de matéria orgânica por hectare plantado com cana-de-açúcar e que sua renovação poderá se estender a 10 ou 12 anos, o que contrasta com a produção do Sudeste, que se aproxima das 90 toneladas de média anual em cinco ou seis cortes. É animador verificar que os trabalhos em andamento na Canavialis e na Allelix buscam alcançar as 200 toneladas de cana por hectare através de pesquisas programadas para os próximos cinco anos. Ambas as empresas pretendem tornar as variedades em desenvolvimento resistentes às doenças mais comuns à cana-de-açúcar, mesmo se for necessário recorrer a cultivares transgênicos e negociar com o Ibama sua comercialização.
Para ser completo, esse trabalho requer interação com o produtor rural, responsável pelo controle da umidade e da nutrição das suas lavouras ao longo do ciclo vital da cultura. A administração racional dos nutrientes por meio do consagrado conceito da fertirrigação requer investimentos de capital em infra-estrutura de irrigação e assistência agronômica. A utilização de fertilizantes solúveis na água de irrigação permite reduzir a quantidade de macronutrientes, especialmente se o lithothaminium, alga calcárea pouco estudada no Brasil, for utilizada. Corrige-se a acidez do solo e melhora a absorção dos fertilizantes nitrogenados com enormes benefícios para os produtores rurais e para a economia do País.
Espero que não esteja longe o momento em que os industriais de açúcar e álcool respondam com aumento do rendimento agrícola aos desafios gerados pelas vitórias na OMC, e não com a expansão da área plantada. É comum ouvir dos formadores de opinião do setor açúcar e álcool que tais conquistas deverão exigir 2 milhões de canaviais adicionais no Brasil. Raros são aqueles que se manifestam sobre as possibilidades reais oferecidas pela inovação tecnológica, com ganhos de 20% na produtividade agrícola e na eficiência industrial. O quarto programa mencionado acima refere-se aos avanços que a indústria do etanol vem alcançando em decorrência do suporte que o governo americano, mesmo não sendo signatário do Protocolo de Kyoto, tem dado ao setor de energias renováveis. Mais de 200 projetos relacionados com o domínio da tecnologia das enzimas foram apresentados por empresas de diferentes nacionalidades — 19 empresas já foram beneficiadas com apoio oficial. É notável o progresso alcançado nos últimos cinco anos; o aproveitamento do álcool residual existente no sabugo e na palha do milho aumentará a competitividade da produção americana.
Recentemente, uma nova enzima, de nome STARGEN, foi colocada no mercado pela Genencor International. Ela é capaz de hidrolisar o amido granular diretamente em glucose fermentada, sem a necessidade de cozimento. O processo pode revolucionar a indústria de álcool combustível em decorrência do maior rendimento do milho como insumo da indústria, com redução do consumo de energia, dos custos operacionais e também dos custos de capital.
Um processo químico de extração do álcool residual do bagaço e da palha da cana está sendo desenvolvido há mais de 20 anos pela Dedini Indústrias de Base e pelo CTC, da FAPESP. Os processos químicos tendem a ser mais eficientes do que os processos mecânicos, justificando, portanto, a iniciativa. Entretanto, não se tem conhecimento de iniciativas no campo das enzimas, seguramente uma solução com menor impacto ambiental e consistente com o conceito da bio-refinaria.
*Wilson Nigri - Diretor-executivo do Unibanco, presidente da Brascorp e da Isratec. Ex-assessor especial do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio do governo FHC, Alcides Tápias
Wilson Nigri*
"O Brasil está muito à frente do resto do mundo, mas está sendo alcançado. Será que o Brasil conservará sua liderança ou se tornará um caudatário?"
Esta provocante interrogação, proferida por Alan Mac Diarmid, prêmio Nobel de Química de 2000, durante a 3 Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, refere-se à pesquisa e ao desenvolvimento das novas tecnologias do álcool combustível. Mac Diarmid foi generoso ao dar dois ou três anos de prazo até que sejamos superados nesse campo.
Durante os vinte meses em que fui assessor especial do ministro Alcides Tápias, no Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, colaborei com projeto sobre o Reformador do Etanol, o qual a ministra Dilma Rousseff considerou prioritário em relativamente recente seminário sobre os 30 anos do Proálcool. Seu objetivo era fazer do álcool a fonte de hidrogênio para abastecer as novas células de combustível. Iniciativa do MDIC, MCT e INT, o projeto previa a cooperação entre setor público e privado. A despeito do enorme avanço que poderia proporcionar ao desenvolvimento econômico e social do nosso país, ele malogrou por razões de ordem política e não comercial ou tecnológica.
Deixando de lado o ufanismo que está sempre presente quando o assunto é álcool combustível como patrimônio nacional, gostaria de destacar quatro programas que estão a exigir um grande esforço das nossas elites acadêmicas, empresariais e políticas para que possamos nos manter à frente e não a reboque do conhecimento no setor do agronegócio ou, mais especificamente, no setor das bio-refinarias. São eles: 1) Desenvolvimento de novos cultivares de cana de açúcar que respondam ao uso da água e sejam resistentes a fungos e pragas. 2) Nutrição com o aproveitamento de biodetritos marinhos. 3) Infra-estrutura de irrigação como interface entre variedades selecionadas e nutrição racional ou fertirrigação. 4) Extração do álcool residual existente no bagaço da cana-de-açúcar por processo enzimático.
Nos três primeiros casos o objetivo é alcançar 200 toneladas por hectare de rendimento agrícola com administração racional de insumos em qualquer condição climática, enquanto no terceiro aproveita-se o álcool residual existente na palha e no bagaço da cana-de-açúcar, elevando o rendimento para perto de 200 litros de álcool por tonelada de cana, ou seja, é possível multiplicar por quatro a quantidade de álcool combustível por hectare, com melhoras no rendimento agrícola e eficiência industrial.
Está cientificamente comprovado que se pode ir além das 200 toneladas de matéria orgânica por hectare plantado com cana-de-açúcar e que sua renovação poderá se estender a 10 ou 12 anos, o que contrasta com a produção do Sudeste, que se aproxima das 90 toneladas de média anual em cinco ou seis cortes. É animador verificar que os trabalhos em andamento na Canavialis e na Allelix buscam alcançar as 200 toneladas de cana por hectare através de pesquisas programadas para os próximos cinco anos. Ambas as empresas pretendem tornar as variedades em desenvolvimento resistentes às doenças mais comuns à cana-de-açúcar, mesmo se for necessário recorrer a cultivares transgênicos e negociar com o Ibama sua comercialização.
Para ser completo, esse trabalho requer interação com o produtor rural, responsável pelo controle da umidade e da nutrição das suas lavouras ao longo do ciclo vital da cultura. A administração racional dos nutrientes por meio do consagrado conceito da fertirrigação requer investimentos de capital em infra-estrutura de irrigação e assistência agronômica. A utilização de fertilizantes solúveis na água de irrigação permite reduzir a quantidade de macronutrientes, especialmente se o lithothaminium, alga calcárea pouco estudada no Brasil, for utilizada. Corrige-se a acidez do solo e melhora a absorção dos fertilizantes nitrogenados com enormes benefícios para os produtores rurais e para a economia do País.
Espero que não esteja longe o momento em que os industriais de açúcar e álcool respondam com aumento do rendimento agrícola aos desafios gerados pelas vitórias na OMC, e não com a expansão da área plantada. É comum ouvir dos formadores de opinião do setor açúcar e álcool que tais conquistas deverão exigir 2 milhões de canaviais adicionais no Brasil. Raros são aqueles que se manifestam sobre as possibilidades reais oferecidas pela inovação tecnológica, com ganhos de 20% na produtividade agrícola e na eficiência industrial. O quarto programa mencionado acima refere-se aos avanços que a indústria do etanol vem alcançando em decorrência do suporte que o governo americano, mesmo não sendo signatário do Protocolo de Kyoto, tem dado ao setor de energias renováveis. Mais de 200 projetos relacionados com o domínio da tecnologia das enzimas foram apresentados por empresas de diferentes nacionalidades — 19 empresas já foram beneficiadas com apoio oficial. É notável o progresso alcançado nos últimos cinco anos; o aproveitamento do álcool residual existente no sabugo e na palha do milho aumentará a competitividade da produção americana.
Recentemente, uma nova enzima, de nome STARGEN, foi colocada no mercado pela Genencor International. Ela é capaz de hidrolisar o amido granular diretamente em glucose fermentada, sem a necessidade de cozimento. O processo pode revolucionar a indústria de álcool combustível em decorrência do maior rendimento do milho como insumo da indústria, com redução do consumo de energia, dos custos operacionais e também dos custos de capital.
Um processo químico de extração do álcool residual do bagaço e da palha da cana está sendo desenvolvido há mais de 20 anos pela Dedini Indústrias de Base e pelo CTC, da FAPESP. Os processos químicos tendem a ser mais eficientes do que os processos mecânicos, justificando, portanto, a iniciativa. Entretanto, não se tem conhecimento de iniciativas no campo das enzimas, seguramente uma solução com menor impacto ambiental e consistente com o conceito da bio-refinaria.
*Wilson Nigri - Diretor-executivo do Unibanco, presidente da Brascorp e da Isratec. Ex-assessor especial do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio do governo FHC, Alcides Tápias